Terminei a minha Licenciatura em Sociologia em 2020. Dois anos depois, em julho deste ano, defendia a minha dissertação de Mestrado em Ciências da Educação e obtinha o meu grau de Mestre. Duas disciplinas que adoro, dois cursos que desenvolveram as minhas capacidades de leitura, de escrita, de interpretação crítica do mundo e de abertura de horizontes de possibilidades. Porém, por outro lado, duas áreas que se confrontam com as configurações reais de desemprego e precariedade no trabalho.
Desde que completei o meu mestrado que procuro emprego nos domínios da Sociologia, da Educação e outros envolventes. Quando temos formação em algum campo académico e o queremos valorizar tentamos investir ao máximo na descoberta de uma profissão com ele relacionada. Trata-se de uma fundamentação da nossa própria identidade, que, de outra forma, sairia fragmentada com a incoerência entre o tempo despendido a estudar num curso e o desinteresse posterior em exercer em alguma das suas possíveis saídas profissionais. Não obstante, os níveis de qualificação, atualmente, nem sempre são diretamente proporcionais à detenção de um emprego e à sua distinção. A escola, conhecida pela sua função de elevador social, encontra-se hoje a braços com as rápidas e múltiplas transformações do mercado de emprego, não consolidando frequentemente as suas potencialidades como instituição de cidadania e de mobilidade social. O mesmo sucede com o ensino superior, designadamente com o universitário, em que o caráter teórico dos conteúdos domina, em larga escala, a prática das competências.
Existem igualmente os fenómenos da necessidade de experiência prévia e da sobrequalificação que contribuem para minar o trabalho de ligação da escola com a empregabilidade. Poucas são as vezes em que, quando estamos a consultar uma oferta de trabalho, não nos deparamos com empregadores que exigem dos seus futuros trabalhadores/colaboradores experiência prévia numa ou em mais funções, amiúde de 2 ou mais anos, e requerem o grau de licenciatura para a ocupação do cargo. Estas exigências tendem a ser irreconciliáveis, na medida em que os estudantes, aquando do seu percurso académico, na sua maioria, não possuem emprego ou laboram em atividades que solicitam poucas qualificações (e.g. “caixas” de supermercado, atendimento ao balcão, call center ou tarefas da restauração), não existindo espaço para o treino das capacidades exigidas por empregos com outras condições mais próximas da área de formação. Em simultâneo, encontramos, numa outra dimensão, estudantes que, por concluírem pós-graduações, mestrados ou doutoramentos, são rejeitados pelas empresas por reunirem “demasiadas” qualificações. Por outras palavras, dispõem de um nível de qualificação superior ao que é requerido para o trabalho em questão. Com esta atitude, é descartada frequentemente a possibilidade de negociação de um salário com um candidato que, na maioria das situações, apenas quer começar a sua jornada laboral e ter acesso a alguma fonte de rendimento para colmatar as carências de vida. Neste sentido, coloco a questão: se os empregadores exigem competências que os estudantes não podem possuir até ao fim dos seus cursos ou lamentam por estes terem, basicamente, estudado demais, onde reside a oportunidade de profissionalização dos estudantes neste paradoxo? E, consequentemente, qual deverá ser o papel da escola e do ensino superior? Formar para o maior número de conhecimentos possíveis, contando que poderá estar a criar indivíduos com aparente excesso de aprendizagens, ou habilitar para demandas específicas do mercado de trabalho, sabendo o risco que correm em originar sujeitos sem as qualificações necessárias para empregos mais bem remunerados?
A cultura organizacional do trabalho relativamente às respostas às candidaturas, em Portugal, é também um outro obstáculo à procura de uma profissão e ao ingresso na mesma. Na melhor das hipóteses dizem-nos, depois de estarmos numa entrevista de emprego, que se formos selecionados seremos contactados. Raramente nos contactam, por gentileza, quando não temos o perfil que a empresa deseja. Os dias de espera para o contacto também são, muitas vezes, referidos com um sentido vago – nos “próximos dias” terá a resposta. Todavia, o pior é mesmo a ausência de feedback quando remetemos uma candidatura para uma oferta. Posso dizer que das dezenas de candidaturas que já fiz apenas cinco ou seis das respetivas organizações acabaram por me responder, menos das quais marcaram uma entrevista comigo. Existe uma postura de pouco respeito perante o candidato, visto apenas como uma peça pouco relevante na dinâmica das relações de trabalho.
Torna-se necessário alterar esta realidade de parcas oportunidades para os estudantes-candidatos. A qualificação não pode ser encarada como um problema, mas antes como um dos melhores resultados da democratização do acesso e, a pouco e pouco, do sucesso ao/no ensino. Se a empresa não pretende pagar uma remuneração muito elevada ao candidato numa primeira fase, pode optar por conversar com ele e acordar um conjunto de tarefas menos exigentes que correspondam a vencimentos menores. Conforme o trabalhador for demonstrando experiência de qualidade, vai auferindo de um maior salário e de funções mais complexas. Esta poderia ser uma opção bastante interessante – e franca – na relação com os candidatos, ao invés da habitual postura de rápida eliminação da candidatura devido à sobrequalificação identificada. Por sua vez, as condições de experiência prévia devem coincidir com o que se sabe das experiências laborais dos estudantes durante o percurso numa licenciatura. É incongruente criar um requisito de conhecimentos prévios em funções que nenhum estudante consegue exercer sem ter um curso superior, precisando, naturalmente, de tempo para o tirar. Finalmente, para solucionar o caso da falta de resposta por parte das organizações bastaria formular um primeiro modelo de e-mail a ser enviado para o candidato aquando da remissão da sua candidatura e um segundo modelo para comunicar a aceitação ou a rejeição da candidatura. Também deveria ser sempre transmitido ao candidato um número máximo de dias que o retorno pode demorar. Estes dois elementos contribuiriam para a humanização da figura do candidato, que poderia organizar a sua procura mediante o que fosse informado por determinada empresa.
Já dizia a poeta Florbela Espanca: “Não quero criar em volta do meu trabalho a mais leve sombra de escravidão. Conheço-me; nunca mais faria nada de jeito”. Se desejamos que a procura de trabalho e o exercício profissional sejam garantes da produtividade e do bem-estar há um paradigma laboral que se torna urgente modificar e adaptar a um perfil de cidadão que se intenta mais global, isto é, holista.
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Este texto faz parte de uma série de textos de opinião de alunos do ensino secundário e superior sobre a sua visão do ensino e da educação.
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