Entrar na faculdade, sair da casa dos pais, ir viver para uma cidade desconhecida. Fazer longas e desgastantes viagens diárias, estudar nos últimos comboios da noite, muitas vezes conciliar a vida universitária com um emprego, e em alguns casos, chegar a casa para escrever uma tese depois de adormecer as crianças. Acordar de manhã, antes daquela aula maçuda em que o professor debita a matéria num tom monocórdico; chegar ao final do dia e ter que encarar os clientes picuinhas ou um patrão exigente. Aqueles pensamentos incessantes, como um alarme, “Valerá a pena? Cometi um erro?” E ainda nem chegamos à época de exames e já estás a pensar no recurso!
Tudo isto faz parte da vida universitária mas a vida universitária não tem de ser só isto.
Ultimamente temos ouvido cada vez mais falar sobre stress e ansiedade, (talvez uma das únicas boas coisas que a pandemia da COVID-19 nos possa ter trazido foi uma maior consciencialização destes fenómenos), e o conceito de saúde mental tornou-se numa espécie de buzz-word da Internet que é atirada para todo lado mas que não cola em lado nenhum.
O que é certo é que há uma tendência crescente para as pessoas serem mais transparentes e sinceras sobre as suas experiências emocionais, incluindo o bom, o mau e o feio. E não há nada de vergonhoso ou fraco sobre passar por estes altos e baixos ou pedir ajuda para lidar com esses tumultos. Sabias que Portugal é o quinto país da União Europeia com mais casos de doenças mentais, sendo que Um em cada 5 portugueses sofre de alguma perturbação mental? De facto, essa vulnerabilidade é sinal de uma coragem admirável. Mas o lado negativo de algo como a saúde mental ser um conceito en vogue, é que é tratado como uma trend em vez de um pilar do bem-estar individual e coletivo.
É muito fácil falar-se de self-care que promove o consumismo e o individualismo – fala-se, por exemplo, da prática de exercício físico, como yoga e levantamento de pesos, da importância de beber água e usar uma rotina de skin-care infindável, da escrita em diários ou bullet-journals e outras práticas de mindfulness como a meditação guiada (a qual, a propósito, foi comprovada de ser um tratamento tão efetivo para os sintomas de ansiedade como medicação se lhe for devota uma certa e exigente quantidade de tempo). Embora não se deva negligenciar todos estes tijolos da segurança e conforto físico, para falar de saúde mental de uma maneira que realmente faça a diferença, especialmente num contexto tão frenético como a vida universitária é para alguns, é imprescindível falarmos de inteligência emocional (popularizado por Goleman, Daniel, 1995).
A inteligência emocional (EQ) pode ser definida como a capacidade de gerir e entender os próprios sentimentos e expressá-los efetiva e apropriadamente. Estas soft-skills que acompanham a inteligência emocional são um mapa para uma vida social e profissional de sucesso, um verdadeiro atalho para se diplomar na escola da vida. Só que esta disciplina não faz parte de nenhum currículo escolar – ainda.
A saúde emocional é, na verdade, indissociável da saúde mental. Isto porque as emoções afetam a atenção, a memória, o aprendizado, os processos de decisão… Assim, uma maior inteligência emocional, o melhor regular as emoções, está provado que melhora a performance académica, as relações intrapessoais e a manutenção de sintomas de depressão e ansiedade. Para além disso, um bom EQ cultiva a autoestima, ajuda-nos a ser mais assertivos, torna a cooperação mais fácil, que em ambientes profissionais pode levar a uma maior produtividade, diminui a impulsividade e, em geral, promove um estilo de vida mais saudável (já que a tendência para fazer escolhas mais saudáveis e proactivas é maior).
Para cultivar este quociente emocional, podemos-nos guiar pelo método RULER (de Marc Brackett, Yale Center for Emotional Intelligence).
Inteligência emocional começa por autoconsciência (recognise). É necessário reconhecer como as emoções se manifestam no nosso corpo. Talvez chores e ranjas os dentes quando estás zangado. Talvez sintas o coração a bater mais rápido e a tua respiração a ficar mais curta quando estás com medo. Onde se situa a tristeza no teu corpo? Prestar atenção é o ponto de partida.
Segue-se a compreensão (understand). Questiona as tuas emoções. O que será que te fez assim tão zangado? Se continuares o dia irritado, quais serão as consequências? Talvez respondas mal aos clientes, talvez acumules esse stress. Emoções, enquanto sempre válidas, nem sempre são exatas ou verdadeiras.
Um outro pilar do EQ é a literacia e alfabetização emocional (label). Muitas vezes tendemos a vilificar aquilo que sentimos, tentando até livramo-nos de qualquer emoção que nos esteja a afetar negativamente. No entanto, as emoções são puramente informação. A raiva protege-te de algo que vá contra os teus limites, a culpa alerta-nos para onde erramos para que possamos fazer melhor no futuro, a vergonha avisa-nos quando trespassamos os limites das convenções sociais, a tristeza ajuda-nos a processar uma perda ou adaptar a uma circunstância, a ansiedade pode ajudar-te a planear o futuro…
Ter um vocabulário capaz de descrever aquilo que sentimos é imprescindível para processar a nossa experiência emocional. Que tipo de zangado estás? Fúria ou revolta? Ressentimento ou indignação? Irritabilidade ou hostilidade? As emoções são complexas e ambíguas, é perfeitamente normal que a resposta a esses questionamentos seja “eu não sei”. Inteligência emocional requere trabalho e prática tal como qualquer outro tipo de inteligência.
Emoções, para além de subjetivas, são temporárias, mesmo quando não parece. Na realidade, têm uma duração média de 90s. Sendo assim, temos que encontrar uma forma de expressar as nossas emoções que seja produtiva, (express) sem suprimi-las por intelectualização e sem externalizá-las de forma injusta para contigo ou para com as pessoas à tua volta. Talvez responder sarcasticamente a um amigo te faça sentir melhor no momento mas pode fazer-te sentir culpado e deixá-lo triste. Procura outras formas de autoexpressão. Se calhar nos teus hobbies, se calhar no escrever um diário, na arte, no desporto. Permite-te chorar, se for preciso, ou desabafa com alguém em quem confies.
As tuas emoções não são o inimigo, contudo podem levar-te por uma espiral ao desencadear pensamentos que alimentam catastrofismos. Quando uma emoção interfere muito no teu quotidiano é importante saber regulá-la (regulate), isto é, procurar estratégias de enfrentamento. Isto inclui saber quando pedir ajuda. Todos nós passamos por dificuldades e admitir que precisamos de alguém com experiência para desatar as correntes de pensamento que nos paralisam não é vergonha nem fraqueza.
A vida universitária é também sobre solidariedade e inovação. Como membros do mundo académico – quer sejas aluno ou professor – tornar este espaço inclusivo e próspero, onde a educação não te custa a tua saúde, deve constar nas nossas prioridades. É fundamental não só tornar a ajuda psicológica no ensino superior mais acessível, mas principalmente, apostar numa educação emocionalmente inteligente.
Podemos fazer isso ao implementar métodos educativos como a Aprendizagem Socio-emocional, do inglês, Social Emotional Learning, (SEL), que visa promover habilidades socio-emocionais nos currículos escolares. Este método define 5 competências essenciais: autoconsciência, autogestão, tomar decisões responsáveis, competências relacionais e consciência social. Em volta destas, quatro cenários-chave onde os estudantes vivem e crescem: salas de aula, escolas, família e comunidade. Uma parceria entre estes coordena práticas de SEL e estabelece ambientes educacionais equitativos. Este método pode ser aplicado em várias fases de desenvolvimento, desde a infância à idade adulta.
Para um ensino mais justo e empático precisamos de falar sobre inteligência emocional. Não há educação sem saúde. Temos o dever, enquanto cidadãos, de reivindicar as condições para uma boa vida, se não para nós, para as gerações futuras. Não se faz um bom profissional sem uma boa pessoa.
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Este texto faz parte de uma série de textos de opinião de alunos do ensino secundário e superior sobre a sua visão do ensino e da educação.
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