Nunca me vou esquecer do meu primeiro dia de aulas, na Escola Superior de Tecnologia de Abrantes. Estava sentada numa cadeira a um cantinho da entrada. Apareceu um rapaz trajado a perguntar-me se eu era caloira. Respondi que sim, com uma sensação que era uma mistura de medo com vergonha (nunca gostei de morcegos, e ele fazia-me lembrar um), e já sabia que me iriam chatear com a praxe. Mas do que me adiantava mentir? De certeza que mais tarde ou mais cedo a verdade viria ao de cima, e ainda por cima numa escola com muito pouca gente.
Rapidamente juntaram-se mais “morcegos” à minha volta, a perguntar se eu queria ir à praxe. Disse que não. Gerou-se uma maré de caras de indignação à minha volta. Parecia que tinha dito uma grande barbaridade. Mas qual é o mal de não se querer participar em certas atividades? “O quêeeee?! O que faço consigo caloira?!” – disse um dos indignados. Apeteceu-me rir com o “consigo”. Qual é a lógica de se tratar as pessoas por “você” quando têm poucos anos de diferença de nós? “Nada” – Respondi. Rapidamente vieram os típicos argumentos para se convencer alguém a ir à praxe: “É tradição (também é tradição comer batatas com bacalhau no Natal e eu não como) ”; “Vai conhecer muita gente (prefiro conhecer pouca gente, mas que tenho a certeza que são amigos que poderei contar para o que quiser) ”; “Vão todos menos a caloira (Se todos se atirassem para um poço, tu também te atiravas?) ”; “Vai-se integrar mais facilmente (Cada um que se integre ao seu ritmo. Tudo na vida tem o seu tempo.) ”; “Aqui a praxe não é violenta (Até acredito nisso. Mesmo que não o seja, qualquer praxe é estúpida.) ”; “Não quer trajar? (Não. Não quero. Há coisas melhores para gastar 200€. Esse preço só seria justificável se a capa desse para voar.). Etc.
Para ti que estás a ler isto: Sim, sou anti praxe. E não. Não foram os media que me influenciaram, se bem que há gente que é anti praxe pelo que viu e ouviu nos meios de comunicação social. Não sou uma dessas. Sem mais demoras, vou explicar o porquê de eu ser anti praxe. Há muitos motivos para não se ir à praxe, seja porque há pessoas que não gostam de brincar, porque há pessoas sérias, porque há quem estude na mesma zona onde vive com os seus pais, e eles não deixam … E o que acontece a quem não vai? É discriminado, é um estudante que “não sabe viver a vida académica”, um mariquinhas, não pode trajar (parte mais ridícula. Acho que já é sacrifício suficiente arranjar cerca de 200€ para se comprar um fato que só se usará durante 3/5 anos (8, se fores para medicina) e ainda se tem de fazer o sacrifício de ir a praxes?!), não pode queimar a fita (acho que qualquer um deveria ter esse direito. A queima das fitas simboliza o fim da vida académica, o que é digno de se comemorar).
Onde está a integração aqui?! É isso que é a praxe: é um meio para discriminar pessoas. Quem participa é quem é fixe. Quem não participa é uma seca. É um ciclo vicioso: uns praxam, e no ano seguinte aqueles que foram praxados vingam-se e praxam, para também desfrutarem da sensação de poder. Nunca acaba. Sem praxes é que haveria integração a sério: Acabavam os preconceitos contra os que praxam e os que não querem ser praxados. Em vez de haver praxes, deveria haver atividades que integrassem todos os estudantes, como por exemplo, apresentar alunos mais velhos, visitas guiadas pela cidade e pela escola, etc.
Agora que leste este texto, cabe-te a ti decidir se queres ser praxado ou não. Se quiseres ir vai. Quem sou eu para te proibir? Se não quiseres ir, não vás. Não fui e estou muito bem: tenho amigos, vou a festas e estou-me a safar no curso. Nunca, nunca, mas nunca cedas a pressões (pressionaram-me bastante. Era o que faltava, mandarem em mim! As únicas pessoas que podem mandar em mim são os meus pais e professores!), pois infelizmente há quem não saiba respeitar opiniões e decisões diferentes, quem não conheça e respeite aquilo que se designa por “liberdade de escolha e opinião”.
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Este texto faz parte de uma série de textos de opinião de alunos do ensino secundário e superior sobre a sua visão do ensino e da educação.
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