Ninguém pediu pelo corona, especialmente de Erasmus


Ninguém estava à espera. Do dia para a noite, o nosso quotidiano foi comprometido. Não há ninguém que tenha saído ileso do estado de emergência. Todos os setores da nossa sociedade foram (e estão a ser) afetados. As aulas foram canceladas, os barcos deixaram de sair ao mar, as linhas de produção foram suprimidas, a restauração e espaços noturnos fecharam portas, as cidades ficaram sem turistas. A cultura está na rua da amargura, o teletrabalho é uma realidade assim como as férias forçadas. Por sua vez, os profissionais de saúde que estão na linha da frente têm mais trabalho do que nunca.

Eu também não estava à espera, muito menos de passar pela pandemia a mais de dois mil quilómetros de casa. Chegar aqui foi todo um processo, desde dúvidas a receios, juntamente com desconfianças familiares, mais burocracias, decidir o currículo e a universidade de acolhimento, sem esquecer da logística do alojamento, da moeda e dos voos.

Chegara a Praga. E agora? Primeiro desafio, reportar o desaparecimento da minha mala de porão. (“Como é que vou viver apenas com a minha malinha de cabine?”, eis a questão). Ao que parece, nem tudo são rosas com a TAP. À saída do aeroporto, chamo não um, mas dois bolts. Devido à fraca comunicação, os motoristas não me conseguem explicar a sua localização, nem eu a minha. A segunda lição do dia é de que os checos não estão à vontade com o inglês (e estamos perante um eufemismo), lição essa que, horas mais tarde, fora comprovada na residência e no supermercado. Por último, aprendi também o porquê de se retratar o povo português como afável e hospitaleiro. Ora, eu nunca tinha compreendido muito bem o que fazíamos de especial para tantos elogios, mas nada como vir à Republica Checa. Quando alguma coisa não está como deve ser, os checos não se acanham e transmitem-no logo ao elevarem o tom da conversa, de forma a que se ignore a barreira linguística que eles próprios impõem a qualquer estrangeiro.

Para ser sincera, não fiquei convencida com as primeiras impressões. Muitas vezes me questionei o que é que estava aqui a fazer. Porém, também é verdade de que essas incertezas apenas pairaram por um par de dias. Passado duas semanas, já era possível ouvir em confissões ao telemóvel “Foi a melhor decisão da minha vida. Ainda bem que o fiz.”

A belle époque durou cerca de um mês. Apesar de em Portugal e na República Checa os primeiros casos terem surgido no mesmo período, imediatamente comecei a sentir as consequências da pandemia, uma vez que um dos primeiros infetados do país era um professor da minha universidade de acolhimento. A mesma, estando no epicentro do foco, por precaução, decidiu cancelar as aulas por uns dias para averiguar qual o plano de ação a tomar e, como tal, fiquei com uma semana de folga. Por coincidência, tinha uns amigos de visita nesses dias, pelo que a notícia foi acolhida de bom grado.

Na semana seguinte, já com as aulas a decorrer na normalidade, são instauradas novas medidas em relação às viagens para os países de risco e, dias mais tarde, veio o tão esperado cancelamento das aulas. Erroneamente, encarei como férias, nada que as seguintes regras não me tivessem esclarecido. Gradualmente, foram fechados vários espaços públicos, primeiramente culturais, desportivos e centros comerciais até ao fecho de todos os locais não considerados essenciais (apenas supermercados, farmácias e outros permaneceram abertos). As fronteiras foram fechadas, ao início só com os países de risco (Alemanha e Áustria), até ao seu fecho total. Após a declaração do estado de emergência, rapidamente foi imposta a quarentena obrigatória para toda a população. De momento, as deslocações das pessoas estão restringidas ao supermercado e ao trabalho, com as devidas exceções e ao uso obrigatório de máscara em todos os espaços públicos.

Para uma estudante de Erasmus (e falo por mim), estar em casa durante tanto tempo é um sufoco. Prometeram-me mundos e fundos e agora resta-me a Netflix e o Whatsapp. A quarentena obriga-nos a perder a ida às aulas e as conversas antes e/ou depois sobre os planos para logo à noite, os almoços na cantina com quem encontrámos ao acaso e ainda a jola que se bebe depois da única aula do dia. Também já não terei a conversa a meio gás com o finlandês super tímido no autocarro de regresso da faculdade, mas que depois às duas da manhã, por obra do espírito santo, dança como um louco. As atividades desenvolvidas pela ESN (Erasmus Student Network) foram canceladas por tempo indefinido e com elas a possibilidade de travar conversa com novas pessoas. Por agora, não há pré-drinks, parties e afters, nem noites em que vamos só tomar um copo. Estão ainda adiados os dias em que exploro os vários bairros de Praga, as idas ao parque e os dates. A continuação da descoberta da comida vietnamita, por muito irónico que seja, terá de ficar para outra altura, assim como as escapadinhas a outras cidades e aos países em redor. E a não esquecer, os episódios de Friends partilhados com a minha roommate enquanto comíamos juntas, que muito provavelmente, já não irão voltar a acontecer.

Apesar de tudo, estou grata pelas experiências que já vivi e simultaneamente lixada por toda a situação. A cada dia que a quarentena se prolonga, sei que estou a perder mais histórias e novas amizades. Porém, no meio disto, cabe-nos a nós tentar ver o copo meio cheio e aproveitar todo o tempo livre do mundo, que há tanto era desejado. E há ainda quem diga que é o melhor Erasmus de sempre!

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Este texto faz parte de uma série de textos de opinião de alunos do ensino secundário e superior sobre a sua visão do ensino e da educação.

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