Foto de Bruno Lisita @ Público

Praxe: uma visão, qual a tua?

Entrei o ano passado na Universidade. Sempre tive a intenção de ser praxado, talvez por ter medo de não ser aceite, talvez por a Praxe ser tradição e eu ser um apaixonado. Vi documentários, vi reportagens, vi debates. Formei a minha opinião da Praxe antes sequer de a Ela pertencer. Mudei de opinião duas vezes. E sei que fiz a escolha certa.

Sim, eu comecei a Praxe. Sim, eu “amoleci”, eu não interiorizei o objetivo e tive duas semanas (é estranho pensar nisso, mas essas duas semanas pareceram dois meses) à parte, um pouco abstraído. E sim, eu voltei. Voltei porque a Praxe merece. A Praxe, o conjunto de regras que definem a vida académica. Não a panóplia de idiotas arrogantes, de cerveja na mão e cigarro na noutra que obrigam caloiros a beber. Ou seja, aquilo que muitas entidades fazem parecer. A Praxe não é nem nunca foi isso. Mas é claro que isso pode existir. É uma questão de nomenclatura. É uma questão de ter conhecimento antes de falar, porque quem humilha um caloiro enquanto enverga capa e batina, não pode ser considerado um “praxante”. Porque a Praxe simplesmente não é isso.



Mas “ a Praxe é hierarquizada”. Mas “ Praxe é dura”. Mas “a Praxe é demasiado antiga para refletir os dias de hoje”. A Praxe é hierarquizada, dura e antiga. É verdade. Não sei um emprego hoje em dia que não seja hierárquico. Não prevejo uma vida futura para mim ou para outrem onde não haja uma hierarquia, onde não haja uma relação de superioridade (mantenham esta ideia em mente). A Praxe é dura. No sentido que é igual para todos. Dura praxis sed praxis. E mesmo quem diz que a Praxe é dura porque nos faz correr, encher, saltar e gritar, de acordo. A vida também é assim. A Praxe é antiga. Mas não tão antiga que não faça sentido nos dias de hoje. Porque cair, levantar e persistir é tão atual como há cem anos atrás. Porque os valores que a Praxe nos ensina, que nos foram incutidos (um “nos” que reflete o que penso e um “nos” que quem fez a Praxe percebe) são valores que vou levar comigo.

A amizade que fiz na Praxe não se iguala a amizades que a Universidade me deu. Histórias que tenho para contar, intimidades que tenho com os meus colegas, brincadeiras que tenho que só nós percebemos. Éramos todos recém-chegados, inexperientes (ainda o somos), sonhadores, irresponsáveis. A Praxe uniu-nos e, acima de tudo, ensinou-nos o verdadeiro sentido da palavra solidariedade (as vezes que corremos todos juntos por um só, sem queixas nem zangas), a amar a cidade onde estudamos, desde o momento que a deixámos interiorizar-se em nós, um escape diário, um local de brincadeira, onde corríamos por gosto e gritávamos com orgulho. Padrinho e madrinha (7 no meu caso) que nos vão ajudar em tudo. Não é para nos “encherem” de bebida como se pensa, mas para serem um suporte à nossa vida universitária. Para nos ouvirem, aconselharem, sentirem o que sentimos quando é necessário. A Praxe ensinou-me a amar o meu curso e a gritá-lo, alto e bom som, defender os nossos valores. Senti a maior alegria este ano quando gritei por ele. Todas as vezes. Senti também a maior alegria quando enverguei o traje.

Porque a Praxe é capa e batina. Não é preciso estar nela para as poder usar, mas quem está percebe a duplicar o orgulho de as vestir. Eu chorei na minha última praxe. “Estão desmobilizados pela última vez” feriu-me. Eu senti que pertenci a um grupo, onde não só estavam os meus colegas de 1º ano, como os meus doutores. Porque, como referi, a Praxe é hierarquizada. Mas é isso. Uma hierarquia definida por norma, 3º, 2º, 1º, mas quem faz a Praxe sabe que pode abraçar um doutor como um amigo, chorar ao ombro de outro, testemunhar a felicidade de quem quer que nela pertença, sem se preocupar com o ano, idade ou sexo. Quando podemos ouvir os nossos doutores dizerem-nos obrigado.

Eu posso dizer que defendo a Praxe. Não sou contra os que não apreciam. Sou, contudo, contra quem a critica e ataca quando o máximo de “Praxe” (as aspas são importantes) que conhecem é aquela que vêm pelo ecrã. Não somos “uns burros com palas que fazem tudo o que lhes mandam” como já ouvi. Opiniões frustradas sem nexo. Muitas vezes de pessoas que nunca estiveram no nosso papel. A quem esteve e manteve a mesma opinião, parabéns por dizerem o que pensam. Podem no entanto não ter sido praxados, porque a nomenclatura é mais uma vez importante e a Praxe não se define por certas atitudes que doutores têm. É algo que passou por décadas de história.

A Praxe merece uma oportunidade, duas, três. É integração (curioso – aquela palavra que todos associam à Praxe, eu só a utilizei agora), é união, é alegria. Não é humilhação. Se o for, é porque não é Praxe. Tão simples quanto isso. Se forem praxados (não há bem nem mal, ser praxado entende-se que seja bom), levarão convosco o que aprenderam para sempre. Porque dura praxis sed praxis. Dura. Igual para todos. Porque quem vos ralha por chegarem atrasados, também ouviu por não ter corrido. Porque quem vai correr, nunca vai sozinho. Porque quem grita, nunca grita sozinho. Porque amizades que se constroem na Praxe, duram para a vida. Porque posso agradecer a quem me praxou e foi praxado comigo, por ter sido o melhor ano da minha vida.

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Este texto faz parte de uma série de textos de opinião de alunos do ensino secundário e superior sobre a sua visão do ensino e da educação.

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