Sou um jovem que sempre quis ser médico. A título pessoal, sempre quis ser o melhor seja no que fosse e detesto sentir que não dou aquilo que tenho. No fundo, sou uma pessoa ambiciosa e algo perfecionista que se prima pelos seus objetivos e que, se bem que nem sempre os realiza, nunca vira as costas à luta e volta a persistir especialmente na vida académica e no que a este sonho das Medicinas diz respeito.
Porém, se um dia me perguntarem aquilo que mais me marcou até hoje, sou perentório ao responder: inequivocamente, o basket, e tudo se interrelaciona com fluidez e naturalidade. Ao início, era uma vez apenas “mais um” dos milhares de jogadores do basquetebol nacional, mas esse “mais um” incomodava-me de certa forma e desafiava-me interiormente ao ponto de me superar e transformar o “mais um” atleta no “melhor” atleta possível por mais esforço e dedicação que isso implicasse. Lembro-me de ser aquela criança inocente e exploradora com o sonho de um dia conciliar a carreira profissional de basket com uma prestigiante profissão, apaixonada por passar as tardes no pavilhão a ver grandes figuras e exemplos que me marcaram do basket em Ovar como o Rui Marques e o João Soares, bem como o Pedro Costa e tantos outros e um dia imaginar uma carreira profissional e desportiva tão boa ou melhor que a deles. Queria um dia ser um exemplo e um ídolo para os mais novos, alguém em quem se pudessem rever e admirar pelos seus valores humanos e desportivos. Porém, infelizmente a vida não é um conto de fadas nem um mar de rosas e nem sempre consegui conciliar o basket e a escola por via só e somente das minhas prioridades e do futuro que imaginaria enquanto estudante, principalmente quando a exigência aumentou e o tempo de estudo e de devoção diminuiu com o passar dos anos até ao culminar da minha imperdível retirada… Recordo-me de sentir a necessidade de faltar a um treino por semana por aprender Inglês num instituto, o que apesar de me prejudicar imenso nos treinos e na preparação do jogo ao fim de semana, me complementou e permitiu retirar os seus dividendos até à atualidade, algo inédito e incompreensível para uns como também algo empreendedor e deveras útil no meu futuro currículo para outros… Apenas resta uma “pequena grande” mágoa de como algumas pessoas nunca o compreenderam nem tiveram a sensibilidade e a perceção de que somos todos diferentes com prioridades distintas e variadas maneiras de ver a realidade, mesmo que isso atue contra as suas conveniências. Na verdade, já não sentia o mesmo prazer e o mesmo amor ao jogo à medida que a sobrecarga aumentava. Se é possível conciliar? Claro que sim e há muitos casos felizmente. Mas como todos nós, humanos, não somos perfeitos e para os meus objetivos de vida desde o meu 10º ano, aquando começara a crescer o bichinho da Medicina e a aperceber-me das minhas capacidades, senti-me no dever de colocar um ponto final (ou apenas meras reticências) numa fascinante e admirável história de vida sem a qual todos os meus colegas, amigos, família e todo um staff envolvente ao basket não teria sequer nascido nem crescido.
Regressando ao busílis da questão, aos poucos e poucos e com o avançar do leccionamento das primeiras aulas começara a imaginar-me cada vez mais num consultório de estetoscópio ao pescoço defronte pacientes ao invés de me remeter a um escritório ou a uma fábrica a executar e a desenvolver máquinas; a questionar-me ora no porquê de quando ia treinar para zonas de elevada altitude me sentia fatigado e com baixa intensidade física ora em simples pormenores (que por mais insignificantes que pudessem parecer, eu valorizava-os e intrigava-me, o que mais ainda me fascinava ao querer saber sempre mais) da anatomia humana de como, por exemplo, funcionam e se inserem órgãos como o coração, os rins, o fígado entre muitos outros; a refletir sempre que ia à fisioterapia do Miguel e do João ao sentar-me na maca cabisbaixo a levar choques nos tornozelos no quão vulnerável a lesões e no quanto sofria de dezenas de entorses em ambos os pés nessa zona e no que isso poderia estar relacionado com o uso de um mero aparelho dentário. Enfim… mil e uma razões que me ajudavam a confirmar indubitavelmente que ser médico era mesmo aquilo que queria e mais me identificava no futuro. Sempre soube aquilo que quis e me guiei com base em todas as minhas convicções, embora por poucas vezes tenha anunciado e manifestado esse interesse em público. Além disso, analisando melhor, engenharias e áreas distantes da saúde nunca me cativaram verdadeiramente, muito devido à minha repulsiva e árdua relação com a Física.
E por falar em 10º ano, o que dizer da minha transição para o secundário? Ora, à semelhança (certamente) de uma grande quota parte de todos os estudantes que sentem uma mudança brusca e repentina de realidades comparativamente ao básico, eu também o senti e admito hoje que terá sido o meu pior ano escolar que, consequentemente, comprometera o meu objetivo. Muitas razões extrínsecas a este texto estão na sua origem, mas desde logo não me posso deixar de responsabilizar até porque os que estão sempre a culpabilizar os outros pelos seus fracassos são os que nunca alcançam os seus objetivos porque nunca aprendem com os seus erros. E se aprendi…. Terminara o 10º ano com uma média de cerca de 16/17 e poucos valores, o que me deixara “muitas vezes” desmotivado e confuso acerca das minhas reais capacidades. Afinal começara a sentir aquele meu sonho delineado a fugir-me das mãos e o horizonte cada vez mais longínquo. Haveria luz ao fundo do túnel? Para tal, contribuíram imenso palavras que infelizmente jamais me esquecerei e me fortaleceram ainda mais de como dois próprios meus professores de Biologia me insinuavam de forma “excessivamente” clara e grosseira que não seria essa a minha vocação, convencendo-me fortemente a exclui-la e a encontrar outra possibilidade de futuro longe das Biologias e das Saúdes, assim como uma “simpaticíssima” professora de Matemática e uma professora de Filosofia que desde logo nas primeira aulas declararam que nunca dariam a ninguém um 20 e de tantas palavras menos felizes durante as aulas. Mas afinal, seria capaz?! Onde estaria o verdadeiro “eu”?! Afinal o que se passava?! Frustração. Desilusão. Mágoa. Revolta. Momentos difíceis. Aí recordei-me e motivei-me mais do que nunca, pois dos fracos não reza a história e nunca cheguei a virar a cara à luta com plena consciência nas minhas capacidades. No 11º ano consegui subir a minha média e após a minha saída do basket e a minha entrada no colégio no 12º ano, a minha média subiu ainda mais graças a excelentes profissionais que encontrei no Externato Ribadouro e que agradecerei eternamente, o que culminou numa experiência inesquecível. Porém, há aquela maldita porta dos exames que ou tens as chaves e a consegues abrir com sucesso ou, se a tentas arrombar sem qualquer preparação, vais acabar por não conseguir abri-la e passar o outro lado, terminando por te consumires interiormente e deixando-te frustrado por não teres alcançado esse objetivo. Com efeito, no meu caso, julgo ter tido as chaves, a fechadura, uma porta de ouro e todas as ferramentas suficientíssimas para transitar para o outro lado.
Contudo, faltou concentração e autocontrolo, fundamentais para sermos bem sucedidos num simples teste de 1h30 a 2h num só dia e que avalia (não só) os nossos conhecimentos durante cerca de 2 a 3 anos escolares. Será justo? Será equitativo a todos? Será esta a forma mais assertiva e eficaz de distinguir os alunos e o aluno “bom” do “muito bom”? Coloco, deste modo, a questão em aberto…
E assim foi. Após a divulgação dos resultados, instalara-se a desilusão. Por cerca de 3 décimas não entrei em Lisboa no curso que mais desejava. Além disso, as minhas 4ª e 5ª opções (na altura, Medicina Dentária no Porto e Coimbra, respetivamente) também não me incluíram, o que me remeteu a seguir a aventura da FFUP em Ciências Farmacêuticas no ICBAS. Bem… Sei que nesta altura, porventura muitos colegas meus que estejam a ler e a rever-se na minha posição partilham da mesma decisão que tomara. Na verdade, a adaptação e o novo paradigma, bem como o ambiente e o curso em si não me realizavam de todo e a minha “passagem” pela FFUP prolongou-se apenas durante 2 semanas. Repito, 2 semanas. Não era de todo a minha vontade estar ali a fazer algo que não gostava nem me identificava totalmente e quando assim é, não faz sentido forçarmos e continuarmos a remar contra a maré que se avizinharia negra. Sabem aquela criança que acorda cedo propositadamente para ir à catequese para cumprir apenas o desejo dos pais e orar contrariada perante a catequista e o senhor padre mas sem se enquadrar com esta opção de vida e sem qualquer pré-disposição?
Sim, eu era uma dessas crianças. Só que, neste caso, consegui sobrepor o coração à razão que me poderia levar a concluir apenas o 1º semestre. Saí da faculdade ainda decorrendo o mês de Setembro de 2015 e na semana seguinte já frequentava explicações de Biologia e Físico-Química com vista a repetir e melhorar os exames de 11º ano, a minha grande lacuna. Não guardei qualquer espécie de preconceito nem me importei de parar um ano letivo quase inteiro pois confiava em mim mesmo e que no fim tudo iria correr da melhor forma, até porque quando se tem um sonho não é qualquer percalço que nos afasta dele. Apenas me teriam atirado uma pedra para o meu caminho e o que eu fiz foi simplesmente apanhá-las a todas ao longo de todo o ano transato até construir o meu forte castelo no mês de Junho. Terá sido o ano mais “jifwjundnjs” que poderia viver a nível escolar e também pessoal ao estudar essencialmente em casa todos os dias, não só cheio de incerteza e monotonia do mesmo dia a dia como também de insegurança de como se realmente o risco compensaria, longe de muitos amigos e incapaz de aproveitar a vida de uma forma muito diferente e desejável. Custava-me imenso ouvir os meus amigos “Anda lá sair hoje, um dia não te vai perturbar nem faz mal a ninguém. Tens o ano todo para estudar”. A verdade é que era 1+1+1+n dias e de todas as vezes que cedia se apoderava do meu pensamento a contagem decrescente à hora e ao dia dos exames e o consequente receio de mais uma vez não conseguir…
Julho de 2015. Saíram os resultados dos exames e mais tarde, um mês depois, as colocações. Medicina Dentária em Coimbra. Tranquilamente, a minha reação terá sido mais conformista e previsível do que aparentemente imaginável dada não só a minha complexa e profunda pesquisa do curso, da afinidade e do interesse com todas as suas vertentes como também de pessoas conhecidas e, claro está, do emprego subjacente ao curso ao longo do Verão. Resta ainda destacar que desde sempre, sem qualquer dúvida, Medicina Dentária seria o meu segundo curso de eleição.
FMUC seria o meu próximo destino. Cheguei e desde o primeiro dia me apercebi que teria entrado no local certo à hora certa. Tal como à maioria dos meus colegas, a faculdade e “família amarela” a sim integrantes nos receberam de braços abertos de tal modo que a hospitalidade contínua nunca passou despercebida ao ponto de nos sentirmos todos os dias em casa. Felizmente, até ao momento só consigo encarar esta experiência com aspetos positivos e que me deixam totalmente satisfeito em toda a aceção da palavra e ao que a Medicina Dentária diz respeito. Muitas vezes e muitos colegas meus (de outros lugares também, presumo) partilham da quase obsessão e “dever” de entrar em Medicina por vários motivos sociais, económicos, familiares ou mesmo puramente pessoais que condeno absolutamente, querendo ser médico custe o que custar e sem atender a outro leque de possibilidades (por vezes, tão boas ou melhores) que, com o evoluir do tempo, nos fazem reconsiderar as nossas prioridades e mostrar que afinal a vida não é “estanque”, mas sim composta por vários momentos que nos destinam à evolução e à mudança. Com isto quero dizer que não podia estar mais fascinado com a realidade de tudo o que envolve dentes, saúde oral, anatomia dentária, tratamento de cáries, implantes, doenças periodontais, extrações dentárias entre muitas outras fações do curso e que, se tanto estou a disfrutar deste curso e me identifico vivamente, por que razão irei mudar logo agora que me sinto feliz e tanto ultrapassei? Por que não “dar” uma oportunidade ao curso? Mais ainda, vulgarmente olho muitas vezes pelo sobreolho e visualizo um árduo labirinto de obstáculos aos meus amigos de Medicina que culmina no exame eliminatório do Harrison (que, desculpem-me a expressão, favorece apenas os médicos marrões do último ano sem tanto avaliar todos os anos anteriores e a experiência prática médico-doente), além dos posteriores anos de especialidade necessários.
Em suma, devo dizer-vos que sinto que já passei por muito até chegar a Medicina Dentária, mas possuo a plena consciência que ainda não passei por tudo e é necessário sentirmos sempre os pés muito bem assentes no chão de forma a evitar fracassos e desilusões futuras.
Provou-se mais uma vez que Deus escreve certo por linhas tortas e que sem esforço e sem capacidade de superação, não seremos recompensados nem premiados. E eu, eu que uma ínfima parte de uma certa esfera administrativa duvidava e uma gigantesca parte de amigos e familiares que incondicionalmente sempre me apoiaram, posso dizer hoje com toda a alegria estampada no rosto que me sinto premiado e preparado para novas batalhas.
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Este texto faz parte de uma série de textos de opinião de alunos do ensino secundário e superior sobre a sua visão do ensino e da educação.
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