Este artigo, deixando claro que é de opinião pessoal, diz respeito à ciência e investigação nas ciências biológicas (demências), descurando a investigação nas áreas de engenharia/tecnologia/física, à qual não tenho contacto com a realidade.
Facto: 99% dos ensaios clínicos para terapêutica de demências/doença de Alzheimer falham. Há 15 anos que não é lançado no mercado um fármaco com indicação terapêutica para demências. Temos mais cérebros, recursos e financiamentos do que nunca na história da humanidade, porém, a nível prático, a cura, especialmente nas doenças do cérebro, é cada vez mais difícil de atingir um patamar de efeitos reais.
Tenho plena noção da realidade, dificuldade e da complexidade da investigação em doenças, especialmente as neurodegenerativas, é um mundo de constante informação nova, milhares de artigos publicados por ano, um grande número de anos de investigação que culmina num artigo ou numa tese de doutoramento, para não falar de toda a envolvente clínica e subjetiva aliada a todos os pacientes. Toda a investigação científica é, por base, complexa, difícil, exigente e mentalmente um encargo pouco fácil de suportar. A situação é difícil a priori, ainda mais dificultada pela envolvente e burocracia, especialmente em Portugal; não é esta parte que está em causa. O que está para baixo não é, de todo um ataque pessoal às ciências, à qual incluo a minha, e muito menos sou especialista em investigação. O que me deixa triste, e com uma idealização deteriorada, é uma clara falta de paixão no que se está a fazer.
A minha crítica diz respeito a uma (aparente?) crise de valores, onde parece ser mais importante um currículo cheio do que um conhecimento verdadeiro e puro da natureza. É mais importante o estatuto pessoal do que a verdade. É mais importante ter “1000 artigos com 10 citações, do que 10 artigos com 1000 citações”. A verdadeira obra de arte está no conhecimento puro, numa época em que estão todos obcecados com enviesamentos metodológicos (extremamente necessários), mas muito pouco atentos a enviesamentos pessoais. A investigação tornou-se mecânica, pobre em muitos sentidos e pouco entusiasmante. Para além da burocracia, andamos a ler artigos por ler, a traduzir e “mastigar” o que já foi traduzido e “mastigado”, sem entusiasmo nenhum. Sou o único a me identificar com isto? Na minha experiência, a autonomia e paixão não são estimuladas a nós alunos, trabalhando muitas vezes para professores, nos seus projetos e nos seus artigos. O interesse cultiva-se, estimula-se, nasce como uma centelha dentre de nós e cresce trabalhando nela, não numa área pela qual não sentimos gosto e prazer.
A ciência, e a base do conhecimento, deve assentar na verdade acima de tudo, a descoberta da natureza acima de qualquer ego, acima do sucesso de alcançar X artigos ou ter um currículo cheio, mas, ao mesmo tempo,vazio.
A arte na ciência diz respeito à paixão e criatividade em ver diferente, fazer diferente, não em produzir mais e mais artigos. Muitas vezes deparo-me a discutir ideias com investigadores sem um interesse genuíno e paixão no seu trabalho. Não me refiro a uma Arte das Humanidades, mas à Arte da criatividade e paixão genuína pelo que se faz, à Arte na Ciência. Parece que, hoje em dia, a essência da descoberta está algures perdida no meio de tanta “investigação”. A problemática do desenvolvimento dos saberes, tanto em largura, como em profundidade, foi já identificada por Erwin Schrodinger em 1940. É difícil, para uma mente só, ser capaz de absorver todo o conhecimento num só domínio e que isto fique claro, a dificuldade e complexidade de algo irão existir sempre.
Ainda assim, do meu contacto, e foi algo que já discuti com pessoas da ciência e nas suas respetivas áreas, parece haver uma clara falta de existencialidade no que se faz. Hoje em dia, o foco está em produzir artigos em massa, quantos mais melhor, mesmo sendo coisas já mais que estudadas (sim, sei que toda a investigação deve ser replicada), a ciência está obcecada com a metodologia mecânica, muitas vezes cega e sem crítica à investigação dos outros, mesmo sendo a investigação na mesma área. Fico perplexo com esta mecanização de mais e mais, com pouca crítica. A ciência deve ser uma linguagem universal, porém, parecemos falar línguas demasiado diferentes.
Claro que não pretendo generalizar e há, de facto, grandes cientistas com grandes investigações e contributos realmente importantes, mas, no seu todo, a investigação parece se ter tornado uma máquina gigantesca obsoleta, com falta de criatividade e inovação (irónico?). Ler sobre os cientistas do séc. XIX e XX é deveras inspirador, à qual, na minha humilde opinião, não encontro correspondência ao mundo contemporâneo. Seria necessário repensar, refletir e realizar uma introspeção à situação atual. Não obstante, reconheço a ingenuidade deste texto, bem como a sua utopia.
Assim, a minha opinião vale o que vale, mas desconfio que não sou o único a ter detetado isto, voltando a realçar, que não é, de todo, um ataque à ciência ou investigação. É uma reflexão ponderada, bem como um desabafo sincero a uma situação atual, na qual, como aluno, não me revejo.
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Este texto faz parte de uma série de textos de opinião de alunos do ensino secundário e superior sobre a sua visão do ensino e da educação.
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