Maria (M.): Fala-nos um pouco do teu curso, em que consiste e quais são as suas saídas profissionais.
Cristóvão Vinagre (C.V.): A matemática e, consequentemente, o curso de Matemática podem ser dividos em dois subcampos: Matemática Pura e Matemática Aplicada. O primeiro consiste na resolução de problemas da Matemática em si, tais como provar a existência de infinitos números primos ou que a soma de quaisquer dois números ímpares resulta num número par. Neste subcampo, usa-se teoremas, demonstrações e é essencialmente a parte teórica do curso.
O segundo, tem por base a resolução de problemas em áreas como a física, a biologia, a engenharia computacional, as finanças, etc. Para tal, cadeiras como a Estatística, Análise Numérica ou Equações Diferenciais fornecem as bases que são usadas para formular, resolver e otimizar os mais diversos problemas das áreas anteriormente mencionadas, sendo esta a parte mais prática do curso.
Relativamente às saídas profissionais, sem querer ferir a suscetibilidade de alguns leitores, o curso de Matemática não serve apenas para ser professor de matemática: podemos trabalhar como atuários (calculando os riscos ou a probabilidade de acontecer certos fenómenos que possam prejudicar uma determinada empresa ou instituição), em bancos e seguradoras ou a analisar as bolsas do mercado e a criar algoritmos que consigam prever as movimentações das mesmas. É possível ainda colaborar na informática, na medicina ou na astronomia.
Laura Gralheira (L.G.): A licenciatura em Matemática consiste em aprofundar e solidificar as diversas áreas da matemática.
Temos uma vasta lista de saídas profissionais, entre elas: as médias e grandes empresas, os bancos, a banca, as seguradoras, a gestão de fundos, de pensões e investimentos, a resolução de problemas de otimização para instituições ou empresas, o ensino de matemática a alunos do ensino básico e secundário e, no fundo, tudo o que possa ter como base a ciência da matemática.
Mariana Henriques (M.H.): Estou no segundo ano da licenciatura em Matemática. A nossa licenciatura é muito teórica e explora diferentes ramos da matemática, bem como um pouco de programação e física. É possível seguir a carreira de ensino que, para muitas pessoas, é a saída mais óbvia, mas não a única.
A matemática abre-nos portas para várias áreas, quer seja em algo relacionado com finanças, estatística ou mesmo em empresas de desenvolvimento tecnológico.
M.: O que te levou a escolher o teu curso e que fatores tiveste em conta? Foi a tua primeira escolha?
C.V.: Sendo a matemática uma área tão abrangente, temos uma vasta escolha de opções no mercado de trabalho. Para além disto, posso dizer que sempre fui uma pessoa de ciências exatas, que adora resolver problemas e calcular os riscos antes de tomar uma decisão!
Mas, de forma condicionada, sempre gostei de matemática apesar de nunca ter pensado que optaria por estudá-la ao nível superior. Na verdade, entrei com o objetivo de obter equivalências e mudar para um curso de informática no final do primeiro ano mas, depois, apercebi-me do potencial que este curso tem e decidi ficar.
L.G.: Foi a minha primeira e única escolha, visto que todas as outras opções eram o mesmo curso apenas em universidades diferentes.
A razão pela qual escolhi o curso foi o gosto que sempre tive pela matemática: nunca me imaginei a fazer nada fora desta área. Para além disso, é um curso com uma percentagem de empregabilidade altíssima.
M.H.: Cheguei ao fim do Ensino Secundário e não tinha muita certeza daquilo que queria seguir. Sabia que seria algo na área das Ciências e Tecnologia por isso fiz uma pesquisa intensiva aos cursos que estavam disponíveis.
Acabei por encontrar a licenciatura e outros mestrados (para além do ensino) que me atraíram. Tentei falar com pessoas que já tivessem concluído a licenciatura e gostei do feedback que me foi dado, tendo decidido arriscar.
Foi a minha primeira opção. Só coloquei mais duas na candidatura – Engenharia Física e Engenharia Mecânica – mas tinha quase a certeza de que entraria na primeira.
M.: O que é que te surpreendeu pela positiva e pela negativa no curso?
C.V.: O aspeto mais positivo é, sem dúvida, a possibilidade de aprender sobre todas as áreas da matemática (acreditem que são muitas!) e, ainda assim, podermos adquirir bons conhecimentos de programação – nomeadamente Java e HTML – e de física.
Acho que o aspeto menos bom é o facto do curso ser, no geral, muito teórico. Isso deve-se sobretudo aos métodos utilizados pelos professores no método de avaliar os alunos que consiste, regra geral, em avaliação direta (realização de dois exames).
L.G.: Pela positiva destaco a simpatia e dedicação dos professores, que esclarecem as nossas dúvidas e o facto da turma ser pequena (o que promove uma maior proximidade entre professor e aluno). Pela negativa, realço a exigência do curso.
M.H.: Pela positiva, evidencio os professores. Há um bocado aquele estereótipo de que um professor universitário não se importa com os alunos mas, desde que haja respeito mútuo e cooperação, os docentes estão sempre dispostos a ajudar-nos. Claro que há exceções e simpatizamos sempre com pessoas diferentes mas, no meu curso, somos poucos alunos e gera-se um bom ambiente de trabalho.
Pela negativa, surpreendeu-me a quantidade de teoria que é ensinada na Universidade de Coimbra. Por exemplo, os nossos colegas de Lisboa têm aulas práticas com colegas de engenharia.
M.: Como tem sido a experiência de frequentar esse curso? O que é que te marcou/tem marcado mais?
C.V.: Incrível, acho que me fez crescer como pessoa e indivíduo, talvez devido ao estímulo do raciocínio, desenvolvimento da minha capacidade crítica e da incidêcia em formular e resolver problemas.
L.G.: Apesar das dificuldades que senti, estou a adorar! Gosto realmente daquilo que estou a estudar e isso só me dá ainda mais motivação para continuar.
Descobri que sou mais persistente daquilo que pensava e que, por mais que às vezes tudo pareça um “bicho de sete cabeças”, as coisas fazem-se pois com calma e esforço conseguimos tudo!
M.H.: Nunca pensei que fosse gostar tanto do curso. Agora não me imaginaria a fazer outra coisa! Aquilo que me tem marcado mais são as pessoas que tenho conhecido, as novas amizades e o facto de me conectar com pessoas com quem estou realmente em sintonia.
M.: Como descreverias a tua adaptação ao ensino superior? Quais foram/têm sido os teus principais desafios?
C.V.: No meu caso foi necessário um ano de adaptação pois nunca estive habituado a ter que estudar para além da véspera do exame e, no Ensino Superior, as coisas não funcionam assim. O ideal é ir acompanhando a matéria ao longo do semestre mas admito que, por várias vezes, me senti forçado a ter de me submeter a um estudo intensivo durante uma ou duas semanas para poder compensar.
L.G.: Foi muito complicada, sou sincera… Não foi complicado ir para longe nem viver sozinha mas sim adaptar-me ao ritmo da faculdade.
Os métodos de ensino são diferentes daqueles a que estamos habituados no Ensino Secundário e existe um período de adaptação que foi muito difícil para mim. Foi necessário encontrar novos métodos de estudo, aprender a gerir o meu tempo e medir prioridades.
M.H.: Gestão de tempo. Sou mesmo muito má a organizar-me, gostava de conseguir procrastinar menos e aproveitar melhor o tempo que tenho para estudar.
M.: Achas que o teu curso te prepara para o exercício da profissão, isto é, que adquires as principais competências que um profissional dessa área deve ter?
C.V.: Não posso dizer que a licenciatura em Matemática nos prepare por completo para o exercício da profissão uma vez que, no primeiro ciclo de estudos, apenas adquirimos as bases necessárias para mais tarde as podermos aplicar. No entanto, com a escolha do Minor no terceiro ano e com a especialização no mestrado, já ficamos bem mais aptos a podermos progredir para o mundo do trabalho.
L.G.: Tenho consciência de que vou acabar o curso com uma excelente base teórica e com as principais competências necessárias adquiridas. Na vertente prática, não tenho tanta certeza pois sinto que tenho as ferramentas mas que não as vou saber acionar sem algum “treino”.
M.H.: Apesar de ainda não ter bases suficientes para responder com certeza, penso que sim. Há conteúdos que nos parecem menos relevantes mas que acabamos por aplicar em coisas novas e relacionar com matéria antiga.
Mesmo que a licenciatura não nos prepare para todo o tipo de trabalho, somos estimulados de forma a trabalhar de forma mais natural e, acho que, isso será uma mais-valia no futuro.
M.: Consideras o teu curso difícil? Porquê?
C.V.: Todos os cursos podem ser difíceis se não nos aplicarmos e o conceito de difícil é um bocado relativo pois algumas pessoas têm mais aptidão para certas áreas que outras. Posso, no entanto, afirmar que é um curso exigente pois tem uma forte componente de raciocínio: mas se não tiveres uma mente preguiçosa, não terás problema nenhum em ser bem-sucedido!
L.G.: Sim, é muito exigente. É extremamente teórico, o que faz com que seja necessário muito estudo, muita dedicação e ir às aulas é obrigatório. Requer um esforço psicológico imenso para superar as frustrações quando não alcançamos os resultados que gostaríamos ou, simplesmente, achamos que não vamos conseguir.
M.H.: Acho que qualquer curso tem as suas dificuldades pois, se estivesse na área de Letras, não me sairia bem! Acima de tudo, é preciso gostar de Matemática. Com a carga horária que temos e a quantidade de conteúdos por cadeira, é fácil desanimar se não soubermos exatamente aquilo que pretendemos fazer.
M.: Quais são as tuas expectativas no que toca à entrada no mercado de trabalho?
C.V.: Estou bastante otimista. A procura de matemáticos por parte das empresas tem crescido exponencialmente nas mais diversas áreas e, sendo a taxa de empregabilidade do meu curso de 100%, só comprova esses factos!
L.G.: As minhas expectativas são altas. Matemática é um curso cada vez mais reconhecido e apreciado pelas empresas: um matemático é uma mais- valia para as diferentes áreas profissionais. Como tal, a entrada no mercado de trabalho não é algo que me inquiete!
M.H.: Gostava de trabalhar num sítio que, financeiramente, me desse estabilidade. Acho que, uma prioridade também, seria poder ficar em Portugal. Mas, de momento, os restantes países da Europa apresentam mais oferta de emprego relativa à Matemática.
M.: Pensas em prosseguir estudos, isto é, frequentar uma pós-graduação, um mestrado e/ou um doutoramento são opções que tens em mente?
C.V.: Claro que sim, o mestrado. Nos tempos que correm acho que investir num é fundamental, pois é nele que podemos adquirir um conhecimento mais especializado e alguma experiência que vão fazer a ponte para o mercado de trabalho.
L.G.: Sim. A licenciatura em Matemática, por ser tão abrangente, faz-me querer frequentar um mestrado numa área mais especifica desta ciência. Neste momento, não sei qual será, estou ainda a descobrir as diferentes áreas.
M.H.: Mestrado. Porque a licenciatura em Matemática é muito abrangente e fica muito por explorar. De qualquer forma, se não fizer tudo seguido, não sei se me apetecerá prosseguir estudos após ingressar no mercado de trabalho…
M.: Se soubesses aquilo que sabes hoje, farias a mesma escolha novamente? Porquê?
C.V.: Não só teria feito a mesma escolha, como a tinha feito com ainda mais confiança e convicção! Por todas as razões que já mencionei, acho mesmo que foi das melhores decisões da minha vida.
L.G.: Claro que sim! Adoro o meu curso e não me imaginava a fazer outra coisa.
M.H.: Com toda a certeza que sim. Gosto muito de estudar em Coimbra e adoro o meu curso.
M.: Que recomendações deixas aos próximos candidatos ao Ensino Superior?
C.V.: Que leiam vários testemunhos de alunos que estejam ou já tenham estado no Ensino Superior e pesquisem imenso porque a informação nunca é demasiada. Se possível, façam estágios de verão e informem-se sobre as saídas para o mercado de trabalho.
Mas, acima de tudo, façam aquilo de que gostam pois já Confúcio dizia: “Escolhe um trabalho de que gostes, e não terás que trabalhar nem um dia na tua vida”.
L.G.: Que entrem todos no Ensino Superior de mente aberta! Não tenham grandes expectativas e não esperem continuar dentro da vossa zona de conforto, escolham cursos onde achem que se vão sentir realizados.
Para os próximos candidatos à licenciatura em Matemática, recomendo apenas que venham com vontade de estudar e de aprender mais e mais. Pode parecer impossível e extremamente exigente mas é muito gratificante perceber tudo aquilo que aprendemos neste curso.
M.H.: Não pensem que é errado mudar de curso, porque perder um ou dois anos da vida académica, no máximo, só enriquece. Errado é tentar continuar num curso de que não gostamos verdadeiramente (algo que geralmente também significa desperdiçar dinheiro). Lutem pelo que realmente querem e se não souberem o que é procurem bem.
Ah, e não se esqueçam que há vida para além dos livros! Há grupos académicos, associativismo, workshops e palestras. Ninguém vos quer ver a desanimar com o futuro e é importante que na faculdade (acima de tudo) se divirtam, cresçam como pessoas e aproveitem as oportunidades a que têm direito.
M.: O que dizem as tuas notas?
C.V.: Que apesar de não serem más, podiam ser melhores. Acho que as notas têm algum impacto aquando do ingresso no mercado laboral mas estão longe de serem determinantes. Acho que um aluno com média de 14 valores pode fazer um trabalho igual ou superior, numa empresa, a outro que tenha tido uma média de 18 valores.
Não se pode fazer uma comparação direta, no entanto, teria de fazer uma análise de distribuição de probabilidade para poder tirar mais conclusões…!
L.G.: A minha média é de 12.2 valores. Espelha a minha péssima adaptação mas também a minha capacidade de recuperação.
Ainda agora começou, tenho ainda dois anos pela frente para alcançar a média que desejo e, com dedicação, sei que é possível!
M.H.: É um assunto complicado. Dizem que não estudo o suficiente, que me fico muito pelos valores que chegam para passar. Mas não me definem porque a média não é, de todo, o reflexo do trabalho de alguém ou do tipo de pessoa que será no mundo do trabalho!
Cristóvão Vinagre é estudante da Universidade de Aveiro, Laura Gralheira da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa e Mariana Henriques da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra.
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Este texto faz parte de uma série de textos de opinião de alunos do ensino secundário e superior sobre a sua visão do ensino e da educação.
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