A personalização de um acontecimento banal é comum a pessoas presas a ciclos de banalidade. Nem sempre conseguimos derivar valor daquilo que criámos, seja por acharmos que não vale suficiente ou porque a infelicidade é mais magnética do que a tranquilidade. Com certeza alguém de Psicologia dar-te-á uma análise textual da situação, mas é da minha crença pessoal que não devemos projectar sensibilidades padronizadas em situações específicas, ou seja, o homem pode estar a ter um dia mau. O homem pode, também, estar nesse ciclo de insatisfação e inépcia que referi e pode lá estar por razões que não lhe são alienígenas -- atenção -- não pretendo desculpabilizar a sua reação, mas a culpabilidade é como uma barreira: podemos não ter culpa acerca do que gera uma reação mas podemos ter culpa pela reação e as duas nem sempre interagem.
Analisar a culpa numa circunstância banal é desbanalizar a circunstância. O meu pai, por exemplo, tem um historial completo de desculpabilização, e posso dizer-te que também ele usava o "eu trabalho portanto x". Lembro-me de ter deixado cair o telemóvel numa lata de tinta e de culpar a minha mãe por lhe ter ligado, entre tantos outros absurdos. Ao apontar para ti, David, estou a apontar para longe de mim, e essa redirecção é indicativa de fraqueza e de vergonha. É apenas outra maneira de nos escondermos da nossa própria incapacidade de controlar o aspecto caótico e angustiante da nossa existência, mas é um enconderijo que, como qualquer outro, sofre limitações.
Podemos então, dum ponto de vista quase-literário, classificar o comportamento desse homem como puéril, frustrado e impotente, mas essa realidade é uma refleção enegrecida do que deve realmente operar lá no imo. Aconselho-te a seres tolerante na medida em que podes e a analisares o que não deves replicar.