Para reduzir as desigualdades é preciso ampliar as oportunidades

Foto de Freeograph | Depositphotos.com

A educação é o mecanismo de mobilização social mais nobre e mais importante de que dispomos enquanto humanidade. A posse de rendimentos e propriedades, o status cultural ou a influência política podem ser meios de atingir melhores posições sociais, mas só no sistema educativo é que se aprende a relevância destes elementos, pelo que os mesmos são dependentes das ferramentas e dos sucessos que a escola e o ensino superior podem proporcionar. “Quem abre uma escola fecha uma prisão”, afirmou Jean Victor Duruy, historiador e Ministro da Educação francês do séc. XIX, como metáfora da capacidade de transformação que o mundo educativo permite ao aluno que com ele tenha contacto.

Recentemente, foram anunciadas, pelo Ministério da Educação português, novas medidas que transformarão o modelo de acesso ao ensino superior e que entrarão em vigor, de forma progressiva, a partir de 2024. Das mais sonantes está uma resolução que permite atribuir vantagens a alguns alunos mais desfavorecidos no momento da sua escolha do curso. O número de vagas seria de uma ou duas, como afirmou o Secretário de Estado do Ensino Superior, Pedro Nuno Teixeira, de modo a transmitir uma mensagem de inclusão e, em simultâneo, sem cair em facilitismos e numa ausência de potencial seletivo que qualquer processo avaliativo deve incorporar.

Esta medida é um avanço perante as desigualdades que os estudantes (e respetivas famílias) de classes mais baixas sempre viveram. O acesso a menores recursos económicos e educativos, sinónimo de piores condições de vida, sempre acompanhou estes jovens, incapacitando-os de competirem em verdadeiras circunstâncias de igualdade com outros de classes mais elevadas. Por isso, do mesmo modo que outros contingentes foram criados para acautelar situações sociais específicas, esta nova condição abre possibilidades para que estas pessoas sintam que quem governa se preocupa com as suas dificuldades e releva os seus esforços.

Não obstante, tal não significa que esta decisão está ausente de críticas. Uma ou duas vagas podem ser muito poucas – ou bastantes. Compare-se um curso em que o número de inscritos, nos vários anos, costume ser de 20 ou 30 alunos com outro que tenha, por exemplo, 100 vagas. Para os primeiros a taxa de entrada de alunos mais pobres, com números absolutos de duas vagas garantidas, é de 10% e 6,7%, respetivamente, porém, para o curso com maiores vagas essa taxa reduz substancialmente para 2%. São percentagens muito desfasadas que indicam a discrepância que existirá caso esta medida venha a ser implementada na base de frequências absolutas.

Neste sentido, e tendo em conta que todos os fatores assinaláveis no processo de ingresso ao ensino superior – notas das disciplinas no ensino secundário e peso dos exames na entrada da universidade/politécnico – são calculados a partir de valores percentuais, parece-me que os contingentes não gerais também o deveriam ser, especialmente um que tenha como objetivo direto o combate às desigualdades na educação resultantes do azar aleatório de se ter nascido no seio de uma família com poucas possibilidades financeiras. Essa taxa poderia ser estabelecida, de forma moderada, na ordem dos 5% (com arredondamentos para cima), o que significaria que, para cada 20 alunos, 1 entraria por esta via e que, num curso de 320 vagas (o maior número em 2022), acederiam ao mesmo, no máximo, 16 alunos. Isto permitiria não apenas aumentar a cifra de estudantes mais desfavorecidos a entrar nos maiores cursos como permitiria que estes não se sentissem excluídos por um eventual isolamento promovido pelos pares nesses mesmos cursos, dado que encontrariam outros colegas nas mesmas condições com quem já teriam, à partida, uma aproximação identitária.

Para se conseguir a igualdade em qualquer esfera das nossas vidas como sujeitos de uma comunidade precisamos que a eficácia das medidas seja alcançada tanto no sentido da redução material da desigualdade em questão como na valorização do caráter simbólico que é o sentimento de pertença a um grupo. Um contingente específico para estudantes mais pobres com uma taxa de vagas definida é, a meu ver, aquilo que permitiria a estes jovens verdadeiramente sonhar com as possibilidades de um dia virem a entrar no ensino superior e, até, encontrarem outros provenientes das mesmas árduas condições com quem construir um sentido partilhado de interpretação do mundo. Paralelamente, um aluno nos cursos com mais vagas poderá ser encarado como um elemento estranho, alvo fácil de estigmatização, mas vários deles constituiriam um grupo com quem os outros estudantes poderiam comunicar no sentido de conhecerem ideias, vivências e contextos de existência para lá dos seus modos de vida mais privilegiados.

Num país como Portugal, ao mesmo tempo que o reforço de bolsas de estudo será sempre bem-vindo, construir e disponibilizar mecanismos como o acima explicitado é o primeiro passo para que a nossa população se torne mais qualificada a ponto de, um dia, atingir os níveis de empregabilidade e produtividade dos países que ainda hoje se encontram à nossa frente.

Colabora!

Este texto faz parte de uma série de textos de opinião de alunos do ensino secundário e superior sobre a sua visão do ensino e da educação.

Gostavas de publicar um texto? Colabora connosco.