As condições socioeconómicas das famílias parecem ter pouco impacto no desempenho dos estudantes no ensino superior, mas os alunos carenciados continuam a encontrar mais obstáculos do que os colegas para prosseguir os estudos após o secundário.
A conclusão é de um relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), divulgado esta terça-feira e realizado no âmbito do projeto “Tornar o Ensino Superior mais inclusivo em Portugal”, financiado pela Comissão Europeia.
O documento, que foi apresentado num evento organizado pela Direção-Geral do Ensino Superior (DGES), no Teatro Thalia, em Lisboa, destaca que, quando chegam ao ensino superior, os estudantes mais carenciados não ficam atrás dos restantes colegas.
Olhando para as taxas de abandono escolar, não existem diferenças significativas e os dados sugerem que existe uma probabilidade maior de alunos provenientes de contextos socioeconómicos desfavorecidos completarem os estudos no tempo previsto.
As principais desigualdades registam-se antes, durante o ensino secundário e, consequentemente, no acesso ao superior.
No ano passado, menos de metade (48%) dos alunos beneficiários de ação social escolar (ASE) seguiu para uma universidade ou politécnico depois de concluído o secundário, abaixo dos 57% de alunos com rendimentos mais elevados que tiveram o mesmo percurso.
Entre os alunos do escalão A, cujas famílias têm os rendimentos mais baixos, a diferença é ainda maior e apenas 41% prosseguiram os estudos.
A OCDE identifica um padrão também nas escolhas dos alunos que seguem para o ensino superior: enquanto quatro em cada 10 estudantes carenciados escolhem um instituto politécnico, apenas 29% dos alunos não beneficiários de ASE fazem a mesma opção.
Por outro lado, ingressar em cursos de excelência, cuja nota mínima de entrada é de pelo menos 17 valores numa escala de zero a 20, é mais difícil para os alunos carenciados e apenas 6% dos candidatos com ASE conseguiram um lugar, em comparação com os 14% candidatos sem ASE durante o secundário.
“Se indivíduos de baixos rendimentos e com potencial para aceder a estes programas não o fizerem, perderão os benefícios educacionais e profissionais associados, e a capacidade do sistema educativo para impulsionar a mobilidade social e um acesso mais amplo às oportunidades será reduzida”, alerta o relatório.
As desigualdades no acesso ao ensino superior são justificadas, em grande medida, por dificuldades enfrentadas pelos alunos mais carenciados ao longo do ensino secundário, uma vez que o concurso nacional — principal via de acesso ao ensino superior — gradua os estudantes com base na nota de candidatura, ou seja, os resultados ao longo dos três anos anteriores e nos exames nacionais.
“Do ponto de vista da equidade, é positivo que o Concurso Nacional de Acesso se baseie num algoritmo que classifica e coloca automaticamente os alunos em programas”, começa por referir a OCDE, para ressalvar que as classificações dos alunos são influenciadas por diversos fatores, incluindo o acesso a explicações pagas e o próprio sistema de classificação.
Quanto ao primeiro, o relatório sublinha que muitos alunos de contextos mais favorecidos recorrem a explicações particulares, seja para melhorar o desempenho académico ou para preparem-se para os exames nacionais, um recurso que os alunos carenciados não conseguem pagar.
Por outro lado, no que diz respeito ao sistema de classificação, a OCDE refere uma divergência entre as classificações internas atribuídas pelos professores e os resultados nos exames nacionais, que tende a beneficiar os alunos provenientes de famílias com rendimentos mais elevados e coloca em desvantagem os alunos carenciados, mesmo que tenham obtido o mesmo resultado na avaliação externa, no concurso nacional de acesso.
Também a escolha que os alunos fazem quando chegam ao 10.º ano tem impacto no seu futuro, uma vez que os níveis de transição são, de acordo com o relatório, significativamente mais baixos entre os estudantes de cursos vocacionais.
O concurso nacional de acesso não está bem desenhado para esses alunos e mesmo quando chegam ao ensino superior, muitos fazem-no por via de cursos técnicos superiores profissionais, sendo que alguns ingressam depois em licenciaturas.
“Contudo, este caminho consome mais tempo e recursos em comparação com uma licenciatura de três anos”, escreve a OCDE, que recomenda uma via alternativa direta para os alunos do ensino profissional.
O alargamento das vias de acesso é também uma das recomendações feitas a Portugal para os alunos carenciados, através de contingentes que “reconheçam as diferenças sistémicas nas oportunidades e nos resultados académicos anteriores”.
OCDE sugere bolsa complementar para apoiar custo de vida de estudantes carenciados
O valor das bolsas atribuídas aos estudantes carenciados é insuficiente face às despesas associadas à frequência do ensino superior, segundo o relatório da OCDE que sugere a criação de uma espécie de “subsídio de custo de vida”.
No documento, a OCDE começa por referir que o sistema de apoio financeiro “está bem integrado no sistema e fornece uma boa base para os estudantes”, mas é insuficiente, sobretudo para os estudantes deslocados.
O valor da bolsa anual mínima corresponde a 125% do valor da propina e, por isso, essa não é uma despesa com a qual os estudantes carenciados têm com que se preocupar, mas para muitos não representa sequer o custo mais significativo associado à frequência do ensino superior.
Para os estudantes deslocados, em particular, o alojamento representa a maior despesa e nem todos os bolseiros conseguem garantir um lugar numa residência pública. Nesses casos, o Governo atribui um complemento de alojamento, alargado igualmente aos estudantes que, não sendo bolseiros, também têm baixos rendimentos.
Os representantes dos estudantes têm denunciado, no entanto, que muitos não têm acesso a este apoio, uma vez que é exigida a apresentação de recibos de renda e o custo da habitação, sobretudo nas grandes cidades, empurra uma grande parte para o mercado paralelo, sem contrato de arrendamento.
“É importante desencorajar o mercado imobiliário irregular, é excessivo atribuir aos estudantes com baixos rendimentos a responsabilidade de regularizar os contratos de arrendamento”, sublinha a OCDE, explicando que perante a incerteza de receber o complemento de alojamento, muitos estudantes carenciados preferem a “segurança” de uma renda baixa, mesmo que não declarada.
Por isso, e recordando o impacto positivo da atribuição de bolsa no desempenho académico dos alunos carenciados e taxas de abandono, o relatório sugere que o Governo pondere a revisão dos critérios de elegibilidade para o complemento de alojamento, podendo até flexibilizar as regras.
Por outro lado, recomenda a revisão da fórmula de cálculo da bolsa, criando uma contribuição explícita para as propinas, por um lado, e para o custo de vida, por outro lado, numa espécie de “subsídio de custo de vida”.
Outra via proposta é a possibilidade de criar uma garantia pública de crédito, em que “o Estado e os estudantes contribuem conjuntamente para a parcela dos custos de vida necessários durante os estudos que não são cobertos pela bolsa”.
Perante o aumento do número de alunos deslocados e a insuficiência de camas em residências públicas no âmbito do Plano Nacional para o Alojamento no Ensino Superior (PNAES), a OCDE recomenda ainda o reforço de opções de alojamento a preços acessíveis através de parecerias com o setor privado.

