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pequena mensagem ☺
Bom Senso e Bom Gosto (uma óbvia referência) – Sobre o Exame Nacional de Português
No passado dia 6 de Julho, foram vários os alunos que saíram das suas casas para realizar a prova 639 – Português. Por mais discutível que um exame possa ser, seja pelo formato, seja pela pedagogia que está associada a este modelo, parece-me que todos os anos surge algum artigo a criticar a dita prova, provavelmente no rescaldo do momento e com pouca avaliação criteriosa sobre o assunto.
A avaliação do mesmo está logo toldada pelo facto da autora ter feito o mesmo exame e de não ter saído do mesmo satisfeita.
Parece-me claro que quanto mais próximos estamos da dita prova, no caso de correr mal, mais próximos estamos de reclamar sobre ela. Que não me levem a mal – não sou contra a liberdade de expressão, mas peço-vos que me poupem a avaliações feitas poucas horas depois de sair de um exame. Não preciso falar-vos na minha idade, no curso que frequento ou coisa que o valha – não sou nem quero ser uma autoridade a falar-vos. Como muito bem diz a autora,
quero ser sucinta e falar de bom senso.
- Será bom senso começar por dizer que o exame sempre lhe pareceu “despropositado”, pelo simples facto de gostar mais de uns autores do que de outros? É bom senso que o programa seja uma selecção do que gostamos e do que nos fascina e o que não gostarmos é simplesmente retirado? Não queria ser eu a estragar-vos a festa, mas se acham que vão gostar de tudo o que estudam, mesmo que sejam coisas do vosso gosto pessoal – más notícias…. Avaliar o programa de uma disciplina pelo nosso gosto pessoal é dúbio.
- Será bom senso questionar os excertos colocados, quando nunca existiu uma obrigatoriedade em colocar textos integralmente conhecidos pelos alunos? O que dirão os pobres que fizeram o exame com um poema que provavelmente nunca leram da Sophia de Mello Breyner…?
- No seguimento disto, qual é o propósito de questionar os excertos, sendo que eram de duas obras opcionais, ou seja, os alunos que foram a exame terão dado e conhecido uma das obras? A verdade é que não tinham de conhecer as duas, o exame não era sobre as duas obras do Eça de Queirós – era sobre dois excertos colocados para os alunos interpretarem de acordo com temáticas que deram nas aulas de Português e que são transversais ao autor.
- Será bom senso questionar a opção de formato do Grupo III diferente do habitual? Em momento algum na matriz de exame há qualquer referência sobre a tipologia de texto. Nas Aprendizagens Essenciais, que orientam actualmente a concepção destas provas, são vários os tipos de texto que um aluno, ao terminar a disciplina, deverá conseguir conceber. Isto inclui, claro, a apreciação crítica. O enunciado explicava o que pretendia com esta mesma apreciação. Dava orientações sobre o que o texto deveria incluir. Cabe ao aluno interpretar essas orientações e formular o texto, que consistiu na análise de um cartoon (exercício que se encontra em diversos manuais de Português, curiosamente). Portanto, será bom senso criticar uma prova desconhecendo o programa da disciplina?
- Um pequeno aparte: o texto de opinião não é o único tipo de texto que vos será útil produzir nas vossas licenciaturas nas áreas da comunicação, artes, literatura, humanidades ou ciências sociais. Por coincidência, até estudo numa dessas áreas e confirmo também com experiência de colegas de outros cursos que a recensão crítica de uma obra é um trabalho algo comum. Portanto, a apreciação crítica é um exercício perfeitamente plausível e é tão legítimo como qualquer outro.
- Será bom senso questionar a legitimidade de um conjunto de perguntas apenas pelo facto de serem diferentes do que a autora esperava? Em 2018, os alunos também não esperavam uma parte C, por exemplo (aliás, nesse ano, nem foram facultadas orientações sobre o número de questões ou as cotações, sendo uma completa incógnita). O exame não tem de corresponder ao que as pessoas pensam que vai sair. Isso tem tudo para correr mal e ficarem revoltados, fazendo uma análise pouco correcta do mesmo. Os alunos estiveram a aprender Português durante três anos, ficando com capacidades de interpretação, escrita, etc. etc. suficientes para conseguirem resolver uma prova que avalia esses mesmos conhecimentos ou os alunos estiveram três anos a aprender um exame de Português?
- Por último, será bom senso fazer um artigo como guerreiros da saúde mental dos jovens, quando o exame nada pode fazer quanto a isso? Como disse acima, o exame nunca teve de ser o que as pessoas acham que vai aparecer lá. Aliás, muitos alunos não ficaram assim tão surpreendidos, apesar do formato diferente. Saíram perguntas na parte A (que costumavam ser dedicadas ao 12º ano) sobre duas obras de um autor que todos deram e o objectivo era a interpretação e relação desses mesmos excertos. Não das obras integrais, mas dos excertos e das temáticas faladas, que não eram da ignorância dos estudantes. Na parte B saiu Ricardo Reis – heteronímia pessoana, bastante comum nos exames e nada surpreendente.
Basta que o exame mude de formato numa ou noutra questão e a revolta instala-se, como se o objectivo da disciplina fosse a preparação de um arquétipo de exame. Se assim o entendem, então o sistema está claramente a falhar no seu propósito. E que não me interpretem mal nesta avaliação, mas pensemos razoavelmente quando queremos rotular uma prova de “despropositada” ou desadequada. Todos entendemos a surpresa com que possam ter recebido esta prova. Todos entendemos o stress, a ansiedade, a mágoa com que possamos ficar quando as coisas não correm como pretendíamos. No entanto, jamais deixemos toldar os nossos juízos pela sombra da falta de reflexão, da reflexão que nos sai no momento e parece-nos absolutamente razoável, porque estamos angustiados e procuramos identificação.
Se queremos avaliar a legitimidade de um exame, façamo-lo com calma e introspecção ou com bom senso e bom gosto, como defenderia um certo senhor da Geração de 70. Acima de tudo, lembrem-se que os resultados não vos definem enquanto pessoas e terão tantas oportunidades quanto conseguirem criar. Boa sorte a todos!