Alguns textos são escritos com a intenção de manifestar uma prática real e até corriqueira dos seus autores. Outros, mais do que podemos pensar, são textos feitos de desígnios de ação. Este, por exemplo, é um texto do segundo tipo. Explicarei as razões, mas não sem antes proceder a uma contextualização.
Ler pode apresentar – e seduzir – (pel)as mesmas possibilidades que a escrita. Por representar conquistas efetivas ou horizontes utópicos que nos fazem caminhar, como diria o cineasta Fernando Birri. E se isto é verdadeiro em tempos de assumida normalidade, numa conjuntura (ainda) dominada pela covid-19 ganha muito mais significado – desde logo, porque é um combate às formas de solidão.
Até ao início da pandemia, não se podia considerar que a solidão fosse uma prioridade ao nível da proteção da saúde das pessoas, muito virtualmente devido à dificuldade de a definir e, consequentemente, de medir as suas repercussões na vida individual e da sociedade. Com a atualíssima nova forma de existir, suportada em riscos diversificados e constantes, estar e sentir-se sozinho/a e, acima disso, ser-se sozinho/a tornou-se o paradigma de existência das relações, o que levou a que fossem imediatamente procuradas soluções inovadoras para lidar com o mal-estar provocado por esta tão abrupta rutura. Uma das apostas foi notoriamente a leitura. Não interessou o tipo de leitura, se científica ou ficcional, se romântica ou de banda desenhada, mas sim as suas potencialidades. O caráter libertador, talvez mesmo catártico, da narrativa, a ausência ou a viagem propositadas no contexto, as paixões e as (des)ilusões com as personagens – estes foram as grandes pedras angulares de uma leitura que se revelou mais amiga do que alguns amigos.
Para além deste prazer, a leitura também está intimamente ligada a uma função educativa. E nesse sentido pode ser uma atividade política. Paulo Freire (1989: 15) explica-nos muito bem esta conexão entre política e educação na sua obra A importância do ato de ler: em três artigos que se completam:
Do ponto de vista critico, é tão impossível negar a natureza política do processo educativo quanto negar o caráter educativo do ato político. Isto não significa, porém, que a natureza política do processo educativo e o caráter educativo do ato político esgotem a compreensão daquele processo e deste ato. Isto significa ser impossível, de um lado, (…) uma educação neutra, que se diga a serviço da humanidade, dos seres humanos em geral; de outro, uma prática política esvaziada de significação educativa.
É política a leitura porque é um ato de capacitação educacional, de consciência cultural e de afirmação social. Mesmo o livro aparentemente mais banal traz uma mundivisão e uma mensagem, em relação às quais devemos atender com atenção e crítica; a leitura constitui, por isso, um debruçar sobre um debruçar, um apreciar sobre um apreciar, debruçar e apreciar estes que, portanto, já foram colocados em jogo por outros antes de nós.
Possivelmente já compreenderam pelo menos uma razão de o presente texto ser de intenção ou desígnio. Por um lado, tenciono com ele apresentar um apelo – a que leiam mais e a que leiam melhor, para se sentirem bem nas vossas identidades. Noutras palavras, não apenas ler pontualmente, não apenas ler ideologicamente: ler, sim, por prazer e hábito, por vontade de aprender e de sair desta pandemia com resiliência. Contudo, por outro lado, estes parágrafos são um desejo para mim próprio, que li bastante nos primeiros meses da pandemia e hoje encontro-me desleixado dessa leitura – pelo menos, da leitura hedónica, diferente da exigida academicamente.
A leitura tem este outro efeito: uma pessoa torna-se mais humilde, mais reconhecedora das suas forças e fragilidades, sabendo no entanto que, depois de cada livro finalizado, conquistou educativa e politicamente um mundo.
Colabora!
Este texto faz parte de uma série de textos de opinião de alunos do ensino secundário e superior sobre a sua visão do ensino e da educação.
Gostavas de publicar um texto? Colabora connosco.