Maria (M.): Fala-nos um pouco do teu curso, em que consiste e quais são as suas saídas profissionais.
Inês Mosqueira (I. M.): Tal como a Criminologia é uma ciência multidisciplinar, o curso também o é: constitui uma mistura de cadeiras de Psicologia, Biologia e Direito, mas não só. As disciplinas são muito diversificadas, sendo que estudamos todos os aspetos relativos ao nosso objeto de estudo: o crime.
Relativamente às saídas profissionais, devo dizer que não são assim tão diversificadas. Concorremos essencialmente a cargos na PSP, na GNR ou na PJ, mas a verdade é que licenciados noutras áreas competem connosco num momento inicial. Por exemplo, na GNR, é indiferente ser-se licenciado em Criminologia ou em Direito. Também podemos trabalhar na APAV, em prisões, em câmaras municipais, mas a verdade é que não existem cargos específicos para os criminólogos e temos sempre de competir com outras áreas já reconhecidas no mercado.
Laura Lamosa Jota (L. L. J.): A criminologia consiste no estudo pluridisciplinar do fenómeno criminal, constituindo o cruzamento dos saberes sobre o crime, a desviância, os sistemas de controlo social, o delinquente, a vítima, o espaço e a reação social ao crime.
Os/as licenciados/as em criminologia estão vocacionados e preparados para se inserirem em diversos contextos laborais, desde a investigação científica, qualquer corporação policial, serviços de estrangeiros e fronteiras, serviços de inspeção das atividades económicas, serviços prisionais, instituições de reinserção social, autarquias, instituições que trabalham com menores em risco ou no apoio a vítimas, passando pela segurança privada, entre outros.
Leonardo Conde (L. C.): O curso intitula-se de Criminologia e Justiça Criminal e em Portugal é apenas lecionado na Universidade do Minho, sendo composto por 3 anos de Licenciatura. O curso tem cerca de 2 anos de vida, completando neste ano letivo o seu 3º ano (2018/2019) e resume-se ao estudo do Crime, do Delinquente e da Vítima de forma a poder-se explicar aquilo que aconteceu, como aconteceu tendo sempre em consideração os motores/agentes que tiveram também implicância no Crime que ocorreu. Também se destina ao estudo do Crime a nível social traduzindo-se isto, na capacidade de compreender qual a influência do meio social num Crime, como também a própria influência do Crime, do Criminoso e da vítima no meio social. O curso ainda dá destaque ao estudo do Direito diretamente ou indiretamente aplicado ao crime. Resumidamente, acaba por ser um curso multidisciplinar, estendendo-se a várias áreas de conhecimento como a Psicologia, a Sociologia e o Direito.
M.: O que te levou a escolher o teu curso e que factores tiveste em conta? Foi a tua primeira escolha?
I. M.: Foi a minha primeira escolha, mas não posso dizer que era um sonho desde criança, até porque nem conhecia a criminologia. Não sabia o que escolher, tinha uma média relativamente boa e encontrei o curso na lista da DGES. Achei-o interessante e “lancei-me de cabeça”, algo de que não me arrependo! Costumo dizer que o curso é que me escolheu a mim.
L. L. J.: Foi a minha primeira e única escolha. Sempre nutri interesse pela área das ciências criminógenas e quando tomei conhecimento da existência da licenciatura em Criminologia, não hesitei e candidatei-me.
L. C.: Na verdade foi, estava indeciso entre Direito em Coimbra e Criminologia e Justiça Criminal na Universidade do Minho. Porém, acabei por optar pelo ramo da Criminologia, mas não tive grandes fatores em conta: fui por aquilo que me atraía mais, pois sempre defendi que para se ter um bom desempenho basta ter-se gosto por aquilo que se estuda. E entre Direito e Criminologia acabei por ficar mais inclinado para a área da Criminologia, sabendo também que iria ter algumas cadeiras de Direito e isso acabou por, de certa forma, influenciar a minha escolha. Foi um “2 em 1”!
M.: O que é que te surpreendeu pela positiva e pela negativa no curso?
I. M.: Pela positiva destaco a diversidade de conteúdos abordados, o leque de conhecimentos de diversas áreas que apreendemos. Pela negativa, as saídas profissionais oferecidas num curso que não se pode considerar fácil.
L. L. J.: Pela positiva, realço a interdisciplinaridade da licenciatura; isto é, o facto de englobar várias e diferentes áreas do saber nomeadamente a psicologia, a sociologia, o direito e a criminologia. Pela negativa, confesso que foi o estado embrionário da absorção no mercado de trabalho e do desconhecimento do senso comum das competências de um/a criminólogo/a.
L. C.: Bom, não tenho grandes pontos negativos a apontar ao curso, pois é extraordinariamente bem lecionado, as cadeiras têm temáticas extremamente interessantes (com algum grau de exigência mas dadas através de uma metodologia muito boa) e foi até surpreendente para alguém que estava reticente sobre optar por este curso ou Direito, sendo amante e fascinado por ambas as áreas.
M.: Como tem sido a experiência de estudar nesse curso? O que é que te marcou mais?
I. M.: Já o terminei, portanto posso dizer que depois de passar por tudo, aquilo que me marcou mais foi o estágio: principalmente por conseguir colocar em prática aquilo que aprendi.
L. L. J.: A experiência da licenciatura e posteriormente do mestrado foi bastante enriquecedora. Um dos momentos mais marcantes foi sem dúvida o lançamento do MAPSCRIME, uma plataforma de partilha de informação criminal, que foi desenvolvida no âmbito do meu mestrado.
L. C.: Essencialmente e sendo da periferia de Lisboa, tem sido uma experiência totalmente fora da minha zona de conforto pois um rapaz de longe, vê-se subitamente sozinho numa cidade completamente desconhecida, num meio totalmente diferente, com pessoas diferentes daquelas a que está acostumado… pois apesar de estar em território nacional, existe uma diferença muito percetível de espíritos, mentalidades, personalidades entre a zona de onde sou natural para um lugar a cerca de 360km de distância, ou seja, o ano em si foi marcante, pois construí, de raiz, uma vida num local que me era estranho, desde uma rede de amigos, a hobbies, a cargos que requerem responsabilidade, essencialmente um lugar, onde errei, tive bons e maus momentos mas que passou de um sítio que me era estranho a familiar. Algo que para alguns poderá ser insignificante, mas que para mim, um rapaz na altura de 18 anos, sozinho e com tudo por aprender e fazer, sem conhecer uma única pessoa que fosse, foi um feito enormíssimo!
M.: Como descreverias a tua adaptação ao ensino superior? Quais foram os teus principais desafios?
I. M.: Adaptei-me muito bem ao ensino superior, talvez por já estar habituada a estudar bastante e ter ansiado por esta etapa. Diria que o principal desafio foi ter exames, muitas das vezes, com intervalos de três dias. Tive de ganhar perspicácia e método para gerir o meu tempo e concretizar os meus objetivos.
L. L. J.: Na minha opinião, a adaptação ao ensino superior é mais complicada e desafiante quando se vai estudar para fora da nossa área de residência. Mudamos de casa, de rotinas, de tarefas, de horários, conhecemos pessoas novas e novas realidades. Para além do acréscimo do volume de trabalho e da matéria a estudar.
L. C.: Adaptei-me muito facilmente, pois sempre fui uma pessoa muito extrovertida, curiosa, e objetiva sendo que a nível da dificuldade do ensino, adaptei-me bem tendo em conta que tive boas bases durante o secundário, bons profissionais a ensinarem-me e mesmo a nível de relações acabei por conhecer uma boa parte da minha universidade, podendo dizer que tenho bons amigos, sendo que algumas destes certamente que irei levar para a vida. Porém não tem deixado de ser desafiante e falo muito a nível de tempo: estou envolvido na Associação de Estudantes, na Comissão de Festas, tento praticar algum desporto, estudo, saio com os amigos, tento conhecer gente nova, estar com a família apesar da distância… mas nada que alguma organização e persistência não resolvam!
M.: Achas que o teu curso te prepara para o exercício da profissão, isto é, que adquires as principais competências que um profissional dessa área deve ter?
I. M.: Acho que o curso nos prepara muito bem para diversos âmbitos e também para aquilo que um criminólogo deve ser: completo. Encontrar um emprego em que peçam um criminólogo, no sentido amplo da palavra, é que é mais complicado…!
L. L. J.: Acredito que o curso nos oferece as bases necessárias para entrar no mercado de trabalho. A partir daí entramos numa constante aprendizagem diária, isto se quisermos ser bons profissionais.
L. C.: Tenho completa certeza de que sim, porque o curso em si oferece boas bases e explora de uma forma extensiva toda a temática da Criminologia e da Justiça Criminal, não só através de uma abordagem teórica como também prática, aproximando ainda mais o conteúdo lecionado às questões reais do mundo da Criminologia, sendo que nos providencia todas as bases necessárias para podermos cumprir as nossas funções dentro desta área.
M.: Consideras o teu curso difícil? Porquê?
I. M.: Considero o curso trabalhoso, pela amplitude de matérias abordadas e também pelo volume das mesmas. Como abordamos diversas áreas não só “pela rama”, temos de ter conhecimentos um tanto aprofundados de vários temas, para no final intercalarmos tudo. Isso requer muita dedicação.
L. L. J.: Com dedicação torna-se tudo mais fácil. É preciso trabalhar nas tarefas que nos são impostas mas é tudo uma questão de organização.
L. C.: Tal como disse anteriormente, a partir do momento em que se gosta daquilo que se estuda, tudo se torna mais simples. Existe mais vontade de estudar, mais interesse, o estudo flui melhor e a matéria entende-se melhor. Ainda existe outro fator que acaba por contribuir para a motivação: a questão dos horários. A carga horária é bastante boa fazendo com que haja tempo para se estudar com antecedência para frequências e trabalhos conciliando a vida académica com a pessoal.
M.: Quais são as tuas expectativas no que toca à entrada no mercado de trabalho? Que perspectivas tens?
I. M.: As minhas expectativas já eram baixas, no entanto, tornaram-se ainda mais baixas. Encontrar emprego na área é deveras difícil.
L. L. J.: Após concluir a licenciatura em Criminologia e o mestrado em Crime, Diferença e Desigualdade, desenvolvi e lancei o serviço MAPSCRIME. No ano de 2015 ingressei através do PEPAL (Programa de Estágios Profissionais da Administração Local) numa Polícia Municipal. Findo o estágio fui convidada a colaborar numa Empresa Municipal, com competências delegadas pela Câmara Municipal, onde me encontro até ao momento. Paralelamente, sou também investigadora da Unidade de Investigação em Criminologia e Ciências do Comportamento do Instituto Universitário da Maia e num projeto de investigação científica sediado na Universidade do Porto.
L. C.: Relativamente ao mercado de trabalho, somos amaldiçoados por uma ideia errada de que não existe emprego na área, o que é, em parte, mentira. Ao longo do ano pude assistir a várias palestras dadas pela Associação Portuguesa de Criminologia (APC), onde este tema foi abordado e questões foram expostas chegando à conclusão de que está a haver uma certa dificuldade, para os profissionais licenciados nas áreas da Criminologia arranjarem emprego mas isto deve-se a vários fatores externos, tais como: o facto de que licenciados em Direito, Psicologia e Sociologia concorrem aos mesmos cargos que um licenciado em Criminologia. Por vezes, o fenómeno da falta de emprego também se deve muito ao desconhecimento de que Criminologia, é de facto, uma licenciatura, sendo que apenas a 22 de Junho de 2015 foi aprovado e posteriormente reconhecida, pela Assembleia da República, a profissão de Criminólogo!
M.: Pensas em continuar a estudar para um mestrados/doutoramentos ou pós-graduações?
I. M.: Para já, não.
L. L. J.: Uma vez que já conclui o mestrado, tenciono num futuro próximo prosseguir na minha vida académica e ingressar no doutoramento em Criminologia.
L. C.: Após a licenciatura em Criminologia penso iniciar a licenciatura em Direito que é, como já referi, a minha outra paixão. Posteriormente, tentarei fazer um mestrado em Direito Penal.
M.: Se soubesses o que sabes hoje, candidatavas-te para o mesmo curso novamente? Porque?
I. M.: Faria, apesar das saídas profissionais escassas. Aquilo que aprendi e a pessoa em que me tornei graças a este curso, a maneira de ver as pessoas e a vida… são coisas que adquiri e me fazem perceber que qualquer dificuldade pode ser ultrapassada, até mesmo na hora de procurar um emprego.
L. L. J.: Sim, sem dúvida. Quando se gosta realmente da nossa área tornamos o impossível possível. Parafraseando uma citação que li, “faz o que gostas e não trabalharás um único dia”!
L. C.: Sim. É a resposta mais certa que poderia dar. Foi um ano de experiências, de partilha de conhecimentos, de descoberta, de erros mas que me conduziu a aprendizagens, àquilo que sou hoje! Sempre ouvi dizer que devemos procurar o desconforto pois viver é sair daquilo que é a nossa zona de conforto e experienciar, pois através dos erros nascem lições. E este ano deu-me muitas lições. Não sou a mesma pessoa que era há um ano mas ainda bem que assim é. Cresci e faria tudo outra vez, o ano de caloiro é o melhor ano das nossas vidas!
M.: Que recomendações deixas aos futuros candidatos ao ensino superior?
I. M.: Se escolherem ser criminólogos têm de estar cientes de que vai ser muito complicado exercerem uma profissão em que vos tratem como tal. Vão ter sempre de começar por ser outra coisa qualquer e apenas quando as pessoas vos perguntarem que curso tiraram, saberão que foi criminologia. As funções a desempenhar podem ser muitas e tal como já referi, a nossa principal saída passa pelos concursos públicos.
L. L. J.: Que optem por aquilo de que gostam realmente. Devem ter em consideração o plano de estudos de cada curso e compará-lo nas diferentes universidades.
L. C.: Tenham calma, quer estejam nervosos pelo impasse de entrar ou não entrar, quer estejam receosos de não se conseguirem enquadrar ou fazer amigos. Respirem fundo, vivam um dia de cada vez e sejam vocês mesmos, não tenham receio de não serem aceites ou gozados por todas as mil e uma razões que tiverem na cabeça, o espaço social que é a Universidade é super diversificado em termos de culturas, línguas, mentalidades e personalidades. Façam amigos, se quiserem, experimentem e vão à praxe, conheçam aquilo que a vossa faculdade tem para oferecer, não se limitem ao “ir às aulas e voltar para casa”, socializem e contextualizem. Tenham um sistema de organização porque a vossa função não deixa de ser estudar e a próxima fase, é trabalhar a sério. A Universidade é um mundo e cabe a vocês aproveitá-la da forma que melhor entenderem. Vocês lidam com pessoas da vossa idade ou mais velhas, pessoas que estão lá com o mesmo objetivo. Os dramas do Secundário acabaram, isto é a “College Life” com que muitos sonham e para a viveres, basta desligares-te de todos os problemas, colocares as diferenças de lado e simplesmente viveres, porque passa rápido e decerto que deixa saudades. Eu estou certo de que as vou sentir, quando sair, mas neste momento nem quero imaginar esse cenário!
M.: O que dizem… as tuas notas?
I. M.: As minhas notas dizem que tive de perder muitas noites de sono, muitas regalias e muitos momentos com amigos e família para as alcançar, mas que me posso considerar não só licenciada em criminologia, mas uma criminóloga com conhecimentos! No entanto, não chegam, nem nenhumas notas ou nenhuma média (na minha opinião) chegariam para exercer criminologia neste país.
L. L. J.: As minhas notas refletiam o meu empenho e dedicação em cada disciplina. O segredo está na organização do tempo e das tarefas que temos que desempenhar.
L. C.: Refletem o gosto que tenho pelo meu curso, pelas matérias e por toda a temática que o envolve. Reflete talvez um sistema de organização que criei para poder conseguir gerir tudo o que faço no quotidiano e de forma a poder continuar a obter bons resultados. Por fim, penso que as minhas notas são um espelho daquilo que é a vontade de seguir o meu sonho: porque só o realizarei com esforço e dedicação!
Inês Mosqueira é aluna da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Laura Lamosa Jota licenciada em Criminologia pelo Instituto Universitário da Maia (ISMAI), mestre em Crime, Diferença e Desigualdade pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho e autora do serviço MAPSCRIME, e Leonardo Conde é estudante da licenciatura em Criminologia e Justiça Criminal na Escola de Direito da Universidade do Minho.