Discussões Filosóficas

   
Agora, acho que discordamos é das consequências deste relativismo ontológico (à falta de termo mais apropriado). Obviamente que temos de concordar que as definições para "normalidade" a que chegaremos por observação do mundo que nos rodeia são suficientemente boas para descrever esse mundo que nos rodeia e, para todos os efeitos práticos (no seio desse mundo), são elas que interessam; no entanto, o que eu digo é que, precisamente por esse mundo não ser real, ou poder não ser real, essas definições estão intrinsecamente erradas, ou, no mínimo, jamais poderão estar certas, e que é indesejável atribuirmos-lhes um absolutismo que não possuem.

Eu não concordo com a conclusão de que essas definições estejam necessariamente intrinsecamente erradas, precisamente porque há uma diferença entre não serem absolutas e serem falsas. Consideremos as duas proposições seguintes:
  1. Não existe um universo independente das nossas mentes ou, caso exista, não lhe temos acesso.
  2. A verdade é uma questão de adequação ou correspondência a um universo independente das nossas mentes.
Se acreditares em ambas, então tens razão. O que eu acho é que, se uma pessoa acredita em 1, fará melhor em não acreditar em 2. Talvez não possa alguma vez acreditar numa noção de verdade mais tradicional, mas se quiser dar algum tipo de sentido (porventura mais fraco) aos conceitos de verdadeiro e falso, terá de definir esses conceitos de uma forma que encaixe apropriadamente com a sua visão ontológica. Na minha resposta anterior, só aflorei a questão, mas diria que há (pelo menos) duas hipóteses, alternativas a 2, para quem aceita 1:
  • A verdade é uma questão de adequação ou correspondência às nossas percepções do mundo.
  • A verdade é uma questão de coerência com as nossas percepções do mundo.
A primeira opção é uma versão da teoria da correspondência da verdade que toma como referência não o mundo como ele é, mas o mundo enquanto percepção nossa. A segunda opção é uma alternativa mais radical, que rejeita por completo a teoria da correspondência (já agora, é possível subscrever a teoria da coerência mesmo que se rejeite 1).

Eu acho que é difícil negar que, ainda que não haja universo algum fora das nossas percepções, estas gozam, como disse antes, de um nível de coerência e regularidade que torna possível pôr em cima da mesa conceitos como os de "verdade", "conhecimento", etc. E, por essa razão, quem subscreve essa possibilidade tem o ónus de apresentar uma teoria satisfatória do que significam estes conceitos, sob pena de ser incoerente com a forma como age e pensa todos os dias, que requer que tais conceitos façam sentido.
 
Sem dúvida que, assumindo a existência da realidade (o que, obviamente, é mais ou menos inevitável para desempenharmos um dia-a-dia no seio dessa mesma realidade, por menos real que ele possa ser...), somos perfeitamente capazes de estabelecer o que é normal e o que vai contra essa normalidade, e, por extensão, definir comportamentos "mentalmente sãos" e "loucos" (ou outros rótulos porventura mais adequados, posto que falar em Saúde remete logo para questões médicas que só complicariam o assunto - como, admito, inadvertidamente fiz ao referir as alterações do funcionamento dos cérebros - em minha defesa, estava a tentar mencionar uma versão mais soft do meu anti-realismo para não assustar logo o @PedroJesus17). E a extensão dessas considerações a todos os restantes processos, como o teu assaz pertinente exemplo da queda dos corpos, é mais do que natural.

Agora, acho que discordamos é das consequências deste relativismo ontológico (à falta de termo mais apropriado). Obviamente que temos de concordar que as definições para "normalidade" a que chegaremos por observação do mundo que nos rodeia são suficientemente boas para descrever esse mundo que nos rodeia e, para todos os efeitos práticos (no seio desse mundo), são elas que interessam; no entanto, o que eu digo é que, precisamente por esse mundo não ser real, ou poder não ser real, essas definições estão intrinsecamente erradas, ou, no mínimo, jamais poderão estar certas, e que é indesejável atribuirmos-lhes um absolutismo que não possuem.

Se, com isto, acabo por reduzir a nada qualquer debate filosófico? Se calhar. Se calhar, afinal não gosto de todo de filosofar. 🤪

Se, por outro lado, sou exagerado ao fazer o salto de "esses conceitos jamais podem ser absolutos" para "esses conceitos não existem"? Admito que sim, mas aí é a veia artística, excêntrica, a pulsar, fazendo-me emitir as afirmações o mais estapafúrdias possível e continuar a tentar justificá-las perante todas as críticas e objecções...
Sanidade mental é a ausência da normalidade. Normalidade é relativo aos padrões da sociedade consoante esta evolui. Ou seja, o que é normal agora, não é o que era normal no passado nem será igual ao do futuro. Por exemplo, mulheres que conseguem fazer matemática era considerado bruxedo, no presente, é algo completamente normal.

E agora, imagina um mundo vazio em que o único habitante és tu. O conceito de normalidade seria definido por ti, certo? Tudo o que funciona de forma diferente seria loucura? O ser humano quando nasce é como se fosse uma folha em branca. O que o define é o seu ADN e a sua relação com o ambiente e com as pessoas/animais ao redor. Tirando a segunda da equação, ficando só o ambiente, com varios mundos paralelos e vários ambientes diferentes, ou iguais, mas com folhas brancas "diferentes", ou seja, pessoas com ADN diferentes, cada pessoa teria personalidades, modo de pensar, etc... Diferentes. Se compararmos os conceitos de normalidade de cada uma com a outra, será que é igual, ou diferente? Se cada pessoa funciona de modo diferente, e a loucura é o contrário do que é normal para cada um, logo, ambos têm diferentes conceitos de loucura. Ou seja, a sanidade mental poderá ser algo subjetivo.

Sanidade mental em termos médicos, ocorre quando há anomalias... Na mente, senão não era mental... Certo? Mas e se num certo universo o cérebro daquela exata forma for o "normal"? O normal então, neste caso, não pode ser definido por algo como a mente humana, mas por algo maior... Talvez pelo próprio universo? Sanidade mental é tudo o que não corresponder à normalidade do universo em si. Lógica. Tudo o que não é logico, não é normal, logo, não é são da mente. Os humanos não são seres lógicos, podem ser em algumas coisas, mas noutras já não. Então, toda a humanidade é louca?
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Há semanas atrás, vi uma publicação interessante que dizia algo do género: " Quando finalmente deixarmos de usar máscara, muita gente ainda terá uma..." E eu pensei, ok, good one, é verdade, existem muitas pessoas falsas neste mundo. Mas hoje pensei... Porquê que é algo mau? Sermos falsos não é necessariamente algo negativo, é apenas esconder nos por detrás de uma certa pessoa, um outro eu, digo eu. Cada vez mais com o passar do tempo existe esta necessidade de proteger-nos por detrás de uma máscara, salvaguardar o quê? Os sentimentos? Os nossos pensamentos e ideais? Os nossos segredos menos bons? Uma pessoa falsa é considerada uma pessoa "má" mas e se tornar-se apenas algo normal devido a ser preciso esconder o nosso verdadeiro ser da sociedade e dos seus julgamentos? @Alfa @NemoExNihilo
 
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Vou dá-la, mas peço-te que expandas a tua perspectiva também.

A minha opinião primária é a de que a loucura acaba por ser indistinguível da sua ausência. Não posso ter a certeza de que tudo o que estou a fazer seja real; posso levar grande parte do dia a comunicar com alucinações minhas, posso na verdade estar numa daquelas salas brancas acolchoadas e confortáveis enquanto imagino viver a minha vida, e, visto que não tenho absolutamente nenhuma informação fora desta minha ilusão e toda ela acaba por ser auto-consistente, ela parece-me ser a realidade. Um bom paralelo acabam por ser os sonhos: enquanto sonhas (à parte a alegada experiência dos sonhos lúcidos), tudo o que se passa lá dentro parece fazer sentido, parece ser real, parece ser o que estás a viver, e só quando acordas "sabes" que aquilo não foi real.

A minha opinião secundária é a de que a sanidade mental é, a bem dizer, um conceito inatingível. Dada a complexidade do funcionamento dos cérebros humanos, é mais ou menos inevitável (e, diria mais, acaba por ser desejável...) que todos eles funcionem de forma diferente e, por extensão, que compreendam o mundo de formas diferentes.

Podemos considerar a existência de certos distúrbios no funcionamento fisiológico do cérebro, seja a nível neuroquímico, seja por danos cerebrais, seja por que for, que terão, obviamente, impactos no funcionamento mental dos afectados.

Poderemos considerar que há um conjunto de processos mentais que são mais frequentes do que outros e que, por isso, correspondem como que a um "normal".

No entanto, dada a experiência que temos da "realidade", parece-me que não temos nenhum motivo absoluto para considerar que o que esses processos mentais mais comuns nos devolvem como sendo o mundo correspondem, na verdade, àquilo que existe. Até porque, da minha perspectiva, nada existe...


Enfim, confesso que não foi muito bem explicado nem muito bem elaborado, mas fico à espera do que tenhas para dizer.
Olá, decidi saltar aqui para a esta discussão. Eu discordo do que referiste dos sonhos, existem por exemplo sonhos lúcidos nos quais a pessoa se apercebe que está a sonhar e muitas vezes consegue criar certos objetos, cenários etc. Que não façam sentido, ou pelo menos sejam invocados de forma aleatória (se é aleatório ou não isso não sei). Posto isto, penso que na maioria dos casos, estás correto na tua premissa, aliás de experiência pessoal já tive sonhos que não faziam sentido, e reflectindo um bocado sobre estes, as "peças" começaram a encaixar, o mais engraçado é que me apercebi de certas representações, que à partida seriam sem significado, mas na minha ótica tinham significado, e o modo de perceção destas foi quase "inconsciente", surgiu de uma reflexão medidativa não lógica à priori, mas que teve lógica em todo o cenário enquadrado do sonho.
Quanto a nível da sanidade, bem é uma tema extremamente complexo. Por acaso, penso que o pós-modernismo seja uma linha de pensamento pouco racional e pragmática em questões políticas e epistemológicas mas penso que na questão da sanidade mental tenham alguma razão ou pelo menos críticas bastantes pertinentes a fazer. De grosso modo, o facto da sanidade mental ser definido cientificamente por instituições autoritárias que impõem o que é classificado ou não como doença mental, faz dela uma construção social de certa forma. A meu ver, a psiquiatria é das áreas das ciências mais subdesenvolvidas e em parte isto é pela dificuldade de aplicar o chamado método científico em questões da classificação das doenças mentais, que se pode certamente argumentar quanto à sua objetividade, por exemplo a homossexualidade era considerada uma doença psiquiátrica até 1980 salvo erro, pela instituição americana da psiquiatria (não sei o nome de cor, mas podem conferir isto na internet). Acho que hoje em dia, a maioria das pessoas não considera a homossexualidade uma doença psiquiátrica, e a meu ver é completamente absurdo está classificação.
Portanto, na minha opinião não existe o conceito de sanidade mental essencialmente, pode existir sim como forma de conduta social, mas que infelizmente estará por este motivo subjetivo a organizações com poder e ou governos, e portanto a sanidade mental pode até ser subjetivo a diferentes formas de governo, culturas etc.
Concluindo, acho que existem alguma utilidade em definir socialmente sanidade mental, quanto isto levanta objeções morais, como danos a indivíduos ou danos a animais, mas infelizmente esta definição pode ser corrompida, até devido à subjetividade global do conceito de moral :)
 
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Olá, decidi saltar aqui para a esta discussão. Eu discordo do que referiste dos sonhos, existem por exemplo sonhos lúcidos nos quais a pessoa se aperceber que está a sonhar e muitas vezes consegue criar certos objetos, cenários etc. Que não façam sentido, ou pelo menos sejam invocados de forma aleatória (se é aleatório ou não isso não sei). Posto isto, penso que na maioria dos casos, estás correto na tua premissa, aliás de experiência pessoal já tive sonhos que não faziam sentido, e reflectindo um bocado sobre estes, as "peças" começaram a encaixar, o mais engraçado é que me apercebi de certas representações, que à partida seriam sem significado, mas na minha ótica tinham significado, e o modo de perceção destas foi quase "inconsciente", surgiu de uma reflexão medidativa não lógica à priori, mas que teve lógica em todo o cenário enquadrado do sonho.
Quanto a nível da sanidade, bem é uma tema extremamente complexo. Por acaso, penso que o pós-modernismo seja uma linha de pensamento pouco racional e pragmática em questões políticas e epistemológicas mas penso que na questão da sanidade mental tenham alguma razão ou pelo menos críticas bastantes pertinentes a fazer. De grosso modo, o facto da sanidade mental ser definido cientificamente por instituições autoritárias que impõem o que é classificado ou não como doença mental, faz dela uma construção social de certa forma. A meu ver, a psiquiatria é das áreas das ciências mais subdesenvolvidas e em parte isto é pela dificuldade de aplicar o chamado método científico em questões da classificação das doenças mentais, que se pode certamente argumentar quanto à sua objetividade, por exemplo a homossexualidade era considerada uma doença psiquiátrica até 1980 salvo erro, pela instituição americana da psiquiatria (não sei o nome de cor, mas podem conferir isto na internet). Acho que hoje em dia, a maioria das pessoas não considera a homossexualidade uma doença psiquiátrica, e a meu ver é completamente absurdo está classificação.
Portanto, na minha opinião não existe o conceito de sanidade mental essencialmente, pode existir sim como forma de conduta social, mas que infelizmente estará por este motivo subjetivo a organizações com poder e ou governos, e portanto a sanidade mental pode até ser subjetivo a diferentes formas de governo, culturas etc.
Concluindo, acho que existem alguma utilidade em definir socialmente sanidade mental, quanto isto levanta objeções morais, como danos a indivíduos ou danos a animais, mas infelizmente esta definição pode ser corrompida, até devido à subjetividade global do conceito de moral :)
Basicamente chegaste à mesma conclusão que eu. A sanidade mental é subjetiva.
 
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Acho que sanidade mental é como um rótulo para quando se analisa alguém e se lhe não vê defeitos mentais e se vê virtudes. Em si mesma, é nada; para outrem, é a concordância com o que é esperado. Como analisar uma peça fabricada que não parece ter defeitos e parece corresponder ao planeado e se diz que tem qualidade.

Acho que a loucura não é necessariamente disjunta da sanidade mental. Acho que há momentos de loucura (mais ou menos literalmente) que, praticamente, são necessários à manutenção da saúde mental. Um exemplo é quando se ri. Acho que o riso é como uma fuga louca a tensões mentais que facilmente se tornariam perigosas se não fossem liberadas. Sendo a loucura permanente a mais previsível consequência da falta de riso.

Agora, loucura ... acho que é uma perceção de um estado mental fora de controlo e que leva a que um observador sinta que não está seguro se confiar na pessoa aparentemente louca. Acho que a ideia de loucura é daqueles conceitos +- primitivos que se pode tentar explicitar mas que vêm de instinto. Por exemplo medo da raiva de outrem. Se uma pessoa não controla a sua raiva, instintos, atitudes, ações, ou se não controla a sua capacidade de imaginar e/ou perceber o que é real - comum a si e ao observador - (ex: psicose), então poderá causar inquietação nas outras pessoas, um medo da manifestação de um instinto sem controlo -> medo da loucura.
Ou basicamente falta do exercício de juízo.
 
Pessoal, já agora, já alguém leu textos budistas da tradição theravada ou mahayana? Eu encontro recursos na internet mas é extremamente frustrante l-los assim e estão bastante all Over the place. alguém conhece bons livros compactos e com importantes histórias ensinamentos destas tradições retirados por ex do cânon Pali. Obrigado
 
Eu não concordo com a conclusão de que essas definições estejam necessariamente intrinsecamente erradas, precisamente porque há uma diferença entre não serem absolutas e serem falsas. Consideremos as duas proposições seguintes:
  1. Não existe um universo independente das nossas mentes ou, caso exista, não lhe temos acesso.
  2. A verdade é uma questão de adequação ou correspondência a um universo independente das nossas mentes.
Se acreditares em ambas, então tens razão. O que eu acho é que, se uma pessoa acredita em 1, fará melhor em não acreditar em 2. Talvez não possa alguma vez acreditar numa noção de verdade mais tradicional, mas se quiser dar algum tipo de sentido (porventura mais fraco) aos conceitos de verdadeiro e falso, terá de definir esses conceitos de uma forma que encaixe apropriadamente com a sua visão ontológica. Na minha resposta anterior, só aflorei a questão, mas diria que há (pelo menos) duas hipóteses, alternativas a 2, para quem aceita 1:
  • A verdade é uma questão de adequação ou correspondência às nossas percepções do mundo.
  • A verdade é uma questão de coerência com as nossas percepções do mundo.
A primeira opção é uma versão da teoria da correspondência da verdade que toma como referência não o mundo como ele é, mas o mundo enquanto percepção nossa. A segunda opção é uma alternativa mais radical, que rejeita por completo a teoria da correspondência (já agora, é possível subscrever a teoria da coerência mesmo que se rejeite 1).

Eu acho que é difícil negar que, ainda que não haja universo algum fora das nossas percepções, estas gozam, como disse antes, de um nível de coerência e regularidade que torna possível pôr em cima da mesa conceitos como os de "verdade", "conhecimento", etc. E, por essa razão, quem subscreve essa possibilidade tem o ónus de apresentar uma teoria satisfatória do que significam estes conceitos, sob pena de ser incoerente com a forma como age e pensa todos os dias, que requer que tais conceitos façam sentido.

Quando estava a tentar escrever o meu argumento, apercebi-me de que rapidamente mergulhei num vago paradoxo vagamente delicioso: ia perguntar que razão absoluta teríamos para não aceitar simultaneamente (1) e (2), mas rejeitar (2) também implica, em última análise, que não precisamos de dar razões absolutas para fazer seja o que for, apenas as que sejam mais úteis/relevantes/benéficas para a nossa experiência no seio daquilo que se nos apresenta como "real".

Devo confessar-me, porém, refém de uma tendência porventura irracional e/ou injustificável para o absolutismo, no sentido em que, embora concorde que, numa "realidade" imbuída de suficiente regularidade no seu comportamento, seja possível estabelecer a (a)normalidade dos fenómenos pela frequência com que ocorrem e, por extensão, fazer algo que se aproxime de Ciência (no sentido mais abrangente possível do termo), me parece arrogante apropriarmo-nos do termo "verdade" e "mentira" para descrever a relação entre as observações que fazemos a essa (a)normalidade. À falta de melhor exemplo, creio que o salto de "o céu que eu vejo é azul" a "o céu é azul", neste contexto e sob esta perspectiva em que a realidade não é absoluta, é abusivo.

Claro, não disputo que o céu que eu vejo seja azul e que todas as experiências, directas ou indirectas (como perguntar a outros seres), que faço no seio desta realidade que percepciono concordam nesse facto. E também não posso disputar que, caso tivesse de fazer alguma escolha no seio desta realidade que fosse dependente da cor do céu, a opção que seria racionalmente justificável seria aquela que assumisse que a sua cor era azul. O que eu disputo é que isso me possa permitir dizer que o céu que eu vejo, por um lado, existe e, por outro lado, que ele possui mesmo a propriedade de ser azul. Mas admito que é muito mais curto dizer "é verdade que o céu é azul" em vez de "no seio desta realidade que percepciono, todas as experiências, directas ou indirectas, que desde sempre tenho feito só me permitem concluir que o céu que tenho podido observar é azul"...

Deixando de parte estas questões metafísicas mais sumarentas, e tentando voltar-me a focar no caso da (in)sanidade mental, ou, para ser absolutamente preciso, das formas de (in)sanidade mental que no fundo estamos a debater, que são aquelas capazes de influenciar a percepção da realidade, creio que o caso se agrava mais precisamente por tornarem mais óbvia a fragilidade da concepção que temos de um "mundo real". Da mesma maneira que, argumentando sobre a realidade, acabamos por recair na impossibilidade de fazer qualquer experiência que escape ao conjunto de percepções a que chamamos "mundo real", também se torna pouco menos do que impossível distinguir entre uma coisa alucinada e não alucinada. Não me parece inconcebível, por um lado, que se alucine que todas as pessoas que encontramos negam a existência de determinada coisa, que, no entanto, é tão real para elas quanto para nós, e, por outro lado, que alucinemos não só com uma coisa, mas com todos os outros a confirmarem a sua existência. Embora uma aplicação mínima da Navalha de Occam deite por terra estas efabulações minhas, parece-me que o simples facto de ser concebível que isto ocorra é motivo suficiente para pôr em causa a existência de uma realidade objectiva, daí que tenha afirmado que "a loucura é indistinguível da realidade".

Obviamente que, medicamente falando, os mecanismos das perturbações da saúde mental são mais complexos e as alucinações "não funcionam exactamente assim", e existe todo um outro conjunto de perturbações que não afectam desta forma a percepção da realidade; obviamente, aqui começamos a entrar no âmbito de discussões clínicas e não filosóficas. Ainda assim, quero aproveitar para reforçar a minha afirmação anterior (que apelidei de "opinião secundária") de que, sendo os cérebros humanos como são, se olharmos com suficiente cuidado, seremos todos doentes mentais e, num certo sentido, ainda bem que assim é.

Sanidade mental é a ausência da normalidade. Normalidade é relativo aos padrões da sociedade consoante esta evolui. Ou seja, o que é normal agora, não é o que era normal no passado nem será igual ao do futuro. Por exemplo, mulheres que conseguem fazer matemática era considerado bruxedo, no presente, é algo completamente normal.

E agora, imagina um mundo vazio em que o único habitante és tu. O conceito de normalidade seria definido por ti, certo? Tudo o que funciona de forma diferente seria loucura? O ser humano quando nasce é como se fosse uma folha em branca. O que o define é o seu ADN e a sua relação com o ambiente e com as pessoas/animais ao redor. Tirando a segunda da equação, ficando só o ambiente, com varios mundos paralelos e vários ambientes diferentes, ou iguais, mas com folhas brancas "diferentes", ou seja, pessoas com ADN diferentes, cada pessoa teria personalidades, modo de pensar, etc... Diferentes. Se compararmos os conceitos de normalidade de cada uma com a outra, será que é igual, ou diferente? Se cada pessoa funciona de modo diferente, e a loucura é o contrário do que é normal para cada um, logo, ambos têm diferentes conceitos de loucura. Ou seja, a sanidade mental poderá ser algo subjetivo.

Sanidade mental em termos médicos, ocorre quando há anomalias... Na mente, senão não era mental... Certo? Mas e se num certo universo o cérebro daquela exata forma for o "normal"? O normal então, neste caso, não pode ser definido por algo como a mente humana, mas por algo maior... Talvez pelo próprio universo? Sanidade mental é tudo o que não corresponder à normalidade do universo em si. Lógica. Tudo o que não é logico, não é normal, logo, não é são da mente. Os humanos não são seres lógicos, podem ser em algumas coisas, mas noutras já não. Então, toda a humanidade é louca?

Queria, em primeiro lugar, pegar no teu argumento de "um mundo vazio em que sou o único habitante" para te perguntar se, nesse caso, achas que fará mesmo sentido invocar o ADN, o desenvolvimento do cérebro como tal e por aí fora, uma vez que tudo isso advém de todo um conjunto de processos físico-químicos que dependem da existência de muitas mais coisas para além de mim. Acaba por ser o velho pequeno grande problema do materialismo, isto é, se a consciência advém simplesmente das estruturas cerebrais ou se tem alguma propriedade que, de algum modo, as transcende.

Depois, parece-me pouco sustentável sujeitarmos o conceito de "sanidade mental" exclusivamente à lógica; afinal, num certo sentido, poderíamos encontrar argumentos lógicos para sustentar que cada uma das nossas existências apenas traz mais prejuízos do que benefícios ao Universo no seu todo (o mais premente: o aumento de entropia associado aos processos metabólicos), mas suponho que o consenso geral seja de que esta perspectiva não é lá muito recomendável do ponto de vista da sanidade mental.

Olá, decidi saltar aqui para a esta discussão. Eu discordo do que referiste dos sonhos, existem por exemplo sonhos lúcidos nos quais a pessoa se apercebe que está a sonhar e muitas vezes consegue criar certos objetos, cenários etc. Que não façam sentido, ou pelo menos sejam invocados de forma aleatória (se é aleatório ou não isso não sei). Posto isto, penso que na maioria dos casos, estás correto na tua premissa, aliás de experiência pessoal já tive sonhos que não faziam sentido, e reflectindo um bocado sobre estes, as "peças" começaram a encaixar, o mais engraçado é que me apercebi de certas representações, que à partida seriam sem significado, mas na minha ótica tinham significado, e o modo de perceção destas foi quase "inconsciente", surgiu de uma reflexão medidativa não lógica à priori, mas que teve lógica em todo o cenário enquadrado do sonho.
Quanto a nível da sanidade, bem é uma tema extremamente complexo. Por acaso, penso que o pós-modernismo seja uma linha de pensamento pouco racional e pragmática em questões políticas e epistemológicas mas penso que na questão da sanidade mental tenham alguma razão ou pelo menos críticas bastantes pertinentes a fazer. De grosso modo, o facto da sanidade mental ser definido cientificamente por instituições autoritárias que impõem o que é classificado ou não como doença mental, faz dela uma construção social de certa forma. A meu ver, a psiquiatria é das áreas das ciências mais subdesenvolvidas e em parte isto é pela dificuldade de aplicar o chamado método científico em questões da classificação das doenças mentais, que se pode certamente argumentar quanto à sua objetividade, por exemplo a homossexualidade era considerada uma doença psiquiátrica até 1980 salvo erro, pela instituição americana da psiquiatria (não sei o nome de cor, mas podem conferir isto na internet). Acho que hoje em dia, a maioria das pessoas não considera a homossexualidade uma doença psiquiátrica, e a meu ver é completamente absurdo está classificação.
Portanto, na minha opinião não existe o conceito de sanidade mental essencialmente, pode existir sim como forma de conduta social, mas que infelizmente estará por este motivo subjetivo a organizações com poder e ou governos, e portanto a sanidade mental pode até ser subjetivo a diferentes formas de governo, culturas etc.
Concluindo, acho que existem alguma utilidade em definir socialmente sanidade mental, quanto isto levanta objeções morais, como danos a indivíduos ou danos a animais, mas infelizmente esta definição pode ser corrompida, até devido à subjetividade global do conceito de moral :)

Obrigado pela contribuição!

É relevante essa menção à utilidade da definição da sanidade mental, porque há todo um outro aspecto bastante relevante nesta discussão a que aludes, e bem: o que nos permite dizer que certo indivíduo é verdadeiramente responsável pelas suas acções? Ou, inversamente, em que circunstâncias será (sob o ponto de vista legal ou moral, que, obviamente, não serão bem os mesmos...) aceitável dizer-se que as acções que certo indivíduo tomou não lhe devem ser imputadas? Derivamos, no fundo, para a questão da agência moral, mas obviamente que tem muitas ligações à sanidade mental no sentido em que é comummente aceite que a ausência desta última pode resultar na ausência da primeira.

Há semanas atrás, vi uma publicação interessante que dizia algo do género: " Quando finalmente deixarmos de usar máscara, muita gente ainda terá uma..." E eu pensei, ok, good one, é verdade, existem muitas pessoas falsas neste mundo. Mas hoje pensei... Porquê que é algo mau? Sermos falsos não é necessariamente algo negativo, é apenas esconder nos por detrás de uma certa pessoa, um outro eu, digo eu. Cada vez mais com o passar do tempo existe esta necessidade de proteger-nos por detrás de uma máscara, salvaguardar o quê? Os sentimentos? Os nossos pensamentos e ideais? Os nossos segredos menos bons? Uma pessoa falsa é considerada uma pessoa "má" mas e se tornar-se apenas algo normal devido a ser preciso esconder o nosso verdadeiro ser da sociedade e dos seus julgamentos? @Alfa @NemoExNihilo

Falando-se de falsidade no sentido de dissimulação, engano ou mentira, e não no sentido absoluto de "afirmação de inverdades", queria apenas perguntar: que instante da existência de qualquer pessoa não envolve qualquer espécie de falsidade? Seria possível existir qualquer estrutura social sem essa dissimulação? E, mais, será desejável dizer-se a verdade independentemente das circunstâncias?
 
rejeitar (2) também implica, em última análise, que não precisamos de dar razões absolutas para fazer seja o que for, apenas as que sejam mais úteis/relevantes/benéficas para a nossa experiência no seio daquilo que se nos apresenta como "real".

Não necessariamente. Rejeitar (2) implica apenas que a verdade não é uma questão de correspondência com alguma "realidade", seja ela objectiva ou subjectiva. Existem alternativas à concepção da verdade como correspondência e algumas dessas alternativas são perfeitamente objectivas. Mesmo quem aceite a existência de uma realidade objectiva pode ter problemas com a noção de verdade como correspondência a essa realidade e preferir concepções alternativas, mas objectivas, da noção de verdade.

Mas admito que é muito mais curto dizer "é verdade que o céu é azul" em vez de "no seio desta realidade que percepciono, todas as experiências, directas ou indirectas, que desde sempre tenho feito só me permitem concluir que o céu que tenho podido observar é azul"...

Eu diria que é mais do que uma questão de economia linguística. Se não houver uma realidade objectiva, então não faz sentido falar em conceitos que se refiram a essa realidade (se houver uma realidade objectiva, mas inacessível aos seres humanos, então tais conceitos podem fazer sentido, mas não é um sentido que consigamos apreender). Se for este o caso, então, sempre que alguém usou o conceito de verdade ou falsidade, essa pessoa só poderia estar a referir-se a conceitos referentes à sua realidade subjectiva. Assim, o único conceito de verdade que pode fazer sentido (e o único do qual podemos falar e temos falado) é um conceito que faça sentido dentro dessa realidade subjectiva. Por isso é que disse que quem aceita (1) só pode rejeitar (2) ou então rejeitar que o conceito de verdade faça sentido de todo (e esta última hipótese parece-me pouco defensável porque o conceito de verdade tem pelo menos um valor prático que orienta indispensavelmente as nossas vidas).

Em suma, aceitando (1), "é verdade que o céu é azul" é mais que uma abreviatura conveniente para "no seio desta realidade que percepciono, todas as experiências, directas ou indirectas, que desde sempre tenho feito só me permitem concluir que o céu que tenho podido observar é azul"; aceitando (1), a segunda expressão é o significado plausível da primeira.
 
Não necessariamente. Rejeitar (2) implica apenas que a verdade não é uma questão de correspondência com alguma "realidade", seja ela objectiva ou subjectiva. Existem alternativas à concepção da verdade como correspondência e algumas dessas alternativas são perfeitamente objectivas. Mesmo quem aceite a existência de uma realidade objectiva pode ter problemas com a noção de verdade como correspondência a essa realidade e preferir concepções alternativas, mas objectivas, da noção de verdade.

Estava a tentar desenvolver o meu questionamento a este teu ponto:

O que eu acho é que, se uma pessoa acredita em 1, fará melhor em não acreditar em 2.

Estava a dizer algo no sentido em que não via uma razão absoluta para não podermos aceitar ambas, mesmo que isso nos impeça de obter uma definição útil para a verdade.

Agora, na sequência disso, apercebi-me de que havia precisamente uma certa circularidade no meu argumento: só faz sentido procurar razões absolutas para fazer seja o que for se aceitarmos (2), visto que a sua rejeição me parece implicar que seremos incapazes de determinar seja que coisa for absolutamente. Era apenas isso que queria dizer.

Não pretendi, com os termos "úteis/relevantes/benéficas", aludir à subjectividade das razões, e, por extensão, do conceito de verdade, com a devida excepção daquela que poderá advir da subjectividade da realidade em si; apenas pretendi reforçar o facto de, a partir do momento em que deixamos de subordinar a verdade, e, por extensão, os restantes conceitos, a algo que seja absoluto, todas as coisas que fizermos serão "as que funcionem melhor" (para uma definição debatível e filosoficamente interessante de "melhor") face à realidade que enfrentamos.

Eu diria que é mais do que uma questão de economia linguística. Se não houver uma realidade objectiva, então não faz sentido falar em conceitos que se refiram a essa realidade (se houver uma realidade objectiva, mas inacessível aos seres humanos, então tais conceitos podem fazer sentido, mas não é um sentido que consigamos apreender). Se for este o caso, então, sempre que alguém usou o conceito de verdade ou falsidade, essa pessoa só poderia estar a referir-se a conceitos referentes à sua realidade subjectiva. Assim, o único conceito de verdade que pode fazer sentido (e o único do qual podemos falar e temos falado) é um conceito que faça sentido dentro dessa realidade subjectiva. Por isso é que disse que quem aceita (1) só pode rejeitar (2) ou então rejeitar que o conceito de verdade faça sentido de todo (e esta última hipótese parece-me pouco defensável porque o conceito de verdade tem pelo menos um valor prático que orienta indispensavelmente as nossas vidas).

Em suma, aceitando (1), "é verdade que o céu é azul" é mais que uma abreviatura conveniente para "no seio desta realidade que percepciono, todas as experiências, directas ou indirectas, que desde sempre tenho feito só me permitem concluir que o céu que tenho podido observar é azul"; aceitando (1), a segunda expressão é o significado plausível da primeira.

Não me parece lícito assumir que a ausência de uma realidade objectiva exclua automaticamente a possibilidade de existirem conceitos absolutos; é certo que, para uma discussão no seio de uma realidade (subjectiva) acerca de coisas pertencentes a ela, só fará sentido usar-se conceitos que sejam definidos em função dessa mesma realidade, mas parece-me relevante manter sempre bem presente que esses conceitos que estamos a usar são relativos e não absolutos (tanto quanto seja cómodo numa discussão, claro, daí que admita a possibilidade de se cometerem imprecisões por, para me socorrer da expressão que me faltou e que tão bem me recordaste, economia linguística).

Não creio que recaia propriamente na situação (que descreves de pouco defensável) de dizer que o conceito de verdade não faz sentido, o que apenas digo é que nada do que possamos dizer acerca desta realidade poderá ser verdadeiro a menos que venha (implicitamente) prefixado dos disclaimers de que tudo o que estamos a dizer é apenas aplicável no seio dessa mesma realidade e decorre unicamente de observações feitas nela.

Por outro lado, visto que, por definição, não temos acesso a nada que esteja para lá da realidade que experienciamos, sou forçado a concluir que se torna impossível definir esses conceitos absolutos cuja existência estou inclinado a defender, em particular o de verdade; se isso é equivalente ou não a rejeitar que esses conceitos fazem sentido... deixo ao critério do leitor.

Só um comentário adicional: com base em tudo o que antes se disse, parece-me pouco apropriado dizer que o conceito de verdade tem um valor prático que oriente as nossas vidas; de uma forma ou de outra, seja a realidade objectiva ou subjectiva, o que orienta as nossas vidas é a adequação de certas afirmações ao que nela podemos observar. Podemos e devemos (e estamos a) debater até que ponto o conceito de verdade pode ou não conter em si, ou corresponder a, essa adequação das afirmações à observação, mas conseguiremos orientar-nos unicamente com base neste segundo critério, que, para os propósitos de uma discussão mais ou menos imparcial, temos de admitir que pode ser distinto da verdade.


EDIT: Às vezes tenho a mania de deixar frases incompletas.
 
Queria, em primeiro lugar, pegar no teu argumento de "um mundo vazio em que sou o único habitante" para te perguntar se, nesse caso, achas que fará mesmo sentido invocar o ADN, o desenvolvimento do cérebro como tal e por aí fora, uma vez que tudo isso advém de todo um conjunto de processos físico-químicos que dependem da existência de muitas mais coisas para além de mim. Acaba por ser o velho pequeno grande problema do materialismo, isto é, se a consciência advém simplesmente das estruturas cerebrais ou se tem alguma propriedade que, de algum modo, as transcende.
Nop, era só para tornar claro que as pessoas eram totalmente diferentes uma da outra. Logo, sendo o ambiente igual no mundo de cada pessoa, obrigatoriamente, não seriam IGUAIS uma à outra, presumindo que todas as suas experiencias de vida e isso tudo que causa impacto na personalidade, etc etc, de uma pessoa, sejam iguais. Caso isso acontecesse, as pessoas seriam diferentes... ou então parecidas mas no entanto não iguais. Era nesse aspeto que disse.
que instante da existência de qualquer pessoa não envolve qualquer espécie de falsidade?
Nenhum.
Seria possível existir qualquer estrutura social sem essa dissimulação?
Não. Apenas apelei que o facto de ter pessoas que o fazem de forma a notar-se mesmo do que estão a fazer, são rotuladas como "más". O que não faz sentido.
E, mais, será desejável dizer-se a verdade independentemente das circunstâncias?
Talvez sim. Uma espécie racional que seja unicamente lógica, acho que seria vantajoso dizer apenas a verdade todo o sempre mas acho que isso já o fariam.
 
Nop, era só para tornar claro que as pessoas eram totalmente diferentes uma da outra. Logo, sendo o ambiente igual no mundo de cada pessoa, obrigatoriamente, não seriam IGUAIS uma à outra, presumindo que todas as suas experiencias de vida e isso tudo que causa impacto na personalidade, etc etc, de uma pessoa, sejam iguais. Caso isso acontecesse, as pessoas seriam diferentes... ou então parecidas mas no entanto não iguais. Era nesse aspeto que disse.

Desculpa lá, mas talvez precises de tomar algum tempo para pensar um pouco e a reconstruir o teu argumento, porque esta clarificação me pareceu ir, no fundo, um bocadinho contra o que explicaste antes.

Nesta tua experiência de pensamento, suponho que haja, grosso modo, quatro conjuntos de casos:
  1. Mesma pessoa, ambientes diferentes
  2. Mesmo ambiente, pessoas diferentes
  3. Mesma pessoa, mesmo ambiente
  4. Pessoas diferentes, ambientes diferentes
Que conclusões queres tirar de cada um deles?

Não. Apenas apelei que o facto de ter pessoas que o fazem de forma a notar-se mesmo do que estão a fazer, são rotuladas como "más". O que não faz sentido.

O que é mais notório, diria, e o que é comummente visto como negativo (e com razão) é o engano em proveito próprio. E, diga-se de passagem, sendo o ser humano como é, também é esta uma das formas mais comuns de engano.

Talvez sim. Uma espécie racional que seja unicamente lógica, acho que seria vantajoso dizer apenas a verdade todo o sempre mas acho que isso já o fariam.

À parte certos estereótipos da ficção científica ( 🖖 ), sinto-me obrigado a perguntar-te se achas mesmo, em primeiro lugar, que poderia existir uma espécie racional que seja unicamente lógica, em segundo lugar, que essa espécie racional que seja unicamente lógica estaria interessada em garantir a sua sobrevivência, e, em terceiro lugar, se não continuam a existir circunstâncias em que a dissimulação é a opção mais racional.

Obviamente que concordamos que uma decisão é mais bem tomada quando se está na posse de todas as informações (verdadeiras), mas certos factos que não sejam relevantes para essa decisão não necessitam de ser relatados, ou não necessitam de ser relatados veridicamente.

Por exemplo (acho que vou adaptar isto para uma história...), Laporo Gilamat, o líder de uma expedição científica ao planeta YZH-4438c, está em video-conferência com Aparut Filofil, Sub-Supervisor da Exploração Espacial, para receber as mais recentes informações acerca das trajectórias dos asteróides que se prevêem estar em rota de colisão com YZH-4438c. Aparut sabe que houve uma ejecção de massa coronal na estrela que o planeta natal de Laporo orbita, que resultou na morte de alguns membros da população, incluindo alguns com quem Laporo tinha estabelecido laços de afectividade durante o seu período de crescimento. Fará sentido, quando, no início da vídeo-conferência, Laporo pergunta por notícias dos restantes planetas, que Aparut lhe diga a verdade, ou lhe responda simplesmente que não há novidades relevantes (o que, se quiseres, é tecnicamente verdade, mas não deixa de ser uma dissimulação)?
 
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Fará sentido, quando, no início da vídeo-conferência, Laporo pergunta por notícias dos restantes planetas, que Aparut lhe diga a verdade, ou lhe responda simplesmente que não há novidades relevantes (o que, se quiseres, é tecnicamente verdade, mas não deixa de ser uma dissimulação)?
Duvido que peçam novidades de "x" quando estão a tratar de um problema com asteroides. 🤔
 
Duvido que peçam novidades de "x" quando estão a tratar de um problema com asteroides. 🤔

Estamos logicamente a falar de um nível tecnológico em que os asteróides poderiam ser detectados com dias ou semanas de avanço. 😒
 
Estamos logicamente a falar de um nível tecnológico em que os asteróides poderiam ser detectados com dias ou semanas de avanço. 😒
Depende... se forem unicamente lógicos, então, podemos presumir que não são sentimentalistas, logo, acho que não havia problema.
 
Depende... se forem unicamente lógicos, então, podemos presumir que não são sentimentalistas, logo, acho que não havia problema.

Eu não diria que a lógica e o sentimento sejam opostos. É um estereótipo comum considerar que o raciocínio lógico e a acção segundo princípios inteiramente racionais é incompatível com a presença ou a influência de sentimentos e, vice-versa, que os sentimentos são sempre ilógicos ou irracionais. Não acho que isto seja assim.

Estou só a intervir nesta discussão porque me pareceu haver aqui alguma confusão de conceitos.
  • Uma coisa é ser lógico no sentido de ser capaz de chegar a conclusões verdadeiras com base em informação verdadeira, recorrendo a raciocínios válidos (ou, mais geralmente, "bons raciocínios" em algum sentido).
  • Outra coisa diferente é ser racional no sentido de agir segundo os melhores interesses próprios, o que pode envolver, em alguns casos, mentir ou transmitir informação falsa, ainda que se saiba perfeitamente que é falsa (em virtude de competências lógicas).
  • Uma terceira coisa, diferente das anteriores, é ser ou não desejável (ou bom, ou permissível) dizer falsidades, no sentido moral, isto é, da avaliação de como devemos agir eticamente.
  • Uma outra coisa ainda é a influência dos sentimentos nas acções, que é uma dimensão completamente diferente das três anteriores. Pode ser tida em conta na acção racional ou na acção moral, mas é um parâmetro que não tem necessariamente a ver com os anteriores.
A menos que se faça um esforço por esclarecer o que querem dizer os conceitos que usamos, uma discussão destas vai provavelmente desaguar numa mixórdia de termos ambíguos, usados em sentidos contraditórios e impossíveis de servirem de matéria prima para argumentos minimamente pertinentes. Neste aspecto, se calhar já vim tarde demais. 😅
 
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Depende... se forem unicamente lógicos, então, podemos presumir que não são sentimentalistas, logo, acho que não havia problema.

Estas minhas questões permanecem por responder:

achas mesmo, em primeiro lugar, que poderia existir uma espécie racional que seja unicamente lógica, em segundo lugar, que essa espécie racional que seja unicamente lógica estaria interessada em garantir a sua sobrevivência, e, em terceiro lugar, se não continuam a existir circunstâncias em que a dissimulação é a opção mais racional.

Eu não diria que a lógica e o sentimento sejam opostos. É um estereótipo comum considerar que o raciocínio lógico e a acção segundo princípios inteiramente racionais é incompatível com a presença ou a influência de sentimentos e, vice-versa, que os sentimentos são sempre ilógicos ou irracionais. Não acho que isto seja assim.

Estou só a intervir nesta discussão porque me pareceu haver aqui alguma confusão de conceitos.
  • Uma coisa é ser lógico no sentido de ser capaz de chegar a conclusões verdadeiras com base em informação verdadeira, recorrendo a raciocínios válidos (ou, mais geralmente, "bons raciocínios" em algum sentido).
  • Outra coisa diferente é ser racional no sentido de agir segundo os melhores interesses próprios, o que pode envolver, em alguns casos, mentir ou transmitir informação falsa, ainda que se saiba perfeitamente que é falsa (em virtude de competências lógicas).
  • Uma terceira coisa, diferente das anteriores, é ser ou não desejável (ou bom, ou permissível) dizer falsidades, no sentido moral, isto é, da avaliação de como devemos agir eticamente.
  • Uma outra coisa ainda é a influência dos sentimentos nas acções, que é uma dimensão completamente diferente das três anteriores. Pode ser tida em conta na acção racional ou na acção moral, mas é um parâmetro que não tem necessariamente a ver com os anteriores.
A menos que se faça um esforço por esclarecer o que querem dizer os conceitos que usamos, uma discussão destas vai provavelmente desaguar numa mixórdia de termos ambíguos, usados em sentidos contraditórios e impossíveis de servirem de matéria prima para argumentos minimamente pertinentes. Neste aspecto, se calhar já vim tarde demais. 😅

Obrigado pela intervenção pertinente, que vai de encontro também àquilo que penso. Aliás, suponho que tu, enquanto matemático, o saibas ainda melhor do que eu, mas parece-me que as conclusões mais lógicas e formais que se poderão tirar partem muitas vezes de inspirações momentâneas, da criatividade, que é um processo que (nessa visão do mundo que pretende opor a racionalidade aos sentimentos) tende a pertencer mais à esfera irracional, subjectiva, das emoções ou dos sentimentos.

Em todo o caso, creio que (pese embora a ambiguidade) o @PedroJesus17 estava a falar de seres perfeitamente lógicos no sentido de vulcanos, isto é, desprovidos de emoções, e não de seres perfeitamente lógicos no sentido de seres perfeitamente capazes de seguir raciocínios válidos (visto que, de uma maneira geral, poderemos aproximadamente incluir os humanos nesta última opção e ele anteriormente excluiu-os).

Claro, declaro-me culpado do crime de ter entendido o que ele queria dizer, adoptado a mesma linguagem e não ter pedido logo melhor clarificação. 😉
 
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Aliás, suponho que tu, enquanto matemático, o saibas ainda melhor do que eu, mas parece-me que as conclusões mais lógicas e formais que se poderão tirar partem muitas vezes de inspirações momentâneas, da criatividade, que é um processo que (nessa visão do mundo que pretende opor a racionalidade aos sentimentos) tende a pertencer mais à esfera irracional, subjectiva, das emoções ou dos sentimentos.

Isso acontece porque uma conclusão, em si mesma, não é lógica ou ilógica. Estes termos referem-se a um processo de descoberta (mais raramente) ou justificação (mais frequentemente) de uma conclusão. Se esta tiver sido obtida a partir de um processo criativo ou, como sugeres, de uma inspiração momentânea que acaba por não ser exactamente um processo, pode ainda assim ser justificada por meios lógicos e considerada verdadeira. E, claro, todo este processo de obtenção de conclusões por meios criativos pode ser considerado, ainda assim, racional na medida em que esta pode ser, em alguns casos, a melhor forma de chegar a conclusões verdadeiras e valiosas.

Pensar em termos de binómios sentimento/razão, lógica/criatividade e semelhantes é muito redutor. Era essencialmente esta a minha mensagem.
 
Isso acontece porque uma conclusão, em si mesma, não é lógica ou ilógica. Estes termos referem-se a um processo de descoberta (mais raramente) ou justificação (mais frequentemente) de uma conclusão. Se esta tiver sido obtida a partir de um processo criativo ou, como sugeres, de uma inspiração momentânea que acaba por não ser exactamente um processo, pode ainda assim ser justificada por meios lógicos e considerada verdadeira. E, claro, todo este processo de obtenção de conclusões por meios criativos pode ser considerado, ainda assim, racional na medida em que esta pode ser, em alguns casos, a melhor forma de chegar a conclusões verdadeiras e valiosas.

Partindo de um exemplo mais simplista (e pegando em dores que eu próprio sofro por várias vezes), estava mais a pensar, por exemplo, no caso em que tens um integral daqueles um bocadinho mais complicados para resolver. Todos os passos que podes dar serão lógicos e racionais (porque assim é a Matemática), mas, para conseguires efectivamente calcular o integral, possivelmente terás de recorrer a algum daqueles simpáticos truques que não lembram nem a ninguém, e muito menos a Ninguém. No entanto, isso não implica que o processo em momento algum tenha deixado de ser unicamente lógico, formal ou racional, a menos que sejas como eu e cometas erros que não são nem lógicos, nem formais, nem racionais.

O uso do termo "conclusão", admito, foi infeliz, ao remeter logo para a resposta final e não para o processo de a obter.
 
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Em todo o caso, creio que (pese embora a ambiguidade) o @PedroJesus17 estava a falar de seres perfeitamente lógicos no sentido de vulcanos, isto é, desprovidos de emoções, e não de seres perfeitamente lógicos no sentido de seres perfeitamente capazes de seguir raciocínios válidos (visto que, de uma maneira geral, poderemos aproximadamente incluir os humanos nesta última opção e ele anteriormente excluiu-os).
Exato.
No entanto, nós passamos de sanidade mental a seres lógicos, não é um tema que me interesse muito debater 😂 Apesar de não ser lá muito fã do outro tema... apesar de ter dado a oportunidade para começar essa discussão 😂😂😂
Podemos falar sobre outro tema? 🥺
 
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