Criei memorias inesquecíveis, porque lá estive

O ano letivo está encerrado, os exames estão concluídos e, por agora, nada que envolva o nome “Faculdade” é considerado boa música para os ouvidos dos estudantes. Porém, hoje, apraz-me escrever sobre algo que tem vindo a ser cada vez mais comentado, nem sempre da forma mais correta e com conhecimento de causa: a Praxe.

É extraordinário constatar o medo que o ser humano sente pelo desconhecido. A praxe, foi tema de conversa durante vários meses cá em casa. As noticias que a comunicação social relatava faziam com que os meus pais tentassem que eu fugisse a esta prática, Capas negras, queimas ou enterros, cortejos e guitarradas eram assuntos que não convenciam os familiares mais próximos. Eu, no meu canto, ia formando, aos poucos, a minha opinião sobre estas tradições.

Todas as tragédias sucedidas faziam com que os meus pais ficassem desconfiados e deixava-os, ainda, com medo do que pudesse suceder no meu ano de caloiro.



Mas, eu arrisquei. Lembro-o do dia das matriculas em que um veterano me diz: “não se preocupe que não praxamos ao pé da praia da Barra!”. Lembro-me de toda a confiança que os doutos veteranos me transmitiram no dia das matriculas e da vontade com que me encheram a alma para pertencer a esta prática.

A primeira praxe, com um tom mais sério, deu-se de manhã cedo. Eu estava lá, no meio de outros desconhecidos, caloiros como eu e, provavelmente, todos com o mesmo nervosismo. Os veteranos fizeram-se aparecer com os seus gabões quase a rastejarem o chão e os nossos olhos iam fixando nos seus sapatos pretos. Os berros envolviam todo aquele ambiente e as flexões faziam-nos esquecer os nervos que trazíamos. Sim, é verdade que nada daquilo fazia ainda muito sentido, mas também é verdade que foi nesse dia que comecei a formar as minhas grandes amizades da faculdade.

Os dias foram passando e as músicas do instituto já me enchiam o peito de orgulho. Enchia-me de orgulho ao berrar cada palavra de cada música. Ficava orgulhoso por ver todos os meus colegas caloiros ao berrarem cada canção. E não havia nada que nos deixasse mais satisfeitos ao ver os outros cursos serem abafados por cada palavra nossa.

Com o tempo, foram-se criando inúmeras amizades, foi-se aumentando o sentimento pela praxe e foram-se formando laços de amizade com os veteranos que nos transmitiam todos os ensinamentos.

A praxe é quase como um espaço teatral em que o nosso psicológico é testado, em que aprendizagens nos são transmitidas e onde aprendemos que existem hierarquias a serem respeitadas. O problema, por vezes, é os mal falantes não entenderem que a mesma tem um fim disciplinar. É não entenderem que quem vive a praxe nutre um sentimento que se compara a uma religião. O problema é, muitos de vós, falarem sem nunca terem vivido isto!

Nunca, em nenhuma praxe, senti isso a que vocês chamam de “humilhação”.

Nunca, em nenhuma praxe, me senti inferior, como vocês dizem.

Nunca, em toda a minha vida, irei esquecer-me da voz rouca, do cheiro acumulado na camisola, dos ovos partidos na cabeça, dos risos que tentámos controlar nem das horas intermináveis de joelhos.

Ao contrário do que se diz, a praxe é um ensinamento excelente, quando feita pelas pessoas certas.

A praxe segue uma doutrina essencial “respeitem, para serem respeitados”. Não será nela que vais aprender todos os valores, mas será nela que os veteranos te levarão ao limite para nunca te esqueceres de os praticar.

No final, de todo este ano nesta montanha russa de emoções, resta-me o espírito de união, a entreajuda, a amizade entre caloiros e veteranos e um amor enorme pelo instituto que me acolhe.

Sim, agora farei parte desses que vestem preto, aqueles que vocês condenam diariamente por, quase sempre, estarem a integrar os novos alunos. Aqueles que nos dão a mão e nos abrem as portas do universidade. Aqueles que nos envolvem nas suas capas negras e nos aquecem a alma quando nos faltam os nossos pais.

A praxe deu-me uma família que me cuidou como uma família real se cuida.

A praxe fez-me querer berrar bem alto, pelo meu instituto, mesmo quando me falhava a voz.

Cresci, aprendi e ensinarei aos próximos tudo o que me ensinaram. Criei memórias inesquecíveis, porque lá estive.

Todos os jantares, todos os risos, todas as tardes ajoelhado, agora fazem falta.

Fui feliz e a culpa é da praxe…

Porque quanto mais deres à praxe, mais ela te dá a ti!

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Este texto faz parte de uma série de textos de opinião de alunos do ensino secundário e superior sobre a sua visão do ensino e da educação.

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