Obrigado pela resposta!
Já agora, não sei se me consegues ajudar, mas pergunto à mesma. O que achas da investigação em indústria? É aconselhável, ou relativamente prestigiada como a académica? É que efetivamente estou a criar um gosto enorme pela parte da indústria farmacêutica, e sei que há farmaceuticas cá em Portugal que têm laboratórios de investigação também, e gostava de explorar melhor essa área.
*testamento incoming*
Essa pergunta tem pano para mangas. Vou responder o que sei da minha experiência, e peço desculpa se houver algum erro, é a visão que tenho da indústria em Portugal de momento.
O que é ao certo investigação na indústria farmacêutica e o que existe em Portugal?
É difícil responder a esta questão porque o conceito de investigação na indústria significa muitas coisas para pessoas diferentes. Simplificando o máximo possível, a indústria trabalha na I&D de medicamentos desde a sua conceção até vigilância pós-mercado, e para isso não trabalha em isolamento. Colabora com academia, autoridades e empresas de prestação de todo o tipo de serviços (desde laboratórios a arquivística) ao longo de muitos anos para colocar um medicamento no mercado É um procedimento altamente complexo que envolve processamento de grandes volumes de informação sobre a doença, o desenvolvimento farmacêutico, não clínico e clínico, que continua depois da aprovação.
Em Portugal, não me parece nada que a indústria tenha uma presença forte na componente de investigação laboratorial. Regra geral, as grandes farmacêuticas (Lilly, Roche, Pfizer, etc) têm os seus laboratórios de investigação nas casas mãe e/ou trabalham com universidades/empresas nas fases iniciais de identificação do alvo,
lead design e
lead optimization. Em Portugal, montam principalmente escritórios operacionais para condução de estudos clínicos no país, submissões e interações regulamentares,
market access, vendas, farmacovigilância, etc, porque são essas as funções que lhes interessam no nosso terreno. A outra parte é a da produção e fabrico. Aqui temos laboratórios que trabalham com titulares de AIM, mas o foco não é a investigação de novas moléculas e sim garantir que as que estão em produção são feitas de acordo com as especificações. Existem também empresas de genéricos, onde é necessário algum trabalho de desenvolvimento farmacêutico e clínico a nível de segurança e bioequivalência, mas muito deste trabalho é assegurado em meio clínico.
Claro que tens a Bial que faz investigação
in-house em Portugal e podes encontrar lá algo para ti, mas este tipo de empresas é pouco presente aqui. Assim, diria que a oferta de investigação laboratorial 100% em meio de indústria farmacêutica em Portugal é muito pequena. Importante também referir que para muitas posições de maior responsabilidade no espectro da investigação, um PhD relevante na área pode muito bem ser pedido, juntamente com extensa experiência.
Empregabilidade:
Não é fácil entrar, muitas posições pedem experiência prévia e para quem não tem é o cabo dos trabalhos. Estágios e projetos de campo são uma forma de adquirir essa experiência. Há quem também tenha ou adquira
connects na indústria e consiga entrar assim.
Uma forma de aumentar as hipóteses é estar disponível para o mercado europeu, onde vários países albergam grandes grupos farmacêuticos (Alemanha, França, Suíça). Aumenta o leque de oportunidades, ganhas mais (em termos salariais a indústria compensa mais a longo prazo) e com experiência tornas-te muito mais atrativo para o mercado, sendo mais fácil encontrares posições que te agradem em Portugal, caso queiras voltar.
Estabilidade (comparado com academia):
É difícil entrar na indústria. Depois de entrares, no geral, a vida é mais estável que a academia, e com boas perspetivas de carreira a longo prazo. Mesmo que com uma aquisição ou subcontratação, o teu trabalho se torne redundante, um profissional experiente não costuma ter dificuldades em ter trabalho.
Prestígio:
Dependendo da área de trabalho, podes estar envolvido em publicações científicas. Em fases mais precoces, cientistas da indústria publicam em conjunto com outros laboratórios, normalmente a descrever propriedades do fármaco, PK/PD, mecanismo de ação, atividade/toxicidade iniciais, etc. trabalhando em simulações computacionais ou modelos
in vitro ou
in vivo. Nas fases clínicas, quem tem o nome nos artigos são os investigadores médicos que conduzem os ensaios nos hospitais, o bioestatista, o monitor médico e pouco mais. Os restantes envolvidos são representados pela indústria promotora.
Alerto no entanto que, independentemente da função, cada projeto é uma máquina com muitas rodas dentadas, todas elas essenciais, mas nenhuma se destaca. Um bom profissional é valorizado no seu meio, mas fora dele, ninguém sabe quem és nem o que fazes, e como profissional da indústria, tens um dever de confidencialidade. Não é uma área boa para queira ser um cientista reconhecido no Mundo inteiro, mas sempre ficas com a satisfação que trabalhas em algo que está a ajudar muitas pessoas (apesar de todos criticarem).