Para esclarecer esta questão é preciso clarificar os conceitos primeiro (como é habitual em Matemática). Há aqui dois conceitos em jogo:
- acontecimento impossível
- acontecimento de probabilidade zero
No estudo da Teoria da Probabilidade que se faz no secundário, estes dois conceitos coincidem. Por esta razão, é um pouco difícil imaginar uma situação em que estas duas expressões não sejam sinónimas. Vamos então esclarecer o que estes conceitos significam.
Exemplo 1: Lançamento de um dado (equilibrado) de seis faces
Lança-se um dado de seis faces e regista-se a face que fica voltada para cima. Nesta experiência, há seis resultados possíveis, que podemos representar pelos números de 1 a 6. A partir destes resultados possíveis, podemos conceber vários acontecimentos, que correspondem a subconjuntos de resultados possíveis:
- sair 3 -- este acontecimento corresponde ao conjunto {3}
- sair um número par -- este acontecimento corresponde ao conjunto {2,4,6}
- sair um número entre 1 e 6, inclusive -- este acontecimento corresponde ao conjunto {1,2,3,4,5,6}
- sair 7 -- este acontecimento corresponde ao conjunto vazio!
Há aqui dois acontecimentos especiais: o
acontecimento certo, que engloba todos os resultados possíveis e o
acontecimento impossível, que não engloba nenhum dos resultados possíveis. (Claro que podíamos ter dito "sair 30" em vez de "sair 7"; há várias formas de descrever o acontecimento impossível, mas todas elas descrevem o mesmo acontecimento e correspondem ao conjunto vazio.)
Assim, a noção de acontecimento impossível não tem nada a ver com probabilidades: é simplesmente o acontecimento que corresponde ao conjunto vazio de resultados possíveis.
Exemplo 2: Escolha aleatória de um ponto num quadrado
Imaginemos um quadrado no plano cartesiano (por exemplo, o quadrado de lado 1 limitado pelos eixos coordenados e pelas rectas de equações x=1 e y=1). Escolhe-se aleatoriamente um ponto neste quadrado. Ao contrário do que acontecia no exemplo anterior, os resultados possíveis aqui são em número infinito: há um resultado possível para cada ponto no quadrado! Apesar disto, podemos tentar responder a algumas questões.
(1)
Qual é a probabilidade de o ponto seleccionado estar na região do quadrado acima da recta y=1/2?
A forma usual de calcular probabilidades no secundário não funciona aqui. Há uma infinidade de pontos no quadrado (casos possíveis) e uma infinidade de pontos acima da recta y=1/2 (casos favoráveis), por isso a regra de Laplace não pode ser aplicada. No entanto, parece razoável dizer que, dado que a recta divide o quadrado em duas partes iguais, a probabilidade pedida é igual a 1/2. (Esta resposta está correcta, mas justificar de modo rigoroso este raciocínio necessitaria de mais Matemática do que a que seria apropriado incluir qui. Fiquemo-nos pela intuição neste caso.)
(2)
Qual é a probabilidade de o ponto seleccionado estar na região do quadrado acima da recta y=9/10?
Esta recta divide o quadrado em duas partes, uma com área igual a 0,1 (acima da recta) e outra com área igual a 0,9 (abaixo da recta). Uma forma de raciocinar aqui é a seguinte: em vez de compararmos casos favoráveis e casos possíveis, vamos comparar "áreas favoráveis" e "áreas possíveis". A área favorável, acima da recta, é igual a 0,1. A área possível (total) é a área do quadrado, igual a 1. Assim, a probabilidade deverá ser 0,1/1 = 1/10.
(3)
Qual é a probabilidade de o ponto seleccionado ser o ponto de coordenadas (1/2,1/2)?
Esta é uma questão mais difícil. Pelo nosso método das áreas, teríamos de determinar a área da região "favorável". Mas a região favorável neste caso é constituída por um só ponto! Qual é a área de um ponto? Intuitivamente, um ponto não "ocupa espaço". Logo, a região favorável terá área 0. Logo, a probabilidade seria 0/1 = 0.
Neste último exemplo, encontrámos um acontecimento cuja probabilidade é igual a 0 (pelo menos se aceitarmos o método das áreas como método aceitável para calcular probabilidades e se aceitarmos que um ponto tem área nula, mas estas hipóteses têm justificação matemática; nisso terão de confiar em mim -- ou fazer uma licenciatura em Matemática ;)).
O ponto (1/2,1/2) não tem nada de especial. A probabilidade de ser seleccionado um ponto específico é igual a 0, independentemente do ponto. No entanto, estes acontecimentos não são impossíveis! De cada vez que a experiência é efectuada, ela tem como resultado um certo ponto: estão sempre a suceder acontecimentos de probabilidade zero!
Eu sei que isto pode parecer estranho. A razão da estranheza está em que estamos demasiado habituados à probabilidade no contexto de experiências aleatórias com um número finito de resultados possíveis, onde a regra de Laplace se pode aplicar perfeitamente. Neste contexto, o único acontecimento com probabilidade zero é o acontecimento impossível. No exemplo do quadrado, no entanto, há muitos acontecimentos possíveis com probabilidade zero (de facto, todos os resultados possíveis, correspondentes a pontos isolados, têm probabilidade zero).