Será que já podemos acabar com a saga dos estágios não remunerados?!

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Todos nós precisamos de adquirir experiência, mas já está na altura de nos unirmos e começar a reivindicar pelos nossos direitos. Um estágio não remunerado claramente atenta contra a Declaração Universal dos Direitos Humanos e contra a Constituição da República Portuguesa. Por um lado devemos lutar pelos nossos direitos, mas ao mesmo tempo, como precisamos de adquirir experiência profissional, devemos recorrer a alternativas. Nós vamos partilhar contigo sugestões de como podes fazer ambas!

Na Youth Cluster queremos muito contribuir para o fim desta prática, porque todos nós devemos reconhecer o nosso valor enquanto cidadãos e trabalhadores. Desta forma, vamos dedicar o mês de Julho a contestar pelos nossos direitos e todas as pessoas podem participar, uma vez que vamos distribuir vários kits de activista totalmente personalizados e gratuitos. Se acreditas nesta causa e gostavas de te juntar a nós no combate a esta realidade profundamente injusta e elitista, vem descobrir como neste formulário.

O Problema dos Estágios Não Remunerados*

A maior parte de nós já ouviu alguma destas situações: “É um investimento na tua carreira!”, “Depois deste estágio não remunerado vais encontrar logo um emprego”, “Ah, subsídio de almoço? Pois, não vai dar, com a crise os rendimentos da empresa desceram muito”, “Parabéns, está entre os finalistas, mas temos uma situação: na candidatura informámos que o estágio seria remunerado, mas afinal não temos orçamento… Vai ter que ser um estágio não remunerado. Aceita continuar?”.

Estes comentários são ditos de uma forma muito imprudente pelos empregadores que tendencialmente não vêem os estagiários como pessoas capazes ou com necessidades básicas para satisfazer… 

 

Começando pela parte mais lógica, ou seja, o artigo 23º da Declaração Universal dos Direitos Humanos – “Todos os seres humanos que trabalham têm direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhes assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana”. Neste contexto ainda o típico estágio curricular que, em muitos casos, é utilizado como desculpa para aceitar que os jovens passem por esta realidade de exploração. Para além disso, em muitos casos estes estágios não são estágios de qualidade focados na aprendizagem, ou seja, os benefícios são, quase que totalmente, para as empresas.

Considerando que o ensino universitário não é gratuito em Portugal estamos perante um contexto que já exclui jovens da possibilidade de estudar. Quem não fica excluído deste direito irá enfrentar desafios posteriores, pois quando finalmente terminam o curso pensam que vão começar a trabalhar na sua área, de forma cobrir o esforço e investimento feito, as oportunidades que existem são quase exclusivamente estágios não remunerados. Esta situação promove ainda mais desigualdades e, enquanto algumas pessoas têm capacidades económicas para aceitar estes estágios, outras não têm e, por isso mesmo ficam estagnadas na sua carreira e com empregos noutras áreas com o fim único de cobrir os seus custos de vida inerentes a qualquer pessoa.

Se ignorarmos a questão da dignidade humana e desigualdade de oportunidades, importa ainda notar que estas propostas são feitas depois de termos investido cinco anos em educação universitária, voluntariado internacional nas férias, voluntariado aos fins de semana, ainda termos o nosso projeto pessoal de empreendedorismo e uns cursos online que fomos fazendo nas noites livres. A nossa geração tendencialmente vai integrar um estágio não remunerado, no entanto temos níveis de qualificação extremamente elevados, nascemos com a internet, logo sabemos “perguntar ao Dr. Google” e desenvolver capacidades num tempo mínimo quando comparados com a geração anterior, mas ainda assim ao saber que não temos alternativa vamos aceitar mais um estágio não remunerado…

Este sistema tem consequências profundas na nossa qualidade de vida, mas também pressiona e promove, numa fase posterior, a discriminação de género no mercado de trabalho. Algumas pessoas frequentam este tipo de estágios até aos 26 anos ou mais e, quando finalmente estão numa posição em que têm a possibilidade de encontrar um emprego remunerado, as pessoas que querem ter filhos vão começar a pensar nisso a partir desta altura, mas aí claro que já sabemos qual é a prioridade das empresas: empregar as pessoas do género menos provável de pedir licenças de parentalidade.

 

Gostaríamos ainda de referir o exemplo da Suécia, um país onde estágios não remunerados são apenas uma realidade comum para jovens menores de idade que estão no secundário e o propósito destes estágios é ajudar a decidir o curso que gostariam de integrar. A esta questão devemos acrescentar que todos os jovens na Suécia recebem um subsídio por estarem a frequentar o ensino e, após a universidade, ninguém lhes vai propor um estágio não remunerado. Se em Portugal recebessem um subsídio para estudar se calhar até um estágio não remunerado após um curso universitário seria visto com bons olhos, mas ainda assim desrespeitaria as premissas básicas expostas anteriormente.

As Alternativas a Estágios Não Remunerados

As alternativas existem, em alguns casos não são ideais ou o que se espera de um mercado de trabalho que se deve pautar por um respeito intrínseco pelos Direitos Humanos, mas é uma alternativa para quem não tem a possibilidade de aceitar estágios não remunerados e para quem não quer contribuir para esta prática.

Existem projetos de voluntariado internacional com o Corpo Europeu de Solidariedade e, neste momento, estes projetos podem ser feitos também ao nível nacional. O voluntariado não é remunerado, no entanto o programa garante a cobertura de custos de transporte, alojamento, alimentação e dinheiro de bolso. Uma vez que é possível fazer voluntariado em várias áreas e organizações, esta é uma oportunidade de adquirir experiência num contexto laboral que tem mais tendência a valorizar as pessoas. Também ao nível internacional existem oportunidades através do Interreg Youth Volunteers e o Service Civique.

Se gostavas de fazer um estágio enquanto estudas e pensas que poderás adquirir competências relevantes no contexto de organizações sem fins lucrativos ou em instituições públicas, podes sempre investir algumas horas a colaborar com diferentes associações através dos programas de voluntariado do IPDJ. Desde projetos de curta a longa duração como o Voluntariado Jovem para a Natureza e Florestas e Agora Nós aos programas de longa duração com a Geração Z ou Ocupação dos Tempos Livres. Para te dar um exemplo, na Youth Cluster temos a decorrer o projeto de voluntariado “Connecting Routes” apoiada pela iniciativa Geração Z, uma ação de voluntariado jovem de longa duração financiada pelo IPDJ – Instituto Português do Desporto e Juventude, I.P. ao abrigo do Programa Agora Nós. Neste projeto temos duas pessoas a fazer voluntariado connosco durante um mês e meio, uma na área do design e a outra em programação e optimização de websites. Diariamente cada uma delas recebe 12€, o que já é mais do que o subsídio de almoço num estágio não remunerado!

Para as pessoas mais empreendedoras e que acreditam que o empreendedorismo pode ser uma porta adequada aos seus objetivos queremos sugerir estas oportunidades como um o programa internacional Erasmus para Jovens Empreendedores e a um nível nacional existem ainda apoios para começares o teu projeto como o StartUP Voucher ou o Empreende Já. Ainda na área do empreendedorismo, mas com um foco na criação de projetos com impacto social, podes criar um projeto solidário com uma duração entre 2 e 12 meses. Neste tipo de projetos podes desenvolver várias competências e contar com o apoio de mentores. O nosso grupo de jovens está a implementar o projeto solidário Skill UP que é apoiado pelo programa CES e pela Agência Nacional Juventude em Acção e, estamos disponíveis para te ajudar a criar o teu.

Queremos reforçar que existem algumas empresas que pagam aos estagiários e devemos dar prioridade a essas oportunidades, mas queremos mais algumas alternativas como os estágios IEFP e PEPAL ao nível nacional. Se preferires a experiência internacional existe o INOV Contacto, PEPAC-MNE e VIE. Por fim, para os leitores residentes das regiões autónomas também existe o programa de estágios internacionais Eurodyssey

Se precisares de ajuda para descobrir alguma oportunidade ou tiveres questões, podes sempre visitar a plataforma de oportunidades Youth Cluster e a nossa equipa irá ajudar sempre que conseguir!

*Na nossa opinião um estágio que inclui subsídio de almoço (aproximadamente 105€ por mês no ano de 2021) é um estágio não remunerado e, por isso mesmo injusto e discriminatório.

Este artigo foi escrito pela Associação Youth Cluster no âmbito da ação de ativismo #PayYourIntern desenvolvida pela mesma e apoiada pelo projeto #Cidadania do programa Cidadãos Ativ@s, uma componente do EEA Grants. O Programa é financiado pela Islândia, Liechtenstein e Noruega, e é gerido em Portugal pela Fundação Calouste Gulbenkian em consórcio com a Fundação Bissaya Barreto.

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Este texto faz parte de uma série de textos de opinião de alunos do ensino secundário e superior sobre a sua visão do ensino e da educação.

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