Pelo mundo, os estudantes foram incontáveis vezes a força motriz do desenvolvimento e de profundas mudanças na nossa sociedade. Em Portugal não é, nem foi, exceção, as lutas estudantis estão bem cravadas na nossa história como a origem de progressos civilizacionais. O Dia Nacional do Estudante serve, assim, para honrar este passado histórico em defesa dos valores estudantis que todos nós herdámos.
No ano de 1962, em plena ditadura, o regime do Estado Novo proibia as celebrações do Dia Nacional do Estudante. Ironicamente, esta decisão acabou por despertar, de forma inconsciente, a consciência dos estudantes para o poder imenso da sua União. Através deste ato opressor foi atiçado um rastilho de descontentamento estudantil que faria explodir a crise académica de 62. Da Alameda da Universidade de Lisboa até aos palanques do Estádio Universitário de Lisboa, naquela primavera, o Campo Grande tornou-se num palco vibrante de irreverência juvenil que faria a ditadura tremer.
Impulsionados pela necessidade de defenderem as suas causas, os estudantes uniram-se e travaram uma batalha contra o regime, lutando, acima de tudo, pelo direito mais basilar: o direito de poder livremente lutar por aquilo em que acreditam. As lutas que se impõem hoje são de outra natureza.
Em virtude do empenho dos que nos antecederam, hoje, os estudantes não correm mais risco de prisão por livremente se expressarem. Nos tempos atuais não se vislumbram razões para comodismos. Com respeito pelo passado e responsabilidade para com as gerações vindouras, é fundamental que os estudantes de hoje se assumam como parte ativa da comunidade. Importa, assim, refletir sobre o caminho que almejamos para o Ensino Superior e para a sociedade em geral.
As Instituições de Ensino Superior há muito que enfrentam uma situação de constante subfinanciamento e perda de autonomia. Para podermos avançar no sentido de um Ensino Superior mais livre, democrático e comprometido com a qualidade do ensino, é essencial que o atual Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior seja revisto, uma vez que já passaram 15 anos desde a sua implementação e, segundo o compromisso, deveria ter sido revisto há 10 anos.
Para que esta revisão seja efetuada, é crucial que os estudantes e o Movimento Associativo sejam incluídos, pois são os principais interessados e afetados pelas mudanças que ocorrem no Ensino Superior. Nesse sentido, é importante defender um aumento da representação de estudantes e funcionários nos órgãos de gestão das Instituições, já que estes possuem conhecimento detalhado das realidades e necessidades da comunidade académica e podem contribuir de forma mais efetiva na tomada de decisões, em vez de um conjunto de curadores como exige o Regime Fundacional.
O subfinanciamento do ensino superior é um problema crónico e não podem ser os estudantes, aqueles que mais lutam por um aumento deste financiamento, a arcar com os custos resultantes desta problemática. Em paralelo, a condição sócio-económica de um jovem não pode nunca ser um entrave para que ele prossiga os estudos na Instituição de Ensino Superior que deseja. Devemos pugnar por regimes mais justos e eficientes de atribuições de bolsas de ação social, que estejam atentos à inflação vigente e sejam capazes de contemplar as diferentes necessidades e realidades dos estudantes, como as deslocações e os materiais de estudo.
Na sociedade contemporânea, a frequência de mestrados e pós-graduações assume uma importância cada vez mais preponderante. Urge, por isso, incentivar a participação nesses ciclos de estudos e dissipar os obstáculos financeiros que os tornam proibitivos para muitos estudantes, pois somente desta forma criaremos uma sociedade devidamente qualificada e capaz de enfrentar os desafios futuros.
A escassez de habitação acessível, principalmente na área metropolitana de Lisboa, afeta não só os estudantes deslocados, mas também os jovens que aspiram ser independentes. Portugal vive, hoje, uma das mais graves crises de emancipação jovem. Torna-se, portanto, imprescindível repensar as políticas de habitação e mobilidade, de modo a garantir uma solução estrutural para este problema. Em paralelo, é imperativo que a concretização do PNAES não seja negligenciada e que a aplicação do PRR seja efetuada de forma eficiente, assegurando a rápida implementação dos projetos de construção de novas e mais residências estudantis a preços acessíveis.
Importa, também, refletir no papel das ordens profissionais que, muitas vezes, funcionam numa lógica de barreira corporativista de acesso à profissão, protegendo acima de tudo quem já exerce e dificultando o acesso aos mais jovens. Esta realidade tem consequências negativas tanto para os jovens profissionais que procuram uma oportunidade no mercado de trabalho, como para a própria sociedade, que pode ficar privada de profissionais competentes e qualificados.
Dia 23 de março, para possibilitar que os estudantes deslocados também participem, saímos à rua para comemorar o Dia Nacional do Estudante e exigir que a sociedade caminhe em direção à evolução. Renovadas as gerações, a essência do estudante de há 60 anos perdurará sempre no nosso espírito, porque o papel do estudante é nunca se acomodar.
Viva a Academia.
Vivam sempre os Estudantes.