James Woodson | Getty Images

A caloira que eu não fui

Este fim-de-semana saíram as colocações no ensino superior, logo estamos em semana de matrículas. Sensivelmente há um ano, encaminhava-me finalmente para a capital, momento com que há anos sonhava. No entanto, não posso afirmar que estava completamente feliz. Não parecia estar perdoada por ter escolhido ir para tão longe de casa quando podia ficar ali no Porto ou em Coimbra (e poupar em bilhetes do Alfa Pendular), além de que a escolha do curso continuava a saltitar dentro da minha cabeça, não sorridente como a bolinha que anunciara que fora colocada, mas incerta e ansiosa.

Eu fui uma péssima caloira. Sei-o e admito-o. Em primeiro lugar, durante o Verão inteiro, não me interessei minimamente pela minha futura faculdade, embora tivesse praticamente a certeza de que ficaria na primeira opção. Depois, não posso afirmar ter ficado propriamente em extâse na noite em que os resultados foram divulgados. Todos à minha volta pareciam mais satisfeitos do que eu, e, até agora, esse facto não se alterou. Ainda que os primeiros dias tenham sido bastante acolhedores e me tenha chegado a sentir entusiasmada, foi sol de pouca dura e nas semanas seguintes as nuvens regressaram-me ao espírito. Tudo me irritava, desde as instalações às aulas, e sobretudo os colegas, demasiado contentes com a vida para me conseguir identificar. Não que não tenha gostado de alguns deles logo à primeira vista, simplesmente não partilhava o seu fascínio. Talvez grande parte do meu distanciamento se deva à minha desilusão com a praxe.



Foi apresentada à vida académica num ano em que as práticas ligadas à praxe estavam envolvidas em polémica, o que me fez criar algumas expectativas. Atenção, nunca fui nem sou anti-praxe, apenas não vi qualquer benefício ou utilidade pessoal nela. A minha experiência, que a minha mente surrealista imaginara a caminhar no misticismo, terminou com uma doutora aborrecida e eu, já chorona por natureza, a fazer uma enorme birra, com tudo a que estas têm direito, ou seja, muitas lágrimas. Após este triste episódio mexicano, ponderei lá voltar e ainda fui a uma serenata qualquer. Entretanto, decidi que afinal ninguém ali tinha segredos para me contar e que seguir ordens aleatórias não era a algo em que valesse investir o meu tempo, mesmo tendo em conta que no final ganharia a minha vingança no ano a seguir e novos amigos para tomar café (ou te levar a casa depois do Magusto). No entanto, percebi na altura que as únicas pessoas a quem não me importava de ser eu a pagar a bica não iam à praxe e foi assim que nunca mais lá pus os pés. Não faço ideia de a quem ou ao quê possa atribuir a culpa pelo desapreço pelas matérias e falta de estudo e método, além de a mim mesma (e à internet). Habituada a saber como me organizar entre mil e uma actividades, ao vê-las quase todas ausentes, o primeiro semestre revelou-se uma tragédia grega, que culminou num horroroso ataque de ansiedade, como antes jamais tivera, nas vésperas da oral de anatomia. Não posso dizer que as coisas tenham mudado substancialmente no segundo semestre, contudo dessa vez não me convenci de que o apocalipse tinha chegado. A única realidade que apreciei verdadeiramente foi a liberdade. A doce independência de horários, a ausência de nagging e a vida numa cidade decente (e dormir muito) foram presentes preciosos da saída do ninho (e da existência de metro), dos quais não abdicaria por um menor número de lamúrias no chuveiro. No final do ano, tudo acabou eventualmente por atingir uma espécie de equilíbrio, dado não só pela habituação, aceitação e desapego, mas também graças à nossa incrível capacidade de adaptação e a um punhado de seres humanos absolutamente fantásticos. Pensei inúmeras e sérias vezes em desistir. Aliás, a minha “alma gémea” amarela fê-lo e foi ser feliz, uma decisão que exige para além de uma enorme coragem, uma esperança gigante e considero que não há nada mais audaz do que confiar nas possibilidades. Mas tal como é preciso ousadia para ir, é preciso ousadia para ficar. O importante é calibrar a balança (beber tequila) e acreditar que o mais difícil numa decisão é tomá-la. E lembrar que, por mais incrível que pareça, alguém sente o que sentes, ou que pelo menos, te pode escutar e tentar entender. Um dia, abres os olhos e pensas “Calma que eu consigo”, pois lá no fundo, onde para chegar precisaste de uma ajudinha, tu sabes o que queres. É como eu dizia a um grande amigo meu, tu perdes-te, mas encontras-te. Whatever that means.

Colabora!

Este texto faz parte de uma nova série de textos de opinião de alunos do ensino secundário e superior sobre a sua visão do ensino e da educação.

Gostavas de publicar um texto? Colabora connosco.