Metade dos alunos deslocados não tem contrato de arrendamento e apenas 17,8% dos estudantes têm acesso a bolsas de estudo

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Metade dos alunos deslocados do ensino superior vive em quartos sem contrato de arrendamento, ficando assim sem hipótese de recorrer a apoios financeiros do Estado. Os dados são de um estudo nacional que inquiriu 5.000 estudantes de Lisboa e do Porto, e que estima que um aluno que estude longe de casa gasta cerca de 1.000 euros por mês. Para dificultar a situação, os critérios de atribuição das bolsas de estudo continuam a ser muito restritivos, pelo que apenas os “muito pobres” conseguem aceder a este apoio para estudar.

Uma equipa de investigadores entrevistou, no ano passado, milhares de alunos das instituições de ensino superior situadas nas regiões de Lisboa e do Porto e detetou que, entre os estudantes deslocados, 48% não possuem contrato formal de arrendamento e 51% afirmam que o senhorio não emite recibos de renda. Em cada 10 alunos, quatro vivem longe de casa e por isso precisam de arrendar um espaço.

Sem contratos, estes estudantes não conseguem aceder a apoios como o complemento de alojamento, ficando numa “situação de grande vulnerabilidade”, alerta o estudo “Cartografia e dinâmicas socioeconómicas dos estudantes do ensino superior do Grande Porto e da Grande Lisboa”, esta quinta-feira divulgado num estudo desenvolvido no âmbito de um projeto de investigação do Centro de Investigação de Políticas do Ensino Superior (CIPES), apoiado pelo Edulog, o think tank para a Educação da Fundação Belmiro de Azevedo.

Um aluno a estudar longe de casa pode facilmente representar um custo para a família de 1.000 euros mensais, sendo a maior fatia para pagar o alojamento, contou à Lusa a investigadora Maria José Sá e uma das autoras do estudo. A maioria dos alunos paga entre os 200 e os 400 euros de renda mensal, mas há quem gaste 600 euros em habitação, exemplificou a especialista, lamentando que sejam poucos os que têm a sorte de conseguir um quarto numa residência universitária a preços acessíveis.

“As residências universitárias não conseguem responder ao número de pedidos dos estudantes, que são atribuídos primeiro aos estudantes bolseiros”, explicou Maria José Sá, em entrevista à Lusa. As camas em residências universitárias têm vindo a aumentar, mas continuam a ser insuficientes, já que apenas 3% dos estudantes que concorrem a uma vaga conseguem um lugar. Resultado: os restantes alunos têm de se sujeitar “ao arrendamento de quartos com custos elevadíssimos”, sublinha o estudo.

“Muitos senhorios não passam recibo e por isso os alunos não podem aceder a apoios como o complemento de alojamento”, salientou Alberto Amaral, coordenador científico do Conselho Consultivo do Edulog. Por isso, os investigadores recomendam uma maior celeridade do programa de residências universitárias, para que sejam disponibilizados muito mais quartos a preços acessíveis.

Depois há os custos com a alimentação, sendo que a maioria gasta entre 50 a 110 euros, mas também há um número considerável de estudantes que despende acima de 170 euros, em especial os deslocados e estrangeiros. Como a maioria vive perto das escolas, os gastos com transportes têm pouca representatividade, sendo o transporte público o meio mais utilizado. No entanto, a estes custos é ainda preciso contabilizar as faturas de água, luz ou internet e, tudo somado, é normal ter contas mensais “a chegar perto dos mil euros”, alertou a investigadora.

Bolsas são a segunda fonte de financiamento, mas só 17,8% têm acesso

De acordo com o estudo, dois em cada três alunos (66,5%) dependem financeiramente das famílias para frequentar o Ensino Superior, sendo as bolsas de estudo a segunda principal fonte de financiamento, sendo consideradas insuficientes para responder às necessidades da população estudantil deslocada: “É preciso ser-se muito pobre para se ter acesso a uma bolsa de estudo”, alertou Alberto Amaral, coordenador científico do Conselho Consultivo do Edulog.

Nos últimos anos, as regras para aceder às bolsas de estudo têm vindo a ser alargadas, abrangendo cada vez mais alunos, mas os investigadores defendem que os critérios “continuam muito restritivos” e os valores “insuficientes para fazer face a todas as despesas”. Atualmente, as famílias com um rendimento anual per capita superior a 12 mil euros são excluídas, deixando “muitos estudantes de fora, às vezes, só por cem euros”, alertou a investigadora Maria José Sá e uma das autoras do estudo, em entrevista à Lusa.

Segundo o estudo, dos 5.000 estudantes inquiridos, apenas 17,8% têm acesso a bolsas de estudo. Com base nas entrevistas realizadas a alunos e a responsáveis dos serviços das IES, como foi o caso dos serviços de ação social, a investigadora conclui que “o Ensino Superior continua a não ser acessível a todos”, uma vez que quem não tem direito a bolsa não tem dinheiro para estudar longe de casa e “fica de fora”. “É fácil não obter a bolsa, porque o limiar para a atribuição da bolsa é muito baixo. As famílias com pais empregados facilmente ultrapassam esse limiar. Muitos dos que desejam seguir estudos não têm possibilidade de o fazer ou fazem-no tendo um emprego em part-time”, sublinhou.

Só que a maioria dos bolseiros recebe um valor que serve apenas para “o pagamento das propinas, razão pela qual esse apoio deveria ser revisto e aumentado”, defende Alberto Amaral.

O problema de acumular os estudos com trabalho está associado a um “maior risco de abandono”, alerta o relatório, apontando os estudantes mais desfavorecidos como os mais visados nesta modalidade, porque precisam de financiar os seus estudos. As associações de estudantes, os serviços de ação social e outras entidades das instituições ligadas aos alunos têm “recebido imensos pedidos de apoio e as bolsas nunca são suficientes para os pedidos”, revelou a investigadora, acrescentando que entre aqueles responsáveis existe a “perceção de que muitos ficam à porta”.

Há histórias de alunos que não se candidatam ao Ensino Superior por incapacidade financeira, outros que não conseguem uma vaga mas também daqueles que tiveram um bom desempenho académico para chegar ao Ensino Superior, “mas como não conseguem aceder à bolsa acabam por ficar de fora logo à partida ou então no fim do primeiro ano”, alertou a especialista.

Entre os que aceitam ficar a estudar mais perto de casa, também há casos de “abandono no final do primeiro ano” porque “entraram num curso que não queriam”, contou Maria José Sá.

Para os investigadores, é urgente mudar as regras para que as bolsas cheguem a mais alunos e com valores mais elevados, mas também são precisos mais quartos a preços acessíveis. Os investigadores recomendam ao Governo a criação de mais alojamentos subsidiados, o aumento das bolsas de estudo e a revisão dos critérios de elegibilidade. E ainda o aumento de financiamento estatal das Instituições de Ensino Superior e o financiamento direto aos estudantes.

Pedidos de bolsa no ensino superior batem recorde ao ultrapassarem os 108 mil

Mais de 108 mil alunos do ensino superior candidataram-se este ano a uma bolsa de estudo, segundo dados da tutela, que revelam ser o maior número de pedidos da última década.

Há cada vez mais alunos a requerer uma bolsa de estudo e são cada vez mais os estudantes apoiados. Os últimos números da Direção-Geral do Ensino Superior (DGES), atualizados na segunda-feira, mostram que este ano letivo já deram entrada 108.891 pedidos.

São quase mais mil pedidos do que no ano passado e mais de quatro mil do que os registados há dois anos, segundo dados da DGES, que mostram uma tendência de aumento ao longo dos anos.

No ano letivo de 2019/2020, por exemplo, deram entrada 97.210 pedidos e, nos três anos anteriores, os pedidos rondaram os 84 mil.

O Governo tem vindo a alargar o universo de alunos elegíveis para a bolsa, sendo que atualmente o limite de rendimento anual per capita está próximo dos 12 mil euros (antes rondava os nove mil euros).

Além disso, também passaram a ser elegíveis mais estudantes trabalhadores, uma vez que o limite do seu rendimento também subiu para pouco mais de 12 mil euros.

No entanto, nem todos os pedidos são validados, já que quase um em cada dez processos acaba por ser indeferido, segundo os dados da DGES. Dos 109 mil requerimentos submetidos este ano letivo, mais de 10 mil não foram aceites, sendo que quase metade destes se encontrava em audiência de interessados.

Entre as principais razões para recusar os pedidos de bolsa estão o facto de o rendimento per capita do agregado familiar do aluno ser superior ao limite definido para receber esse apoio (38%), havendo também muitos casos de alunos (34,7%) que chumbaram no ano anterior, condição exigida para se ter direito ao apoio.

Há também casos em que os estudantes terminaram o curso fora do período estabelecido e outros que se inscreveram em menos disciplinas do que as obrigatórias.

Também houve 109 alunos sem direito a bolsa por terem património imobiliário avaliado acima de 120 mil euros (240 x IAS) e outros 50 que também viram o apoio negado por não terem a situação tributária ou contributiva regularizada.

Do total de requerimentos submetidos até agora, também existem 11 mil processos que continuam a aguardar informação para poderem ser devidamente analisados.

O valor das bolsas também tem vindo a aumentar, mas as associações de estudantes dizem ser insuficiente para fazer face às despesas que são cada vez mais elevadas.

No ano passado, segundo dados da tutela, o apoio aos alunos carenciados foi, em média, de 136 euros mensais.