Iniciarei este artigo de opinião com uma negação: não gosto de escrever textos que se resumam a uma exposição de uma mera perspetiva ou acontecimento pessoal. No entanto, aqui chegados, o que acabarei por concretizar será precisamente o relato de um conjunto de experiências que tive… mas com intenções de aproveitamento da sua utilidade por outros e para alcançar práticas e vivências sociais mais informadas.
Estas experiências que pretendo enunciar prendem-se com o meu percurso académico. Apesar de ter 21 anos e, portanto, ser um novato em muitos aspetos que uma vida pode congregar, em termos do que já fui vendo e passando dentro dos mundos escolar e universitário, posso dizer (acredito) que tenho algum conhecimento de causa relativamente extenso e partilhável. E tal conhecimento relaciona-se com as ideias que, em sociedade, preconcebemos sobre as diferentes áreas do saber.
Eu fui aluno do Curso Científico-Humanístico de Ciências e Tecnologias. Todavia, onde obtinha melhores resultados era sem dúvida em disciplinas genéricas como Português ou Filosofia, ou até Psicologia no 12.º ano. Foi também nestas que residiu o meu fio condutor para a escolha do curso do ensino superior. Após um verão de 2017, não muito sofrido, mas em que acabei por ter uma reviravolta nas opções à última da hora, acabei eleger a Licenciatura em Sociologia (na Faculdade de Letras da Universidade do Porto) devido à multiplicidade de domínios disciplinares que abarca e ao cruzamento poderoso com temáticas que eu aprecio e admiro, tais como o comportamento humano em diferentes contextos, os fenómenos culturais e os processos educativos e políticos. Não obstante, por esta escolha perpassavam várias e legítimas dúvidas e incertezas, quer as mais genéricas e frequentes (desafios da partida para uma realidade universitária, possibilidade de encontrar um emprego decente e do qual gostasse com este curso…), quer as mais específicas e orientadas pela opção deste caminho sociológico (sobretudo concernentes a esta pergunta: seriam os elementos que me pareceram agradáveis no programa da licenciatura suficientes para que aquela fosse uma boa decisão?).
Ainda neste verão, porém também já aquando da frequência do 1.º ano do curso, lembro-me que o meu desconhecimento acerca da Sociologia e da sua importância no mundo era materializável até em pequenas coisas, entre as quais não saber o que fazia um sociólogo e não ter consciência de conhecer sociólogos nacionais ou internacionais reputados. Mas a que mais me denunciava era o facto de nem saber pronunciar bem o nome do curso ou da área: colocava muita tónica no segundo “o” de “Sociologia”, ficando algo do tipo “Sociólogia”. Teve de ser o meu pai, que também não é perito nesta área, a endireitar esta minha pronunciação. Estas ignorâncias não eram, porém, exclusivamente individuais, antes advindo, em simultâneo, das insciências que conhecidos, amigos e família revelavam, a maioria sob vocalizações bem mais intensas que os meus receios.
Terminada a licenciatura, em 2020 e, portanto, no meio de uma pandemia, fiquei a saber muito mais relativamente ao que poderia trazer ao país e ao mundo o trabalho de um sociólogo. Ele pode investigar sobre inúmeros fenómenos sociais, económicos, culturais e políticos ou ensinar o que lhe foi lecionado; participar em equipas de produção de publicidades ou sondagens, ser membro administrativo de um serviço ou organização público/a ou laborar em funções de gestão de recursos humanos. Por isso, ainda que pouco conhecida, a Sociologia tem muitos focos em que pode arregaçar as mangas e por-se à disposição das tarefas e da comunidade. E eu queria fazer uso dos instrumentos e dos saberes que os três anos do curso me tinham fornecido, pelo que a intenção era seguir para um mestrado. Contudo, a educação sempre foi a minha área de perscrutação e de intervenção favorita e sentia que, para aprofundar conhecimentos acerca dos seus processos, deveria remar em direção a uma especialização que fosse capaz de satisfazer esta reconhecida vontade. Portanto, a minha dúvida baseava-se em qual tipo de curso selecionar entre dois: uma continuação na minha área de formação (Sociologia) ou uma mudança para um mestrado mais virado para algum âmbito mais educacional.
Eis que, chegados a julho do ano passado, deliberei e decidi – optei pelo rumo educativo, com as Ciências da Educação da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto a serem a minha escolha final. Só que me apercebi que algumas das apreensões e das vozes duvidadoras tinham voltado e com um perfil bastante idêntico. Regressavam as perguntas “o que é isso, Ciências da Educação?”, “para que serve, vai dar-te algum emprego?”, “não poderias ter escolhido desta vez algo mais útil?”, muito na base das funcionalidades dos cursos, como que se eles se reduzissem a essas funções e não tomassem dimensões de convivência e de aprendizagem tão ou mais importantes que aquelas. Foi-me fácil, por isso, perceber o elemento de similitude com a Sociologia: a pertença destas duas áreas ao leque das ciências sociais e humanas.
Hoje encontro-me no início do segundo semestre do mestrado que frequentemente necessito de designar como “mestrado em educação” para que determinadas pessoas percebam de que é que ele é feito. Mesmo assim, várias delas continuam sem o perceber, visto que encaram a educação como uma ocupação dos professores e não como uma possível área de especialização académico-científica. No entanto, e sem descartar aspetos de que não gosto muito em ambos os cursos, não me arrependo destas duas escolhas que fiz e sei agora o quão irrealistas algumas críticas que me foram apontadas, nomeadamente relacionadas com as questões de emprego, são. Basta pensar no nosso atual governo, no qual três ministros (Augusto Santos Silva, Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Mariana Vieira da Silva, Ministra de Estado e da Presidência, e Grança Fonseca, Ministra da Cultura) são sociólogos, ou pensar que o segundo candidato mais votado nas eleições presidenciais de 2016, António Sampaio da Nóvoa, é doutorado em Ciências da Educação. Ou seja, nem a Sociologia nem as Ciências da Educação são impeditivas de uma alta preparação académica que se permita conjugar com uma valorização política e económica destes domínios disciplinares.
Assim sendo, o único obstáculo que impossibilita o prosperar das ciências sociais e humanas perante a matemática, a medicina ou as engenharias está nas xenofobias com que muitos as observam, nas quais reinam o menosprezo pelas suas potencialidades laborais e a atenção excessiva dada às suas formas de pensar, esta segunda de tal maneira pujante que acaba por colocar aquelas ciências do lado do inimigo. Acredito que deveríamos pensar de forma inversa: aumentar a nossa consideração pelos benefícios de empregabilidade que a Sociologia, as Ciências da Educação, a Arqueologia, a Geografia, a História, entre tantas outras, podem trazer para o enformar de um mercado de trabalho mais diverso e justo; e, em paralelo, diminuir a obsessão que pretende confinar o olhar crítico trazido por estas áreas disciplinares, própria de um tipo de regimes que, pelas piores razões, os portugueses conheceram durante quase cinquenta anos do século XX. E sobre os que seguem estas áreas, regozijo-me com a força que têm mantido para prosseguir com os vossos sonhos, pois estes são também uma forma de mostrar que todos os conhecimentos onde existam rigor e ética merecem ser tratados com igual dignidade financeira e cultural.
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Este texto faz parte de uma série de textos de opinião de alunos do ensino secundário e superior sobre a sua visão do ensino e da educação.
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