Ministro afasta mudanças no acesso ao ensino superior até ao final da legislatura

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O ministro do Ensino Superior fecha a porta a mudanças no sistema de acesso às universidades e politécnicos até ao final desta legislatura. Manuel Heitor defende o actual modelo, mais de um mês depois de o Conselho Nacional de Educação (CNE), órgão consultivo do Governo, ter recomendado alterações profundas à forma como é feita a entrada nos cursos superiores. As soluções então apresentadas também são alvo de críticas por parte de especialistas.

Ao PÚBLICO, Heitor diz “não ver razões de fundo” para fazer uma alteração no sistema de acesso. Na legislatura anterior, nomeou um grupo de trabalho, que tem produzido relatórios anuais sobre a matéria e cujas recomendações “são todas tendentes a manter-se a estabilidade do sistema”. O regime de ingresso nas universidades e politécnicos não tem alterações substanciais há 17 anos.

Esse grupo de trabalho, liderado pelo então presidente da Comissão Nacional de Acesso ao Ensino Superior, João Guerreiro – que esta sexta-feira toma posse à frente da Agência de Acreditação – “concluiu que não devia haver nenhuma alteração significativa” no modelo, lembra o ministro. As “alterações cirúrgicas” sugeridas têm vindo a ser introduzidas, com a criação de novos concursos especiais ou o aumento de vagas nos cursos procurados pelos melhores alunos, acrescenta.

Heitor usa ainda um argumento político para afastar mexidas no modelo de acesso durante esta legislatura: “uma alteração tão profunda deve estar claramente no Programa do Governo e ser sujeita ao escrutínio público em eleições”. Ora, recorda, nem programa eleitoral do PS nem o programa do Governo incluíam qualquer referência a uma revisão no sistema de ensino superior.

Caso os partidos políticos queiram abrir a discussão nas próximas legislativas, Manuel Heitor antecipa que defenderá a manutenção do actual sistema, porque é “estável e conhecido pelas famílias”. E, acrescenta o ministro, qualquer alteração deve ser feita “com pelo menos três anos de antecedência” de modo a que os alunos que entram no 10.º ano saibam qual o sistema com que vão ter que lidar na hora da sua candidatura.

A posição de Manuel Heitor é conhecida mais de um mês depois de o CNE, agora presidido por Maria Emília Brederode Santos, ter insistido na necessidade de revolucionar a forma de acesso ao superior. Na sua recomendação, aponta para uma redução do peso dos exames nacionais do ensino secundário na seriação dos candidatos ao superior, ao mesmo tempo que seria conferido às universidades e politécnicos maior responsabilidade na escolha dos alunos.

O CNE entende que as mudanças no acesso ao superior são necessárias para garantir a “inclusão educativa e social”. No entanto, as alternativas à redução do peso dos exames que são apresentadas – e que incluem portfólios, entrevistas, provas com júris, avaliação de currículos, cartas de motivação ou pareceres de anteriores professores – serão, pelo contrário, “muito provavelmente amplificadores das desigualdades e injustiças já existentes”, avaliam Gil Nata e Tiago Neves, do Centro de Investigação e Intervenção Educativas da Universidade do Porto, numa carta aberta que é publicada esta sexta-feira

“A questão-chave é a comparabilidade”, afirma Gil Nata, em declarações ao PÚBLICO. Os exames nacionais têm “um grau de comparabilidade razoável”, porque são feitos da mesma maneira, em circunstâncias muito idênticas e corrigidos de forma “cega”. O mesmo não acontece com entrevistas ou avaliações de portfólio, por exemplo. Quando a avaliação assenta em ferramentas mais subjectivas, “abre-se a porta a que candidatos e respectivas famílias de meios favorecidos possam usar esses mecanismos para garantirem vantagem sobre os restantes”, segundo os investigadores.

Gil Nata e Tiago Neves, que foram pioneiros no estudo científico da inflação das notas internas, apontam no mesmo sentido: “qualquer solução que passe por aumentar o peso das notas internas no acesso”, que seria a consequência da redução do peso dos exames proposta pelo CNE, “fica necessariamente mais vulnerável ao poder de compra dos candidatos e suas famílias”. “Sobre isto, nem uma palavra na recomendação” daquele organismo, lamentam.

Qual seria, então, a alternativa? Para Gil Nata, há duas questões fundamentais a considerar. A primeira são os numerus clausus, máximo de estudantes que cada curso pode receber. Em muitos países, o modelo é mais flexível e permite aos alunos entrarem, sem constrangimentos, no primeiro ano da formação. O “crivo” aperta-se ao fim de um ou dois anos.

A segunda questão é o facto de o actual sistema nacional seriar os alunos até à centésima, um valor “que nada indica sobre o mérito” dos candidatos, diz Nata. Quando um curso aceita um aluno com 19,13, mas deixa de fora um com 19,10, isto é “em certa medida aleatório”. Este fenómeno, estudado noutros países, tem levado alguns académicos a propor uma solução que questiona esta aleatoriedade e que passa por definir um patamar de entrada no curso – por exemplo, 16 valores – que sirva como garantia mínima quanto à capacidade dos alunos. Dentro deste grupo, a entrada no curso seria feita por sorteio