Da Saúde para a Publicidade: desafios e conquistas de quem mudou de área após a licenciatura


A ideia de que devemos trabalhar na nossa área de formação parece estar tão enraizada na sociedade como a ideia de que aos seis anos as crianças devem entrar para a Primária. Tudo o que fugir a isto é uma perda de tempo, de dinheiro.

Mas e quando a área onde nos formamos não nos realiza? Quando aquilo que nos apaixona está, muitas vezes, numa área diferente daquela onde estudámos e onde investimos tanto durante anos?

Mudar de área não é uma decisão fácil. Principalmente mudar de área após se concluir um curso superior – o qual, toda a gente sabe, acarreta custos muitas vezes elevados. Não é fácil, mas não é impossível nem deve ser visto como uma derrota na nossa vida. E, para desmistificar um pouco esta ideia, fomos conversar com a Inês Mota, formada em Nutrição e membro da Ordem dos Nutricionistas, mas que atualmente está numa área muito diferente.

Fala-nos um pouco sobre ti.

Sou a Inês Mota, tenho 29 anos, sou licenciada em Ciências da Nutrição e conclui a Ordem dos Nutricionistas, mas trabalho integralmente como copywriter e content manager numa agência de publicidade e marketing há 4 anos, tendo acabado por mudar de carreira.

Tenho também um blog, Bobby Pins, onde acho que foi o gatilho para encontrar o meu verdadeiro entusiasmo profissional: escrever.

O que te levou a escolher Nutrição?

Escolher um curso no secundário não foi um processo linear para mim, principalmente porque sempre tive muitos interesses distintos e custava-me pensar que estava a decidir o meu futuro com tão pouca maturidade e experiência de vida. Escolhi nutrição porque, dentro do ramo das ciências e tecnologias, era uma área que me interessava – e ainda interessa, até hoje -, era recente, não tinha uma intervenção tão invasiva como a medicina ou a enfermagem e sentia que podia, de alguma forma, ajudar as pessoas com a minha profissão.

Mas a verdade é que a função de copywriter ou gestor de conteúdos propriamente dito ainda não existia na forma que conhecemos hoje, por isso, seria difícil visionar que queria formar-me numa área que ainda era muito primordial.

Ao longo do curso, alguma vez tiveste dúvidas sobre o teu futuro enquanto nutricionista?

Sim! Estava muito focada em tirar o maior proveito da faculdade, mas comecei a ter muitas dúvidas sobre onde é que o meu perfil, interesses e personalidade se encaixavam como nutricionista na reta final da licenciatura.

Quando é que te apercebeste que Nutrição não te realizava profissionalmente?

Tinha essa desconfiança já na altura em que me licenciei, mas assim que entrei no mercado de trabalho confirmei as suspeitas.

Era muito competente no que fazia – e tive, desde o primeiro ao último dia, o maior respeito e diligência para com os meus pacientes -, mas não era feliz.

Acho e continuo a achar que o melhor barómetro de que estamos a trabalhar na área certa são os domingos à noite; se o domingo é um fator de ansiedade ou melancolia porque uma nova semana de trabalho vai começar, se nos deitamos tarde durante a semana para termos algumas horas extra de ‘liberdade’ ou felicidade, se o trajeto para o trabalho traz angústia, diria que estes são sinais importantes a avaliar. Pelo menos, para mim, foram.

Que passos tomaste quando decidiste seguir Publicidade?

Quis muito ter um sentido prático do que precisava de fazer para mudar de área e, por isso, investiguei e inteirei-me muito bem do que é que a função que eu queria (copywriter) fazia e exigia. Que tipo de funções e tarefas diárias teria de fazer, que tipo de skills é que me iriam destacar numa candidatura, etc.

Conversei com muitas pessoas dessa área, fiz perguntas a pessoas que tinham passado por uma transição semelhante e, acima de tudo, apostei muito na minha formação, de todas as formas: gratuita, online, certificada e presencial. Investi ao máximo para mostrar que as minhas habilidades não só agregavam valor, como estavam creditadas. Isso também abriu portas para networking e para conhecer melhor a área.

Fiz tudo isto em paralelo enquanto trabalhava como nutricionista para poder suportar custos e ter um plano B a decorrer, o que acho ideal, embora compreenda que nem sempre é viável.

A tua família apoiou a tua decisão? Quais foram os teus medos?

Para mim, levou algum tempo até me sentir confortável para dizer em voz alta junto do meu círculo que precisava de mudar de área para algo que me fizesse feliz.

Há quem oiça estas conclusões e pense que é uma mudança radical ou inesperada, mas eu acho que esta conclusão corre muito tempo dentro de nós antes de sermos capazes de admitir – às vezes, para nós próprios. Cresce uma culpa pela sensação de que investimos tempo e dinheiro numa área que afinal não queremos, que ficámos para trás, que vamos começar tudo de novo, e esses sentimentos – em conflito com a angústia de permanecermos na mesma área – são difíceis de gerir, especialmente com o input adicional das nossas pessoas – que às vezes ajuda, outras vezes nem tanto.

Tive a sorte de ter uma família que me escutou e deu espaço para preparar-me e investir nessa transição, sem grandes conflitos. Mas estava preparada para seguir este caminho de uma forma ou de outra. Por muito que gostemos da nossa família e por muito que eles nos conheçam e tenham uma ideia muito afinada de quem somos e queremos, não há ninguém que nos conheça melhor do que nós e ninguém pode viver a nossa vida por nós. O trabalho ocupa uma fatia muito grande da nossa vida para deixarmos que sejam outras pessoas a definir o que devemos fazer com essa fatia. E por muito que dê trabalho mudar de área – especialmente se tiver exigências burocráticas diferentes uma da outra ou se forem setores completamente diferentes, como foi o meu caso, que passei da saúde para a publicidade – é importante lembrar que os anos vão passar à mesma. O tempo vai continuar e vamos, com sorte, chegar na mesma aos 30, 40, 50 anos. Não é preferível chegar lá a fazer algo que nos entusiasma e deixa realizados (mesmo que levemos um pouco mais de tempo do que os outros) do que ficar no mesmo sítio só porque temos de dar alguns passos para trás?

Na área onde trabalhas atualmente, alguma vez te sentiste em desvantagem quando em comparação a quem se formou nesta área?

Não exatamente, mas lidei com algum preconceito e condescendência. Encarei com naturalidade porque o mundo profissional tem uma vastidão de escolas de pensamento, e se há colegas e profissionais que têm uma visão mais aberta do mundo profissional atual, onde muita gente atua – e bem! – em áreas para as quais não tem uma formação académica dita tradicional, há também outros que se agarram ainda muito à licenciatura e academia onde a pessoa andou. Aliás, isto acontece até mesmo entre colegas com licenciaturas iguais – quantas vezes não ouvimos o preconceito das faculdades, métodos de ensino, estágios onde andaram, etc…?

Tudo o que senti que podia aprender mais, investi em formação e no apoio de colegas mais velhos e mais experientes – e foi a experiência mais comum até agora. Sinto também que o meu percurso menos convencional me deu habilidades que nem todos os meus colegas têm ou que tiveram de aprender de outras formas, o que para mim torna qualquer equipa mais rica e diversificada. Mesmo tendo sido nutricionista, há muita coisa que aprendi e que posso trazer para o meu local de trabalho, diariamente.

Se pudesses voltar atrás mudarias alguma coisa?

Talvez tivesse sido uma experiência mais tranquila se tivesse tirado uma licenciatura em marketing e tivesse seguido um percurso tradicional, mas não me arrependo por um segundo de ter tirado nutrição e nunca senti que foi tempo perdido. Ter estudado e trabalhado nesta área ofereceu-me competências e conhecimento que de outra forma não teria – não só profissional, mas para a minha vida – e torna-me uma profissional com um percurso mais diversificado e original.

Que conselhos gostarias de dar a alguém que não se veja a trabalhar na área para a qual está a estudar/ estudou?

Em primeiro lugar, saber com segurança de que não estás só. É angustiante ver os pares ou amigos a seguir a carreira sem a menor dúvida enquanto nós vamos para o trabalho carregados de perguntas.

Não há nada de errado contigo, se sentes que não estás no sítio certo. E não é necessário sentir culpa. Investiga o que que é que te entusiasma e inicia a pesquisa por aí. Fala com pessoas dessa área e não tenhas medo de fazer perguntas. A maioria das pessoas é muito disponível. E quando tiveres uma ideia mais concreta do que gostavas de fazer, não tenhas medo de ir atrás e tentar. Ninguém pode viver a tua vida por ti.

Em nome da equipa Uniarea, um agradecimento enorme à Inês por ter aceitado o desafio de partilhar connosco um pouco do seu percurso académico e profissional.

Relembramos que também podes partilhar as tuas histórias e experiências connosco e esclarecer todas as tuas dúvidas no nosso Fórum.