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À conversa com um aluno de Ciência Política e Relações Internacionais

Maria (M.): Fala-nos um pouco do teu curso, em que consiste e quais são as suas saídas profissionais.

Catarina Cerqueira (C. C.): O meu curso chama-se Ciência Política e Relações Internacionais mas engana-se quem pensa que serve para formar políticos. Nenhum curso forma políticos pois a participação cívica é algo que pode partir de qualquer cidadão independentemente de qual seja a sua formação. É, no entanto, natural, que as pessoas que frequentam este curso tenham um particular interesse pela política e que por isso tomem essa iniciativa. É um curso que fornece uma imensa cultura geral mas que exige uma especialização se quisermos saídas concretas. A saída mais direta seria a diplomacia, contudo esta é uma profissão que exige um percurso exigente. As restantes saídas normalmente referidas são: órgãos de soberania e administração central e local do Estado; organizações Internacionais e organizações não-governamentais (ONGs); cooperação Internacional; departamentos internacionais de organismos públicos; empresas; fundações e órgãos de comunicação social. Contudo na minha opinião isto só é válido se trabalharmos para tal – ninguém pode estar à espera de acabar esta licenciatura e ter logo ofertas de emprego se não trabalhar para isso ao longo do curso, dentro e fora do mesmo.

João França de Oliveira (J. F. O.): É um curso com várias vertentes e penso que passa por todas as áreas relevantes para a política, seja a nacional ou a internacional: ao longo dos 3 anos da licenciatura, há em todos os semestres “Tradição dos Grandes Livros” (do I ao VI). Chamemos-lhe “filosofia política”, embora não seja só isso. Depois passa, pela economia, por políticas públicas, ciência política (regimes e sistemas políticos, sistemas eleitorais, partidos políticos), História contemporânea, Direito, e relações internacionais (Teoria, Política Externa Portuguesa, Instituições e Organizações Internacionais, estudo de conflitos como o Israelo-palestiniano, entre outros).

As saídas profissionais são várias: Empresas, ONG’s, Câmaras Municipais ou outros órgãos de administração local, organismos do Estado, Banca, Organizações de Comunicação Social, Instituições da UE…

Patrícia Gouveia (P. G.): Entrei na FCSH, para realizar o meu mestrado em Relações Internacionais, cheia de expectativa. Sabia que ia ser difícil, mas estava focada. Uma ou outra cadeira não foram bem o que estava à espera. Muito monótonas e os respetivos professores não ajudavam muito. É um nível de Ensino Superior complemente diferente. Mais ‘frio’ se é que se pode caracterizar assim. Mas no geral, acho que corresponde àquilo que promete. É muita matéria a entrar e o desafio está aí, em captar bem as informações. Falamos muito sobre as políticas externas, nomeadamente de Portugal e Estados Unidos, assim como debatemos os conflitos entre países. No que diz respeito às saídas profissionais, confesso que não foi algo que me atraiu para o mestrado. Decidi fazê-lo porque era uma área que me interessava, mas sei que dá para seguir uma carreira diplomática, trabalhar em consulados, fundações, empresas, etc…



 

M.: O que te levou a escolher o teu curso e que factores tiveste em conta? Foi a tua primeira escolha?

C. C.: Desde que entrei em humanidades no 10º ano que comecei a pensar em frequentar a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Conhecia a experiência de familiares e sempre foi um sítio que me fascinou, já para não falar do facto de ser considerada a melhor faculdade de ciências sociais e humanas do país.

Gostava da maioria dos cursos mas ainda ao longo desse ano fui percebendo que aquele de que mais gostava era Ciência Politica e Relações Internacionais, uma vez que sempre me interessei por tentar perceber aquilo que se passa no mundo. Desde aí que foi a minha primeira escolha sendo que no 11º ano pude já realizar o exame de filosofia, que foi a minha prova de ingresso.

J. F. O.: Quando comecei o 12º, ainda não sabia o que queria seguir. Mas no 11º tinha participado no Parlamento Europeu Jovem, numa sessão nacional em Lisboa, na qual fui seleccionado para representar Portugal na Sessão Internacional em Munique com mais 7 participantes. Tive também uma professora de História que uma achava que eu teria muito jeito para as relações diplomáticas e penso que a ideia se foi entranhando. Em março do meu 12º ano, o IEP da UCP organizou o Open Day, no qual participei, ficando a conhecer o curso. Foi aí que me decidi.

Também teve um papel importante o facto de haver bolsas de mérito no IEP. Como a minha média do secundário era alta, tive isenção total de propinas no 1º ano do curso. Já não tenho uma média tão alta como no secundário, mas continuo a ter isenção parcial graças às notas dentro do curso. Se não fosse o factor bolsa, teria ido para a NOVA. Sim, foi a minha primeira escolha. Também me candidatei pela DGES e entrei na NOVA, mas fiquei na Católica.

P. G.: Eu venho de uma licenciatura em Ciências da Comunicação e, quando decidi fazer mestrado, os meus colegas jornalistas sugeriram que eu tirasse Ciência Política ou Relações Internacionais. Como já eram duas áreas que gostava e que me intrigavam, decidi analisar a sugestão e foi a primeira opção.

 

 

M.: O que é que te surpreendeu pela positiva e pela negativa no curso?

C. C.: Pela positiva surpreendeu-me o estímulo dos professores a desenvolvermos um pensamento autónomo, incentivando-nos até a discordar das suas próprias opiniões.

Pela negativa o facto de trabalharmos muitos conteúdos que na minha opinião são um pouco irrelevantes e não tocarmos noutros que seriam bastante mais úteis. Contudo este é um aspeto que ainda me pode vir a surpreender uma vez que ainda só frequentei o primeiro ano que é, e não apenas neste curso, normalmente algo mais geral.

J. F. O.: Pela positiva, a relação de proximidade com os professores. No 2º ano, a maioria dos professores já conhece todos os alunos pelo nome, independentemente das notas. São também bastantes prestáveis. Podemos mandar-lhes e-mails com dúvidas, que eles respondem sem problemas. Pelo que sei dos meus amigos noutras universidades, isto não é uma situação muito comum. Pela negativa, não é bem uma surpresa, porque já conhecia o plano curricular, mas penso que faz uma falta uma componente de línguas estrangeiras, à parte do inglês.

P. G.: Pela negativa foi a carga teórica. A minha licenciatura foi muito prática, o que me ajudou a desenvolver os meus conhecimentos em jornalismo muito bem. Chegar ao mestrado e bater-me com dezenas de livros, publicações e trabalhos teóricos, foi algo que me custou. Mas pelo lado positivo, tive alguns bons professores. Pessoas muito cultas e que transmitiam a matéria de forma muito fluída.



 

M.: Como tem sido a experiência de estudar nesse curso? O que é que te marcou mais?

C. C.: O que mais me tem marcado têm sido as pessoas que tenho conhecido. No secundário é normal não nos identificarmos tanto. Chegando à faculdade foi possível passar a ter discussões diárias sobre política e temas da atualidade, o que para mim é fundamental. Além disso todos somos adeptos assíduos de conferências e palestras, todos queremos aprender mais. Estar rodeada de pessoas assim é realmente uma boa sensação.

J. F. O.: Tem sido essencialmente positiva. O que me marcou mais foi, depois dum teste, uma professora ter dito “Já considerou a carreira diplomática? Teria futuro”. Agradeci muito calmamente, mas na minha cabeça era fogo-de-artifício por todo o lado.

P. G.: A minha experiência tem sido boa, apesar de ter tido algumas cadeiras que não me entusiasmaram tanto. O que mais me marcou tem mesmo de ser a tese. Tem sido mais complicado do que estava à espera e é preciso muita dedicação. Mas para quem quer uma experiência mais profissional pode sempre fazer estágio em vez de dissertação.

 

M.: Como descreverias a tua adaptação ao ensino superior? Quais foram os teus principais desafios?

C. C.: A minha adaptação ao ensino superior foi bastante espontânea, acho que também pelo facto de ser algo que já esperava há muito. Em termos sociais foi extramente fácil e dou-me com praticamente toda a gente (a prova de que não é necessário ir às praxes para fazermos amigos e nos sentirmos integrados).

Em termos académicos, inicialmente estava um pouco receosa: fiquei super nervosa com os primeiros testes e achava que ia ter má nota a todos. Contudo nada disso se revelou verdade e acabei por ter excelentes notas.

Penso que o maior desafio é confrontarmo-nos com um modelo de avaliação completamente diferente daquele a que estamos habituados. A chave é não entrar em pânico, ouvir os conselhos das pessoas mais velhas e se possível, por exemplo, treinar testes de anos anteriores (para saber o que esperar no dia do teste)

J. F. O.: Acho que foi uma adaptação boa. Dá-se muito mais matéria que no secundário e tem que se estudar muito mais. Mas depois de nos habituarmos a isso, acho que já nem faz tanta impressão. O principal desafio não tem tanto a ver com o ensino superior, mas com o mudar de cidade. Eu venho duma cidade pequena e vim estudar para Lisboa. São ritmos e ambientes muito diferentes, mas também não é nada que não se supere.

P. G.: Sendo que sou uma estudante madeirense, o meu principal desafio nem teve a ver com o curso, a cidade ou os estudos. Foi mesmo a distância de casa e da família que muitas vezes era tão difícil de suportar que me levavam a ter menos ‘cabeça’ para estudar. Mas a adaptação foi boa. Também as pessoas que conheci ajudaram bastante.

 

 

M.: Achas que o teu curso te prepara para o exercício da profissão, isto é, que adquires as principais competências que um profissional dessa área deve ter?

C. C.: O meu curso é essencialmente teórico e a única “profissão” para a qual somos preparados nas aulas é a de investigador. Contudo prepara-nos para ser melhores cidadãos e espero que, simultaneamente, melhores cidadãos do mundo. Na minha opinião esse é o principal papel da universidade: formar pessoas e não apenas conceder um canudo que se converterá numa oferta de emprego. Contudo é possível adquirir competências por nós próprios. Sendo que o meu objetivo é trabalhar nas áreas das ONGs , formei o grupo de estudantes da Amnistia Internacional, o que me permitiu desenvolver imensas skills relacionadas com organização, liderança, organização de eventos, etc.  – características que depois acabam por ser fundamentais no mercado de trabalho.

J. F. O.: Muito sinceramente, acho que nenhum curso prepara. Ficamos com muito conhecimento teórico, ganhamos muita cultura geral, podemos até criar algum networking, mas acho que só somos preparados para as profissões quando entramos nelas. Penso que é por isso que os empregadores dão tanta importância à “experiência profissional” na hora de contratar alguém.

P. G.: Se alguém basear-se apenas no que aprende nos cursos, não vai muito longe. É preciso continuar a alimentar a sede por conhecimento, pesquisando, sabendo e desenvolvendo as informações que o curso nos dá. Basicamente, eles dão-nos as bases. O resto temos de procurar por nós.



 

M.: Consideras o teu curso difícil? Porquê?

C. C.: Não considero o meu curso difícil. Sendo bastante teórico e subjetivo, para uma pessoa que frequente as aulas, não é difícil obter uma positiva. Contudo obter notas muito altas, devido a essa mesma subjetividade, torna-se mais complicado, e chega a ser frustrante pois por mais que tenhamos estudado podemos não conseguir obter aquilo de que estávamos à espera e acabamos por não conseguir perceber o porquê. Não há concretamente respostas certas e respostas erradas mas sim maneiras certas e maneiras erradas de desenvolver uma resposta.

J. F. O.: Acho que a dificuldade é uma coisa relativa e há cadeiras mais difíceis que outras, ou nós temos menos jeito para umas coisas e mais para outras e temos de trabalhar mais quando nos falta o jeito, como é o meu caso quando há matemática envolvida. Mas nunca deixei uma cadeira para trás, por isso acho que não é excessivamente difícil.

P. G.: Acho que é tão difícil como fazer outro mestrado qualquer. É claro que sendo um grau de ensino maior, a exigência vai ser também maior. Mas faz-se bem, se tivermos empenho e disciplina.

 

M.: Quais são as tuas expectativas no que toca à entrada no mercado de trabalho? Que perspectivas tens?

C. C.: Sei que antes de poder trabalhar a 100% naquilo que gostaria tenho de fazer uma especialização, neste caso um mestrado. Depois disso gostaria de trabalhar na área das organizações internacionais, nomeadamente não-governamentais, ligadas à área dos Direitos Humanos. O mais provável é ter de trabalhar fora de Portugal mas não acho que seja um efeito da crise, é algo que qualquer pessoa que escolha Relações Internacionais considera fazer, pois só o nome diz tudo.

J. F. O.: A área que eu quero (carreira diplomática) tem muito poucas vagas para muitas candidaturas. Penso que não vá ser fácil e que vou penar um bocado para lá chegar, mas acho que tenho as minhas chances de conseguir.

P. G.: Neste momento já estou no mercado de trabalho. Não trabalho na área do mestrado, mas sim da licenciatura que era o meu objectivo. O mestrado sempre foi algo que eu quis fazer para complementar a licenciatura e para abrir os meus horizontes e conhecimentos sobre as relações externas das nações.

 

M.: Pensas em continuar a estudar para um mestrados/doutoramentos ou pós-graduações?

C. C.: Em áreas ligadas às ciências sociais e ainda para mais num curso tão amplo quanto o meu, é impossível não pensar na necessidade de uma especialização. Tendo em conta a minha paixão pelos Direitos Humanos, gostaria de frequentar um mestrado na área do Direito Internacional Humanitário, contudo ainda podem surgir outras ideias.

J. F. O.: Para já, tenho o Mestrado em mente. Ainda não sei em quê, mas tenho-o em mente.

P. G.: Tenciono continuar a estudar, mas não quero seguir para um doutoramento. Os meus planos incluem alguns cursos no CENJOR, porque jornalismo é a minha paixão e uma pós-graduação num futuro breve.



 

M.: Se soubesses o que sabes hoje, candidatavas-te para o mesmo curso novamente? Porque?

C. C.: Apesar de por vezes questionar o porquê de estar neste curso e pensar como seria se estivesse noutro, sei que em nenhum estaria melhor do que estou aqui. É impossível gostarmos de algo a 100% – vai sempre haver cadeiras que gostamos mais e outras que gostamos menos. O importante é retirarmos o melhor daquilo que temos, e acho que o tenho feito.

É certo que de vez em quando sou atormentada com a realidade e as poucas pespetivas de emprego que temos, contudo procuro sempre confiar nas minhas escolhas e na minha capacidade de trabalho, pois isso é o mais importante.

J. F. O.: Faria. Antes da candidatura, a minha mãe fez pressão para eu ir para Direito, mas eu mantive esta opção. E acho que fiz bem, porque gosto genuinamente deste curso e acho que os meus colegas de Direito “sofrem” mais que eu.

P. G.: Sim, faria. No geral gostei das matérias lecionadas e abriu aquela porta que faltava para me tornar mais desperta para os assuntos internacionais. Hoje leio mais sobre política mundial porque gosto e porque relaciono determinado assunto com algo que ouvi ou aprendi no mestrado, por isso é bom. Se mudasse algo, seria provavelmente a tese. Faria estágio.

 

M.: Que recomendações deixas aos próximos candidatos ao ensino superior?

C. C.: Façam aquilo que gostam – não escolham um curso apenas porque os vossos pais querem ou porque acham que tem mais saídas profissionais.

Sejam proactivos – ninguém vos irá oferecer um emprego se não mostrarem que têm capacidades de trabalho (e isso começa na faculdade – é preciso fazer mais do que o suficiente para passar)

Conheçam pessoas – mais importante que a média são as atividades que desenvolvemos (voluntariado, estágios, etc.) e os contactos que estabelecemos.

J. F. O.: Dêem o máximo que conseguirem para entrarem no que querem. É que são pelo menos 3 anos de licenciatura, mais os anos de mestrado, e andar 5 ou 6 anos numa coisa de que não se gosta não dá com nada. Bem sei que há cursos com médias que não são nada fáceis de obter e que às vezes não se entra por mesmo muito pouco. É frustrante, e não vai deixar de o ser se não entrarem depois de terem dado o litro, mas há que tentar.

P. G.: Que não desanimem se uma cadeira não for tão atrativa como outra e que tenham bem a certeza do curso que querem fazer porque é só uma amostra do que possivelmente vão praticar para o resto da vida.

 

M.: O que dizem… as tuas notas?

C. C.: Muitas horas passadas na biblioteca.

J. F. O.: Acho que dizem bem de mim. Ainda não tenho nenhuma nota abaixo de 15 e tive média de 16 no primeiro e no segundo ano. Gostava muito de dizer que não me custou nada, mas seria mentira. Não sou o melhor aluno do curso, nem o mais estudioso, mas ainda lhe dedico bastante tempo. A faculdade já me deu os primeiros cabelos brancos, que não tinha antes de lá entrar. Ainda não preciso de óculos, mas já não devem faltar muitos anos até precisar. Só espero é que no futuro tenha valido a pena.

P. G.: Notas e valores são relativos. Podes ser aluna de 17, mas não teres o que é preciso para vingares no mundo profissional. Mas as minhas notas dizem que podia ter estudado um pouco mais eheheh.

 

 

Catarina Cerqueira e Patrícia Gouveia são alunas da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e João França de Oliveira é estudante no Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa.