Já poderíamos estar num caminho de maior normalização quanto ao assunto das orientações sexuais

Foto de James A. Molnar / Unsplash

Se há coisa que aprecio aquando da leitura de um texto é a contextualização que um/a autor/a faz de si mesmo/a e da posição em que escreve, portanto, qual o seu trajeto académico-profissional, quais as instituições e os movimentos específicos com que se relacionou, quais os seus gostos e preferências e como elabora o seu registo de interesses. E, num apontamento de coerência que exijo a todo o ser humano que apresenta um argumento, também tento sempre deixar de alguma maneira explícito quem sou, o que fiz e o que faço e por onde pretendo ir.

Neste sentido, a assunção que deixo destacada para a realização deste artigo é nada mais nada menos do que a minha homossexualidade. Não vivemos num tempo em que esta se deva esconder e não me custa nada admiti-la para estes fins de validação do nexo textual. No entanto, venho falar sobretudo do outro lado da moeda – e é aí que as coisas podem ficar, no mínimo, com um sabor acre.

O título que escolhi esclarece o ponto do qual pretendo partir (e aquele aonde gostaria de chegar): já poderíamos estar num caminho de maior normalização quando falamos das temáticas da orientação sexual. Para justificar esta afirmação, defendo três ideias principais que, creio, permitem ao/à leitor/a compreender os motivos de, na minha opinião, não estarmos tão longe quanto conseguiríamos estar:

1) Em primeiro lugar, e as opiniões, na contemporaneidade, tendem maioritariamente e de forma natural por esta via, poderíamos ter avançado mais se não fossem os elementos que integram as inclinações e as acusações fóbicas dos extremos políticos e sociais. Quando a agressividade para com as pessoas que não representam a heteronormatividade está institucionalizada, há uma legitimação eleitoral e procedimental que constitui o garante dessas forças radicais, valência que as mesmas ostentam abundantemente; porém, mesmo que não exista essa legitimação da sua atividade (e autoridade), nem sempre é mais fácil fazer-lhes frente, na medida em que, de modo mais ou menos discreto, elas continuam a querer a ostracização daquelas e daqueles que se assumem como não sendo heterossexuais. Em suma, não há tanto caminho feito porque alguns/mas decidem cortar esse caminho de maneira que não seja percorrido.

2) Sem embargo da primeira ideia, que fazer quando o caminho é, não encurtado, mas alargado em demasia? Isto é, no momento em que sabemos que as orientações sexuais, ao invés de estarem a ser normalizadas, estão constantemente a ser utilizadas como indicadores de alguma especialidade de maior valor em relação às outras da espécie humana? Clarificando, o que almejo explicar é que, na minha perspetiva, o melhor método de encarar a homossexualidade, a bissexualidade, a transsexualidade ou o fenómeno queer é a sua contínua normalização e, até, banalização, ao ponto de serem aspetos encarados por qualquer olho comum de maneira desinteressada. Hoje em dia, no país lusitano em que nos encontramos, já não falamos da possibilidade ou impossibilidade nem da validade ou invalidade do divórcio, já não debatemos se as mulheres podem ou não votar e já não discutimos a necessidade de a educação ser um direito universal. É assumido, e bem, que o divórcio deve ser uma possibilidade legal, que as mulheres devem poder votar e que a educação é um mecanismo de desenvolvimento da sociedade e, como tal, deve ser garantida para todas/os. Se temos estas questões interiorizadas, porque não interiorizar também que existem pessoas que não têm atração pelo sexo oposto, mas sim pelo mesmo sexo, ou pessoas que não se identificam no seu corpo e gostariam de o mudar, ou pessoas que ainda estão em descoberta da sexualidade? Todavia, o que grupos e movimentos, com particular foco para o LGBTQ+, fazem atualmente através das suas expressões é obstaculizar a normalização das orientações sexuais, querendo destacar-se em oposição a outras variáveis sociológicas, como a etnia ou a classe social, que são igualmente importantes numa melhoria social integrada e em que todas/os possam participar em situação plena. Noutros enquadramentos territoriais, designadamente em África, Ásia e mesmo América Central e do Sul, há uma real necessidade de os movimentos LGBTQ+ se afirmarem, dado que o quadro político é de uma desigualdade profunda com violência e medo à mistura. Num país como Portugal, e mesmo sendo necessário, por vezes, “irritar algumas pessoas para ter impacto”, como afirmou Greta Thunberg a propósito das questões climáticas, não creio que a irritação social constante seja o melhor percurso a tomar, mas a antes a inclusão ordinária do tema da sexualidade nas famílias, nas escolas e universidades/politécnicos, no trabalho, nas instituições de saúde, na cultura, etc., levando a que o assunto seja, enfim, normal, ao invés de uma excecionalidade artificial.

3) Falei acima de educação e de escolas, universidades e politécnicos. É este o terceiro ponto em que vislumbro um caminho ainda por calcorrear. E como alguém que está a estudar na área da educação não poderia crer que as orientações sexuais fossem um tema desligado do educativo. Quanta escolarização e quantas educações não formal e informal estamos a esconder das nossas crianças e jovens quando não lhes explicamos o caráter comum de existirem pessoas com diferentes atrações físico-sexuais? Será muito difícil explicar-lhes isto de maneira não profundamente ideológica, seja qual for a tendência? Não creio e é por isso que acredito no poder da educação na concretização de sociedades mais prósperas e menos desiguais.

Há um medo excessivo do banal, do corriqueiro, que temos enquanto seres humanos. Ainda assim, quanto a matérias deste tipo, deixo a questão: queremos que o caminho chegue a alguma espécie de fim com sucesso ou que se prolongue indefinidamente e com recuos insanáveis?

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Este texto faz parte de uma série de textos de opinião de alunos do ensino secundário e superior sobre a sua visão do ensino e da educação.

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