Tenho intenções de ir diretamente ao assunto: a minha maior preocupação relativamente aos resultados desta noite eleitoral não foi a percentagem de votos no PS, que obteve a maioria absoluta com que se apresentou nos meandros da sua campanha; não foi a estagnação do PSD, que se assemelha de perto com a do país, quando, sob a liderança de Rui Rio, infelizmente nada parece fazer com que este partido estique os braços e atinja possibilidades viáveis e credíveis de governação; não foram as quedas das esquerdas mais radicais – deslize acentuado para o BE e descida, ainda que com menor intensidade, para a CDU –, o desaparecimento do CDS-PP do Parlamento ou, sequer, a eleição de Rui Tavares do Livre. A maior parte destas ocorrências não é, aliás, um problema para mim (algumas até me parecem positivas). Não, foi, sem qualquer dúvida, os mais de 7% que o Chega atingiu nestas Legislativas de 2022, representando 12 deputados/as (sim, porque mesmo para me pronunciar sobre esta entidade partidária sou consciente ao ponto de me sensibilizar e de aplicar a igualdade de género).
A noite foi de desilusão para mim: depois de ter votado BE nas europeias de 2019 e PS nas legislativas do mesmo ano e nas autárquicas de 2021, decidi-me, em 2022, pelo PSD por considerar que, embora a governação socialista tenha desempenhado um papel, no geral, positivo em aspetos como, à cabeça, a gestão da pandemia, os desafios do país exigiam um pensamento relativamente novo, o qual acontecesse ao centro de modo a não ignorar a importância da interligação entre a economia e as questões sociais. No entanto, o PS venceu e os/as derrotados/as da noite foram os/as sociais-democratas; e pior do que isso foi ver que a dita direita, para mim, como moderado, tão relevante quanto qualquer esquerda, se extremou.
Enquanto portugueses/as, como fomos capazes de atribuir uma representação parlamentar tão expressiva a um partido que fala da aplicação da castração química como se de um pão se tratasse? Que interpreta a inclusão social no sentido de uma mera ideologia, ao invés de a tratar na qualidade de uma justiça que merece ser valorizada e promovida como um pilar da nossa sociedade democrática? Que se esforça ao máximo para defender um modelo de família considerado por si “natural”, baseado numa relação íntima entre um homem e uma mulher, ignorando que qualquer instituição social se transforma com os tempos e, portanto, desrespeitando, ainda que afirme o contrário, os outros tipos de família por não lhes dar equivalente valia?
Sabemos das dificuldades de que Portugal sofre – financeiras, demográficas, de justiça, de saúde… – e, portanto, do protesto que muitas pessoas reconhecem como forma exclusiva de manifestarem o seu desagrado e os seus receios. Por isso é que respostas facilitistas e generalistas são aliciantes, dado que surgem como remédios alegadamente ultra-eficazes para doenças crónicas, intensas ou pretensamente incuráveis. Mas repare-se que os/as cientistas demoram anos para encontrar curas e produzir conhecimentos, pelo que os/as políticos/as, no atributo de profissionais que devem merecer e fazer por merecer respeito e consideração, também deverão ter o seu tempo para encontrar as melhores soluções para os problemas nacionais (e internacionais também), já que é isso que nos interessa, e não medidas caídas dos céus.
Conseguimos, obviamente, resolver coisas superficializando, segregando, revisionando – ou seja, sendo pouco rigorosas/os ou incoerentes. Porém, é isso que desejamos? Creio que a identidade nacional e os nossos feitos – que o Chega tanto proclama como se não fossem igualmente feitos de máculas, sendo eventos históricos complexos – merecem melhor. De nós, de todos/as. Daí alguma da minha surpresa e toda a minha consternação. O programa do Chega é um programa de 9 páginas, com mais 100 propostas-anexo. Certo de que a quantidade nem sempre é qualidade, dar de si o mínimo é também querer o mínimo para os outros, porque oferecer e não oferecer é sempre um indicativo do modo como pensamos nas demais pessoas.
Fico triste por uma democracia madura como a nossa – madura porque composta de avanços culturais, educativos e sociais impressionantes em menos de 50 anos de liberdade – me ter dado este desprazer. Para um jovem sociólogo, ver o meu país um pouco mais anacrónico e com uma ligeira maior ignorância relativamente ao que as ciências sociais e humanas nos podem ofertar – porque o Chega advoga, ou pelo menos já advogou, que um curso de Sociologia, ao contrário de Engenharia Civil ou Informática, não entra nas necessidades de um Portugal em que outrora o analfabetismo era gritante e o espírito crítico deveria ser fechado a sete chaves e que, destarte, vive sempre o risco de isso voltar a ser a nossa realidade – é, com profunda honestidade, uma perfeita deceção. Apesar de tudo, haja um futuro em que deposito a minha esperança, ciente da reflexividade de toda a outra face nacional. Ser patriota é, a meu ver, isto mesmo: valorizar a igualdade que em múltiplos domínios discursivos e de práticas conquistámos e temos trabalhado para melhorar.
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Este texto faz parte de uma série de textos de opinião de alunos do ensino secundário e superior sobre a sua visão do ensino e da educação.
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