Foto de Sharon McCutcheon / Unsplash

Cor da alegria – ou quando nos celebramos


Há um momento ou momentos na nossa trajetória em que decidimos recomeçar, “Sem angústia/ E sem pressa”, como nos entoa Miguel Torga, e ganhamos a coragem de fazer aquilo que considerávamos ora impossível ora pouco provável ora demasiado longínquo.

No meu caso, esta tomada de posição foi muito recente – e teve que ver com a minha sexualidade. Ocorreu no dia 4 de maio de 2021 e por via de uma publicação no meu perfil nas redes sociais digitais Instagram e Facebook. Nelas, confessei-me homossexual. Com algumas linhas de contextualização desta assunção, lá admiti algo que as/os meus/minhas amigas/os mais próximos já sabiam há largos anos e que já não precisarão – isto realmente se o necessitassem, pois tentei não lhes colocar tamanho ónus – de ocultar mais.

Porque fiz isto, nomeadamente tendo em conta que, felizmente, já alcançamos, pelo menos na sociedade portuguesa, verdadeiros direitos de igualdade e inclusão sexual e de género, como o casamento e adoção de pessoas do mesmo sexo ou a mais recente vitória relativamente à doação de sangue por pessoas bissexuais e homossexuais? Bem, foi, talvez por isso mesmo. Na publicação, manifesto a minha perspetiva de que o número XXI deste século em nada é, por si só, demonstrativo da vida social do presente, mas que esta vida, felizmente, em termos jurídicos e legais, já se tornou multidimensional e apreciada, dando espaço a que as conquistas pessoais se tornem vitórias sociais. É, portanto, neste mundo em que hoje agimos que deixa de fazer sentido olhar para as identidades como um lugar de exclusão – empregando a terminologia concetual de Stoer e Magalhães (2005) – mas sim de expressão linguística e simbólica, de afirmação, de emoção, de concretização, de ser e de estar em si como dona/o de si tout court.

Por mais que a linguagem vacile – diz-nos o escritor e tradutor brasileiro Tomaz Tadeu da Silva (2000: 78) – e seja, “ela própria, uma estrutura instável”, sabermos que ela nos pertence, e que a partir dela não precisamos de ter pudor e antes orgulho de quem somos na nossa plenitude, transmite-nos esperança de que as sociedades se tornem cada vez mais lugares dignos da existência das pessoas que a compõem.

Deixo, por fim, a mensagem e as fotografias com que adicionei mais um fragmento ao meu retrato de ser humano em composição.

“Aos que desejarem efetivamente ler…

o meu desde já obrigado.

Acredito e admito que esta publicação já não faça muito sentido no tempo em que vivemos. Não porque construamos vida no século XXI, já que este número nada define, mas antes devido à própria realidade e à sua multidimensionalidade, fruto de direitos, de reconhecimentos, de respeitos, de dignidade. Não se trata de branquear o criticável e sim de louvar o notável.

Apesar de tudo isto, e por isto, nada se impede à menção e à ovação de uma conquista pessoal, que é, igualmente, um ponto de entre muitos correspondentes a conquistas culturais e sociais. Como disse, há que elogiar as coisas merecedoras desse elogio e creio que hoje, em muitos anos, me deva finalmente aplaudir como deve ser. Quero deixar público este momento, pois considero que a sociedade, quem me conhece – amigas/os, família – eu, devemos viver bem com as nossas identidades. Não são elas que obstaculizam a nossa felicidade – é a nossa rejeição, mais secreta ou mais divulgada, e primeira, seguida de uma rejeição coletiva que se alicerça no uso negativo daquela, que nos traz a amargura, a frustração, talvez os ciúmes e a raiva. Mas hoje não: digo/dizemos, a partir de mais uma voz, que são bem-vindas a diversidade, a liberdade, a honestidade, as quais há pouco celebrámos com o 25 de abril e o Dia do Trabalhador. Confesso-me, orgulhoso, acreditando, pelo menos neste momento, em mim: sou homossexual.

E é apenas isto. Intenções de cordialidade e respeito, claro que sim!; e acima de tudo amar e ser amado. Apenas e liminarmente isto.

Recupero, por fim, as palavras de um dos fundadores do PPD-PSD e da democracia em Portugal, Francisco Sá-Carneiro: “A Política sem risco é uma chatice e sem ética uma vergonha”. Também toda a restante vida. Que se tenha esta consideração para tudo – nas relações familiares e entre amigas/os, as pedagógicas, as económicas, as religiosas, as para com o ambiente, as sexuais e de intimidade.

Leonardo Camargo Ferreira [04-05-2021]

Referências:
Silva, Tomaz Tadeu da (2000). 2. A produção social da identidade e da
diferença. In Silva, Tomaz Tadeu da (org.), Hall, Stuart, & Woodward, Kathryn
(2000), Identidade e diferença: A perspectiva dos Estudos Culturais (pp. 73-
102). Petrópolis: Vozes.

Stoer, Stephen, Magalhães, António, & Rodrigues, David (2004). Os
lugares da exclusão social. Um dispositivo de diferenciação pedagógica. São
Paulo: Cortez Editora.
Torga, Miguel (1977). Sísifo. In (2019). Antologia poética (pp. 440).
Alfragide: D. Quixote.

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Este texto faz parte de uma série de textos de opinião de alunos do ensino secundário e superior sobre a sua visão do ensino e da educação.

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