Quando entrei em Fisioterapia, não me passava pela cabeça intervir em casos clínicos na condição de acamamentos. Mas eis que o decorrer do curso nos vai abrindo os horizontes e percebemos que temos realmente muito onde intervir, pois temos competências para tal. E aqui poderá estar incluída uma Unidade de Longa Duração e Manutenção. É disso que hoje vos vou falar, em tom de conversa amigável, mas intensa a nível emocional, sem grandes rodeios, nem argumentos contra ou a favor – apenas a minha opinião.
Com o término do meu primeiro estágio do 4º ano da Licenciatura em Fisioterapia, que mudou radicalmente, de forma inesperada, a minha visão em relação a muitos assuntos, serve o presente texto para ilustrar um pouco daquilo que passei ao longo destes meses aos que estudam ou queiram estudar nestas áreas.
Salientar que é apenas um texto de opinião com base nas aprendizagens, vivências e emoções que experienciei ao longo do estágio. E, dar a conhecer um pouquinho desta realidade a quem esteja interessado, pode fazer a diferença, pois a partilha de experiências pode ser elucidativa, de alguma forma. Foram apenas dois meses, mas foi o suficiente para mudar a visão que tinha antes de chegar. Penso que estudantes de Enfermagem e Medicina têm uma noção muito mais clara do que eu, em relação a este tema, pelas mais diversas razões, mas principalmente por terem muito mais contacto com estes casos do que nós. No entanto, escrevo mais para quem não tem uma ideia tão bem definida ou realista relativamente a este tema.
A minha perspectiva em relação a muitos assuntos, como o sofrimento, a vida e a morte mudou radicalmente após este estágio. O facto de ver e sentir, diariamente, tão próximo de mim esta realidade que é existir todos os dias, à espera que a morte chegue, fez-me perceber na pele que, nem sempre estar vivo é sinónimo de viver. Para simplificar a linguagem e as ideias: eu achava que sabia que o mais correcto e o mais digno era deixar uma pessoa viver, até que o seu coração parasse realmente. Que ninguém tem o direito de tirar a vida a ninguém. E é verdade. Até certo ponto. Mas a partir do momento em que nos revemos no próximo, em que nos imaginamos no lugar de uma pessoa numa condição semelhante, começamos a pensar no que é a dignidade, na verdade. Começamos a pensar que, em dia algum na nossa vida, desejaríamos estar numa condição de saúde idêntica, em que passaríamos os dias e as noites de igual forma. Deitados numa cama. Alimentados através de uma sonda nasogástrica. Sem saber distinguir a luz da escuridão, perdendo a conta aos dias, aos meses e aos anos. Muitas vezes ausentes, sem reacção. Muitas vezes sem visitas de amigos ou familiares. Com um propósito apenas – esperar.
Mas aqui, aprendi que a dignidade de um ser humano é muito mais do que isto. A dignidade, para mim, é ter a possibilidade de escolher entre isto e não sofrer, nem fazer sofrer. Claro que gera muita controvérsia e são temas muito delicados e difíceis de abordar, precisamente por necessitarem de uma subjectividade muito íntima e profunda das pessoas (desculpem eventual pleonasmo). E, da mesma forma que eu, há cerca de dois meses, achava inadmissível aceitar a Eutanásia, há também muita gente com esta opinião (pela qual tenho todo o respeito, como é óbvio, apesar de já não concordar com a mesma, devido às vivências que experienciei), mas que me parece que, ou não sentem na pele o que é realmente viver assim, ou têm mais medo da morte do que do sofrimento prolongado, ou, ainda, desculpem-me a sinceridade fria, nua e crua, aqui e agora, têm dentro de si um pequeno egoísmo disfarçado de pena e saudade antecipada (não me levem a mal o termo «egoísmo», pois não estou a insultar ninguém, nem a apontar o dedo, apenas não encontrei melhor termo e não o estou a utilizar no sentido pejorativo. Também eu já me revi nesse lado «egoísta» e por isso compreendo perfeitamente esse ponto de vista!). O ter de deixar alguém, ter de se despedir de alguém é extremamente doloroso e, fazê-lo antecipadamente, de forma deliberada, pode ser algo inimaginável e impossível de fazer para muitos. Pois o facto de pensar em aceitar fazê-lo pode gerar um sentimento de culpa, o que leva à recusa imediata.
Não somos más pessoas por causa disso. Temos é ainda muito medo do desconhecido, do depois da vida. Sem saber que esse depois, que esse futuro, pode ser o fim do sofrimento que ninguém consegue curar. Que esse depois, que esse futuro, pode ser o mais agradável, o mais digno de alguém, e, quiçá, aquele que desejaríamos também para nós, caso nos encontrássemos nessa situação.
O segredo sempre foi e sempre será a empatia. Calçar os sapatos de quem está à nossa frente e pensar «Seria isto que eu, numa situação semelhante, quereria para mim?».
Espero que compreendam e respeitem a minha recente e singela opinião, assim como compreendo e respeito as vossas, mesmo que não concorde. Afinal, concordar é diferente de respeitar.
Neste estágio, sinto que cresci muito neste aspecto, no sentido em que saio com uma bagagem, quer a nível teórico, quer a nível pessoal, muito maior do que a que tinha quando cheguei. Quebrou em mim muitas barreiras e abriu uma grande panóplia de pontos de vista muito distintos. Fez-me perceber ainda mais intensamente a importância da existência da empatia!
Parto com o sentimento de dever cumprido, mas não deixo de sentir uma certa tristeza, fruto da empatia por quem fica.
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Este texto faz parte de uma série de textos de opinião de alunos do ensino secundário e superior sobre a sua visão do ensino e da educação.
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