À conversa com um aluno de História

Maria (M.): Fala-nos um pouco do teu curso, em que consiste e quais são as suas saídas profissionais.

Bernardo Oliveira (B. O.): O meu curso consiste sobretudo em conhecer a História nas suas várias vertentes, desde a antiguidade clássica até aos dias de hoje. Curiosamente, na minha faculdade, apesar de o período atual em que vivemos ser a Época Contemporânea, temos uma cadeira que se chama História do Tempo Presente. Para além disso, temos outras cadeiras que não se cingem a uma época específica, como a História das Mulheres, Paleografia ou História da Universidade em Portugal. Em termos de saídas profissionais, as principais são a área de investigação, a via de ensino, o trabalho em museus e o turismo.

Juliana Costa de Andrade (J. C. A.): Licenciei-me em História, no Brasil, na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). A principal saída profissional para um licenciado no meu curso é tornar-se professor de História do Ensino Básico e do Secundário, mas também é possível trabalhar como investigador, atuar em museus, bibliotecas, arquivos, revistas científicas e especializadas e como consultor para filmes, TV e teatro.

Paula Gonçalves (P. G.): A licenciatura em História na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL) consiste no fornecimento das bases para uma formação sobre a História, não só portuguesa, mas também mundial, mais correta e precisa. Com a conclusão desta licenciatura não prevejo saber tudo sobre História, porém saber mais um pouco. Utilizo o lema “conhecer a História é fundamental, pois ao conhecermos o passado conseguimos perceber o presente e prever e prevenir certas situações no futuro”.

Este curso tem como saída profissional uma área de investigação, conforme determinados temas e épocas, tal como qualquer outro curso. Outras áreas de empregabilidade são o turismo cultural, a preservação do património cultural, o tratamento de informação e dinamização de projetos históricos e culturais em instituições (bibliotecas, autarquias, museus, fundações, etc.), tal como ser uma espécie de consultor histórico em revistas, cinema, televisão, etc.

Tiago Leitão (T. L.): O meu curso consiste no estudo da História desde a Pré-História até à Idade Contemporânea, explorando a parte económica, cultural, política e social de cada idade. O curso também nos forma nas quatro vertentes: conhecimento, teoria, método e investigação aplicada. No que toca às saídas profissionais, nada melhor que citar a própria descrição do curso: “O licenciado em História deverá estar apto para a via do ensino e da investigação, mas também para intervir no mundo das ciências da comunicação, do turismo, da gestão e preservação de patrimónios, das relações públicas, da edição, do pensamento político, dos negócios ou no próprio universo da administração e gestão locais e centrais”.



 

M.: O que te levou a escolher o teu curso e que factores tiveste em conta? Foi a tua primeira escolha?

B. O.:A História conquistou-me no meu 12º ano. Foi um ano espetacular em que só me apetecia ler mais e mais sobre esta disciplina. Não pensei em mais nada sinceramente, porque sabia que estudar História seria a única forma de estudar com gosto e desfrutar do meu futuro trabalho! Foi a minha primeira opção.

J. C. A.: História não foi a minha primeira opção, e comecei o curso com o objetivo de mudar assim que fosse possível. Mas no decorrer das aulas e dos semestres, fui-me identificando com o curso e, quando tive a oportunidade de pedir transferência, decidi permanecer em História.

P. G.: História foi a minha terceira opção na FLUL e segunda opção na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade de Lisboa, pois estava indecisa e a minha primeira opção foi Estudos Gerais na FLUL.

O que me levou a colocar a FLUL em quase todas as minhas opções na candidatura ao Ensino Superior foi o seu tão antigo e reconhecido prestígio, toda a história que esta faculdade já teve em tempos remotos, etc. Já a escolha de História tem que ver com a minha paixão por esta área, na medida em que  adoro conhecer o nosso passado e quero transmitir esse gosto a gerações futuras.

T. L.: História foi a minha primeira escolha. Desde pequeno que sempre me senti muito atraído por esta área, fazendo birra quando via os sinais castanhos (sinais turístico-culturais) na estrada e os meus pais não me levavam lá. Depois fui-me cada vez mais envolvendo na área, sendo que adoro ler livros e tornou-se a escolha óbvia.

 

M.: O que é que te surpreendeu pela positiva e pela negativa no curso?

B. O.: Acho que não posso considerar nada nem muito negativo nem muito positivo. A verdade é que não tenho razões de queixa, a não ser possivelmente de algumas aulas em que o conteúdo que gostaria de aprender não é lecionado. Ainda assim, a Universidade ensina-nos isso mesmo: ou trabalhas por ti próprio, ou então não tens hipótese.

J. C. A.: Falando especificamente sobre o curso de História na universidade que frequentei, acho positivo o facto de serem abrangidas disciplinas de forma a termos contacto com a História do Brasil, a História de África… abordando temas da Antiguidade à Idade Contemporânea. Ainda assim, acredito que é necessário incluir mais disciplinas específicas sobre, por exemplo, cultura de matriz africana indígena e História oriental. Também acho positiva a experiência das leituras e discussões em aula possibilitarem debates para além daquele espaço, proporcionando não apenas conhecimento académico, mas conhecimento do mundo. A “surpresa negativa” que surge na minha mente não diz respeito exatamente ao curso em si, mas à desvalorização que este sofre por ser socialmente considerado de status inferior a outros cursos e por, em algumas localidades, não haver espaço para a entrada de recém-formados no mercado de trabalho.

P. G.: O curso surpreendeu-me pela negativa tendo em conta que muitos professores de cadeiras relacionadas com a sociedade recorrem demasiado à vertente cultural de determinada época. Os aspetos positivos são a entreajuda que eu pensei que acabaria, contudo tem sido excelente! Sempre prontos a ajudar, tanto funcionários, como alunos e professores (não todos, mas a maior parte)!

T. L.: Pela positiva, surpreenderam-me os colegas e o espírito académico que se vive. Pela negativa, surpreendeu-me a forma como os professores não querem saber dos alunos, estando mais preocupados em ter o menor trabalho possível do que em ensinar.



 

M.: Como tem sido a experiência de estudar nesse curso? O que é que te marcou mais?

B. O.: Creio que aquilo que me marca mesmo são os amigos e todos os momentos que passo com eles. É claro que estou lá para aprender e tento não abandonar esse objetivo, mas a academia é muito mais do que estudar e fazer testes. Mas a seu tempo, quem entrar vai percebê-lo!

J. C. A.: Fui muito marcada pelo contacto com os colegas, professores e demais funcionários da faculdade e por tudo aquilo que aprendi, bem como por todos os debates que ocorreram dentro e fora da sala de aula, pois geralmente os cursos de Ciências Humanas em que ocorrem debates proporcionam aos alunos reflexões não somente sobre o conteúdo das aulas mas também sobre a sociedade em que se inserem!

P. G.: O que me tem marcado é o facto de estar cada vez mais fascinada pelos conteúdos que estudo. A experiência tem sido fantástica, mas a adaptação inicial foi complicada.

T. L.: O que me marcou mais foram, decididamente, as pessoas que conheci e levo comigo para a vida.

 

M.: Como descreverias a tua adaptação ao ensino superior? Quais foram os teus principais desafios?

B. O.: O desafio inicial é integrares-te num grupo de pessoas que não conheces. Esse é o primeiro grande desafio, sair da zona de conforto. Vais sempre arranjar amigos, por muito que aches impossível. Depois disso, autodisciplinares-te, estudares e investigares por ti próprio são as maiores dificuldades. Fazeres ou não o curso apenas vai depender de ti.

J. C. A.: Quando comecei a licenciatura, sentia-me ainda muito imatura para aquilo, parecia que todos ali eram adultos exceto eu; às vezes tinha a impressão de que a universidade não era o meu lugar. Com o passar dos primeiros semestres comecei a sentir-me mais integrada no espaço da faculdade. Além disso, outro desafio que tive até o fim do curso foi a distância. O Rio de Janeiro é uma grande cidade e eu demorava cerca de 1h30min para chegar até à faculdade. Houve também alguns conteúdos para os quais eu pensava que não tinha bases (por exemplo, por não ter tido na escola aulas de Ciências Sociais e Filosofia por tantos anos quanto alguns colegas) e precisei de compensar essas lacunas estudando mais.

P. G.: Sou de uma região do interior norte e vir estudar para Lisboa é sempre complicado. No meu caso tinha cá familiares, contudo as saudades são enormes e a motivação para não desistir é pensar no meu futuro e em deixar os meus pais orgulhosos, tal como almejar ter um futuro e uma vida estáveis, trabalhando em algo que me deixe feliz.

T. L.: A adaptação não foi difícil pois o nível de exigência não se alterou muito, apenas um pouco. A faculdade é perto de minha casa, o que ajudou a que não me sentisse muito “desenquadrado”.

 

M.: Achas que o teu curso te prepara para o exercício da profissão, isto é, que adquires as principais competências que um profissional dessa área deve ter?

B. O.: Sim, o curso dá-me ferramentas para poder ter bases para o exercício de funções. Mas é muito importante não ficar pelas aulas. É necessário ler bastante, conhecer as bibliografias e ler vários artigos para enriquecer as competências.

J. C. A.: Acredito que sim, porém o exercício das profissões de investigador e professor exigem estudo constante. Por mais preparação que a licenciatura proporcione, é sempre bom que nos mantenhamos atualizados!

P. G.: O curso de História prepara bem para qualquer área de saída ou profissão que queiram exercer, contudo eu, pessoalmente, aconselho sempre a realização de um mestrado para aprofundar conhecimentos. A licenciatura dá as bases, mas os conhecimentos mais aprofundados só são adquiridos com mestrados e doutoramentos, tal como com pós-graduações.

T. L.: Se o aluno estiver interessado e gostar do curso acaba sempre com muitas competências para a sua vida profissional, mas às vezes sentes a pressão de te licenciares e obteres um canudo e esqueces-te de aprender realmente algo.



 

M.: Consideras o teu curso difícil? Porquê?

B. O.: Considero que o curso se faz bem. Existem os chamados cadeirões, que têm maior dificuldade. No entanto, se tiveres força de vontade e estudares a sério, consegues fazer bem esta licenciatura.

J. C. A.:  Não o considero difícil, mas também não é tão simples quanto o senso comum dá a entender. O curso exige muita leitura e prática constante de reflexão, debate e escrita.

P. G.: A dificuldade de um curso depende sempre do estudante. A Matemática, por norma é complicada e impossível de resolver por um estudante de Letras, tal como a História o é para um aluno de Economia ou Ciências, por exemplo. O curso de História é tão complicado como qualquer outro. História tem o seu grau de dificuldade: numa escala de 0 a 20, diria que se situa no 15.

T. L.: Só para quem não gosta de História!

 

M.: Quais são as tuas expectativas no que toca à entrada no mercado de trabalho? Que perspectivas tens?

B. O.: Ainda não penso nisso, mas obviamente que gostaria de entrar mal acabasse o curso. No entanto, tenho completa noção de que não é um curso fácil em termos de empregabilidade, mas a ver vamos. Não se sabe se a oferta de trabalho na minha área dispara daqui a 3 ou 4 anos…!

J. C. A.:  Já trabalhei como professora particular de História e trabalho atualmente como investigadora, mas espero futuramente poder atuar como professora de História em escolas, dando aulas a crianças e adolescentes. Uma preocupação que tenho é a desvalorização da carreira de professor, desvalorização financeira inclusive, porém acredito que seja possível encontrar emprego com remuneração adequada.

P. G.: A entrada no mercado de trabalho é algo que me assusta devido à crise vivida no nosso país, principalmente na minha situação que desejo seguir educação. Em tom de brincadeira, espero que a natalidade em Portugal aumente e que surjam lugares para os professores que se estão a formar!

T. L.: Neste momento, são boas porque no mestrado em que estou há uma grande percentagem de empregabilidade.

 

M.: Pensas em continuar a estudar para um mestrados/doutoramentos ou pós-graduações?

B. O.: No meu caso, a licenciatura apenas não me serve para praticamente nada, e por isso vejo-me ‘’obrigado’’ a seguir mestrado, mas não penso realizar um doutoramento.

J. C. A.: Sim. Atualmente frequento o Mestrado em Estudos Medievais na Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP) e pretendo ingressar num doutoramento após este ciclo de estudos.

P. G.: Penso que me candidatarei a um mestrado logo após a conclusão da licenciatura ou então estarei parada um ano para pensar melhor.

T. L.: Sim, frequento o mestrado em Ensino de História no 3º Ciclo do Ensino Básico e no Ensino Secundário.



 

M.: Se soubesses o que sabes hoje, candidatavas-te para o mesmo curso novamente? Porque?

B. O.: Faria. Honestamente, não me imagino noutro curso.

J. C. A.: Sim. Identifiquei-me com o curso de licenciatura em História e, no fim, sabia que gostaria de seguir a carreira de professora.

P. G.: Claro que sim, não me arrependo do curso que escolhi. Tenho o pressentimento de que vou estar concretiza ao trabalhar em educação.

T. L.: Sim, faria porque é aquilo de que gosto. Não me consigo imaginar noutro curso.

 

M.: Que recomendações deixas aos futuros candidatos ao ensino superior?

B. O.: Que não tenham receio. As pessoas vão ajudar-vos na integração. Vão às praxes, não liguem ao que a comunicação social escreve. Todos os amigos que fiz foram na praxe e não me arrependi por um segundo. Para além disso, tens uma tuna só do teu curso em que o convívio é espetacular, mesmo que não saibas cantar, entras; basta que sejas de História. Fui sozinho para Coimbra e até agora estou a gostar daquilo que tenho construído. E se pensas que vais ter dificuldades de adaptação, não te preocupes, os mais velhos estão lá para te ajudar.

J. C. A.: Recomendo que se informem sobre os cursos pelos quais se interessam, pesquisando, conversando com alunos do curso e da universidade que desejam frequentar, que conversem com a família e os amigos caso tenham dúvidas sobre as escolhas e que tentem manter-se calmos, porque esta é uma nova fase da vida que exige responsabilidade mas que também proporciona bons momentos e muitas descobertas.

P. G.: Acima de tudo não criem grandes expectativas porque todos nós gostamos de ser surpreendidos pela positiva. Aproveitem o primeiro ano para se ambientarem, mas não esqueçam os estudos, porque depois pode ser tarde demais para obterem a média que desejam.

T. L.: Estudem e aproveitem o espírito académico da faculdade. Não venham à faculdade só por causa das aulas: envolvam-se na praxe, na Associação de Estudantes, em grupos de debate, em voluntariado, etc.

 

M.: O que dizem… as tuas notas?

B. O.: Dizem que quando não saía todas as noites tirava excelentes notas, quando comecei a “facilitar” tive de me esforçar para não ter negativas. Mas aproveitem o ano de caloiro porque não há outro igual!

J. C. A.: Tive uma boa média no exame final do Ensino Secundário (ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio). Já durante a licenciatura, as minhas notas eram medianas. Como é habitual, tinha um desempenho melhor nas disciplinas de que mais gostava (e é totalmente normal não gostar de todas)!

P. G.: As minhas notas descrevem-me como uma aluna mediana. Não das melhores alunas, mas também não das piores!

T. L.: Podiam ser melhores mas também não estão más!

 

Bernardo Oliveira é aluno da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra; Juliana Costa de Andrade é licenciada em História pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (tendo estado dois semestres em mobilidade na Faculdade de Letras da Universidade do Porto – FLUP), mestranda em Estudos Medievais na FLUP e investigadora no Grupo de Estudos do Território e de História Urbana (GESTHU – IPPUR – UFRJ); Paula Gonçalves é estudante da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e Tiago Leitão é licenciado em História pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto e mestrando de Ensino de História no 3º ciclo do Ensino Básico e no Ensino Secundário na mesma instituição.