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Fake news e media: como os abordar na escola?


Hoje em dia constitui-se como facto consumado a ideia de que a informação é abundante e existe em permanente atualização. Da mesma forma, vão surgindo cada vez mais alertas relativamente ao potencial das fake news na disseminação de realidades paralelas que não representam a veracidade dos acontecimentos. Por isso, face ao mundo tecnológico e em rede em que vivemos, creio que uma reflexão sobre este fenómeno e a importância como é tratado no mundo educativo se revela adequada.

Gostaria de focar, em primeiro lugar, a disciplina de Educação para a Cidadania e Desenvolvimento (ECD). Se consultarmos o programa curricular desta disciplina[1], veremos que as temáticas estão estruturadas em três grandes grupos pelo critério da obrigatoriedade ou da facultatividade das suas lecionações nos ciclos do ensino básico. O tema dos Media, de forma alargada, surge no 2.º Grupo, no qual se indica que os temas aí incluídos devem ser trabalhados em pelo menos dois ciclos do ensino básico. Penso que é uma proposta interessante da Direção-Geral da Educação (DGE), naturalmente apoiada pelo Governo em funções; ainda assim, sou da opinião que o tema dos Media deveria ser trabalhado nos três ciclos de escolaridade, e não apenas em dois à escolha. Isto porque os conteúdos mediáticos não detêm apenas características mais técnicas, sobre o modo como se difundem, ou políticas, acerca da maneira como atingem os sistemas democráticos, mas incluem também, ou pelo menos devem incluir, uma dimensão de comunicação. E a comunicação aprende-se com a linguagem, isto é, com a palavra, com o gesto, com a fala, com a audição e com a leitura. Assim, da mesma forma que nos primeiros anos de ensino são trabalhadas as regras linguísticas, a construção do discurso no seu sentido mais formal e as práticas de leitura e interpretação, torna-se igualmente pertinente que as crianças possam começar a apre(e)nder os conceitos de verdade e de falsidade. Tal pode ser levado a cabo nomeadamente através do contacto daquelas crianças com fontes fidedignas (ex: jornais), no âmbito de jogos e brincadeiras em que, paralelamente às aprendizagens sobre o respeito pelo outro e pela diversidade de expressões, se construam conhecimentos de avaliação crítica das informações.

Obviamente, tratando-se de pessoas humanas muito novas, vários desafios podem ser levantados na abordagem das questões mediáticas numa fase de vida tão precoce. A intenção deste texto é, por isso, conseguir despoletar uma abertura de pensamento destas questões, de forma a perceber se faz sentido falar delas mais cedo e de que maneira. Neste mesmo seguimento, o segundo contexto que gostaria de citar é o da escola, mencionando-a na sua abrangência. Se é positivo que o debate sobre os media ocorra feito numa disciplina como ECD, seria verdadeiramente profícuo que o mesmo se alargasse a outras áreas curriculares. Bem sabemos que as fake news se propagam em todas as dimensões da vida social, desde a política à educativa, desde a que se refere às ciências da saúde à dos negócios empresariais e desde a ambiental à que diz respeito aos projetos de intervenção cidadã. Por isso, creio que numa boa parte das disciplinas, senão em todas, poderia haver um espaço de, por exemplo, uma semana ou semana e meia (correspondente a duas ou três aulas) para que o tema dos media fosse interpelado de forma mais concretizada, com exemplos de falsas notícias ou notícias enganadoras e casos concretos do impacto das mesmas e com estratégias de como as identificar, as encarar e as julgar – alertando para aspetos como o autor, a data e a fonte das notícias, bem como os contextos em que surgem, os eventuais motivos da sua existência e difusão e o que dizem outras fontes e os especialistas sobre o assunto.

Disciplinas como o Inglês ou o Português, que, por inerência da sua definição, abordam com profundidade os processos linguísticos de interpretação e comunicação, são espaços privilegiados para explorar as temáticas dos media, das fake news, das mensagens e das redes. Mas a abordagem não deve cessar por aí, como argumentámos anteriormente. Porque uma fake news na área da biologia ou da química pode corresponder a atrasos ou a perigos nos procedimentos laboratoriais; porque uma fake news na área do desporto pode levar à realização de exercícios menos corretos ou de forma errada para uma pessoa com uma delicada situação física, pondo em risco a sua saúde; porque uma fake news na área da economia e da gestão pode originar instabilidades nos mercados nacionais e internacionais e na área das artes pode provocar julgamentos erróneos em relação a uma dada figura de renome, minando repentinamente a sua carreira e todo o trabalho de uma vida.

É por isso que os media devem ser discutidos num plano mais amplo, que seja transversal a várias disciplinas e até seja capaz de trazer as famílias para o debate. Pois se media significa “meios de comunicação social”, e se a vida em sociedade implica interações e relações diversas e continuadas, temos de incluir a escola e os diferentes agentes nesta construção de uma rede comunicativa mais atenta ao que lhe envolve e pela qual perpassam todo o tipo de fenómenos que merecem um melhor esclarecimento.

[1] Monteiro, Rosa (coord.) (2017). Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania. Lisboa: Direção-Geral da Educação.

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Este texto faz parte de uma série de textos de opinião de alunos do ensino secundário e superior sobre a sua visão do ensino e da educação.

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