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Ora, finalmente um fórum de ciência pura e dura!
Surpreendentemente, consegui ler os longos textos que aqui se encontram (o meu ecrã é muito brilhante e a fonte do fórum é pequena, tal que já me doía a vista).
Enquanto aficionado mega-ultra-híper-apaixonado pela ciência desde a "fase de blastocisto", gostaria de participar nesta discussão! Ainda estou no Ensino Secundário, então os conceitos com que estou artilhado ainda são rudimentares e básicos, no entanto, tento colmatar isso com a pesquisa autónoma.
Nesse sentido, gostaria de colocar uma questão. De entre os tópicos que mais me fascinam na Física - ainda que eu tenha um paladar científico muito diversificado (o que me rói por dentro quando penso em afunilar-me) - são a Mecânica Quântica e a Física Moderna (de Partículas, em específico). Já me procurei informar acerca da pesquisa no CERN e, como não poderia deixar de ser, da descoberta do Bosão de Higgs.
Sem mais rodeios, vou passar à questão. Pelo que entendi da pesquisa desta nova partícula do Modelo Padrão, o Bosão de Higgs é a partícula unitária do Campo de Higgs que se separou das outras interações fundamentais nos primeiros instantes do Big Bang. Dizem que é este campo que permite a existência de massa. Em analogias que encontrei, a ação do campo é comparada à resistência que a água de uma piscina, por exemplo, oferece a quem nela nada submerso. Quer isso dizer que a massa seria, por nova definição física, a resistência que as partículas elementares (que se dizem atualmente indivisíveis) oferecem à passagem no Campo de Higgs? Sendo a definição química da massa, a quantidade (em termos leigos, não se entenda como em termos de moles) de substância que compõe um corpo, com estes novos dados, e assumindo que pergunta anterior tem reposta positiva, seria a massa de um corpo o somatório das resistências (lá dirá a matemática em que medida quantitativa) que as partículas elementares oferecem à passagem no campo?
Esta questão torna-se mais pertinente, pelo menos na minha cabeça, quando me surge que a definição química não contempla o seguinte: pode, de forma totalmente válida, ser a massa de um corpo (por exemplo a minha ou de uma peça de fruta) a soma das massas dos átomos existentes; a massa de um átomo é dada pela massa do núcleo que, por conseguinte, é resultado da massa dos seus protões e neutrões; mas, e aqui é que está o problema, se os protões e neutrões são compostos de quarks e estes são partículas fundamentais (não são decompostos em partículas mais elementares) - porque têm os quarks massa (ou como têm)? Não seria resultado do campo de Higgs?
Desculpem-me se a questão parecer incoerente ou descabida, posso ter entendido mal o verdadeiro conceito, ou pode a fonte ter-me dissuadido.
De qualquer modo, viva a ciência!![]()
Antes de mais nada, devo começar por dizer que espero que a demora na minha resposta não tenha provocado um esmorecimento do teu interesse por estes assuntos! (Se é preciso encontrar um culpado, é exactamente o estudo da Física a que me dedico...)
Comecemos pela definição de massa. Como mencionei acima, uma das consequências da Relatividade Restrita é a equivalência massa-energia, com a expressão: [math]E = \frac{1}{\sqrt{1-\frac{v^2}{c^2}}}m c^2[/math]
(Em particular, no chamado referencial próprio de um corpo, aquele em que ele está em repouso, portanto, [imath]v = 0[/imath], tens a famosíssima expressão [imath]E = m c^2[/imath], mas eu não gosto muito dela precisamente por não contar a verdade toda...)
Ora, entre energia, massa e velocidade, se souberes duas destas propriedades, e visto que [imath]c[/imath] é uma constante fundamental da Natureza, consegues calcular a terceira.
Em Física de Partículas, como o próprio nome indica, vais estudar partículas; embora as suas interacções sejam descritas quanticamente (onde, como as descrições populares da ciência tornam amplamente conhecido, não é possível determinar exactamente a posição e a velocidade de uma partícula), podemos, após essas interacções, atribuir-lhes uma velocidade bem definida; por outro lado, visto que também é possível conhecer a energia envolvida numa colisão de partículas, e visto que há conservação de energia nos processos envolvidos, também sabemos a energia dessas mesmas partículas. Por outras palavras, podemos conhecer a sua massa.
Provavelmente já ouviste falar do Modelo Standard. Sem querer, por agora, entrar em muitos detalhes, este contém dois tipos de partículas, fermiões (que incluem os quarks e electrões) e bosões, e descreve-as e às suas interacções por intermédio de um lagrangiano, uma expressão matemática que, mais uma vez sem entrar em muitos detalhes, nos permite determinar (o equivalente quântico d)as suas equações do movimento, ou seja, a forma como vão interagir umas com as outras.
Quarks e leptões, do conhecimento que já se tinha dos átomos e de outras experiências anteriores de Física de Partículas, tinham de ter massa*, e, como tal, foi incluído no lagrangiano um termo que explicitamente dava origem à massa dos fermiões, com um parâmetro que teria de ser experimentalmente ajustado para bater certo com os valores que se obtêm (correspondendo precisamente a essa massa).
Quanto aos bosões... um deles é o fotão, que, pela Relatividade, decididamente que não tem massa, mas os restantes, nomeadamente o [imath]Z[/imath] e os [imath]W^+[/imath] e [imath]W^-[/imath], têm, conforme várias experiências já tinham provado. Só que, pelas propriedades matemáticas das interacções que estes bosões têm com as restantes partículas, não seria possível incluir um termo explícito para lhes atribuir a massa respectiva, como se fez para os fermiões.
A solução, que resulta de mais umas especificidades matemáticas que, confesso, não serei a melhor pessoa para elaborar, está em incluir uma partícula adicional, o bosão de Higgs, que interage com os restantes bosões massivos de modo a lhes conferir massa, sendo as constantes a determinar experimentalmente, neste caso, a intensidade dessas interacções.
Agora, por uma questão de elegância e simplicidade da teoria, é possível reescrever aquele termo que atribuía a massa explicitamente aos fermiões também como resultado de interacções com o bosão de Higgs, e foi precisamente isso que se fez.
Quanto ao facto de se falar de um "Campo de Higgs" que se espalha pelo Universo, isso advém do facto de a melhor explicação que temos para os fenómenos subatómicos ser a Teoria Quântica de Campos, que basicamente descreve as partículas como excitações de um campo subjacente. Da mesma formo que o bosão de Higgs é uma excitação do campo de Higgs, o fotão é uma excitação do campo electromagnético, e por aí fora.
* - Uma curiosidade que, à primeira vista, seria pouco óbvia, mas que advém da equivalência massa-energia: a maior parte da massa dos protões e neutrões não vem dos quarks propriamente ditos, mas da energia das interacções entre eles (que se descrevem através de gluões, que são um outro tipo de bosões).
Eu não sou propriamente uma autoridade nesta matéria. Por favor, tomem tudo o que disse com as devidas reservas, houve simplificações e imprecisões que cometi numa tentativa de ser o mais claro possível, e provavelmente a minha compreensão, sobretudo dos aspectos mais teóricos da Teoria de Campo, pode estar aquém do necessário para providenciar uma explicação absolutamente correcta.
Estou disponível para corrigir todos e quaisquer erros que se possam encontrar no meu texto.
Estou disponível para corrigir todos e quaisquer erros que se possam encontrar no meu texto.
Espero que te possa ter esclarecido. Qualquer questão, se as tiveres ainda, dispõe!
EDIT Tardio: faltava-me uma raiz quadrada na expressão da equivalência massa-energia e só o detectei agora!
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