Nurse sitting in a corridor while holding her head in a hospital

Um estagiário deixa de ser uma pessoa?

Bem, escrevo porque falar já falo demais, e ironicamente não me tem levado a bom porto. Venho-vos falar do famoso estatuto de aluno estagiário. Neste caso de enfermagem.

Não é puxar a brasa à minha sardinha, porque de facto sou estagiária de enfermagem. É tentar abrir um pouco mentes que são, digamos… “retrógradas”.

Então é o seguinte caros leitores: Atualmente e nos meses que antecederam este momento, estou em estágio. Mais concretamente o estágio final, conforme o plano de estudos instituído na escola superior de saúde onde estudo. Qual é o meu espanto quando comecei a vivenciar estes meses e deparei-me com uma situação… Com uma descoberta até. O aluno estagiário? Estão a ver aquele que na reta final já exerce praticamente a profissão, muitas vezes colmatando falhas do SNS (neste caso) e tapando buracos que toda a gente vê e ninguém quer falar? Pois é, esse mesmo. O aluno estagiário não tem vida para além disso. O dia (apróx. 24h) do aluno estagiário divide-se em 2 partes: ser aluno, e ser estagiário! Ora bem… deixamos portanto de ter o Manuel, a Sofia ou a Rita para termos só e apenas, alunos estagiários. Como é? Identidade? Vida social? Naaa… Onde está a definição disso?



Conto-vos um pouco da minha história abreviada.

Finalizei um dos estágios propostos há umas semanas. E relato-vos em palavras o resumo de 8 semanas. Um aluno realiza o estágio de integração à vida profissional, integrando o serviço onde está, exercendo funções de acordo com um horário de um Enfermeiro. Ora, pois, até aqui tudo bem… Mas a escola sente que não é suficiente. Não! O aluno no final de realizar qualquer turno, repito, qualquer (envolve Manhãs, Tardes e Noites), ainda terá de chegar ao seu alojamento habitual, e realizar uma panóplia de trabalhos que o plano de estudos exige. Entre alhos e “bogalhos”, o aluno ainda terá de confecionar as suas refeições (espanto! Um aluno cozinha, é verdade!), terá de tratar das suas roupas (não, a mamã não está cá), e terá de realizar as atividades básicas do ser humano, que envolvem a higiene, o descanso e essas coisas que aparentemente no século aquando as pessoas que “confecionaram” o plano de estudos, não deviam existir. Desde relatórios, a trabalhos escritos, a sessões de educação intermináveis, o super aluno (acho que vou começar a denominar assim) terá de ter vida própria! Eis o desafio.

E claro, eu como não sou nenhuma exceção, enfrentei-o. Mas ups… surgiram algumas complicações. Aparentemente os familiares também adoecem! Aparentemente, a economia portuguesa está tão boa, que tive de trabalhar após o estágio para poder continuar a estudar! E eu penso… o que terá ocorrido nos pensamentos de algumas pessoas que elaboram este tipo de planos de estudos que incluem mais papelada para eu fazer do que refeições que faço diárias?

Pois é… tive de corresponder e cumprir este plano que hoje em dia incutem, por vezes numa sala de espera de um hospital a redigir documentos, ou a fazer as famosas “diretas”. E tudo isto para quê? Para saber elaborar um artigo? Para escrever umas páginas e ter uma espécie de livro que avalia tudo? Acho que os dedos das mãos e dos pés não chegam para contar a quantidade de trabalhos que foi exigido ao longo destes 4 anos. Mas claro… é nas palavras que se vê a aptidão do aluno. Por isso, caros leitores, é que neste plano de estudos que tanto vos falo, um relatório vale tanto como um estágio! Não, não é 1 de Abril. É verdade. Um estágio onde estou a exercer todas as funções da minha futura profissão, vale o mesmo que um relatório redigido se for preciso nas condições mais precárias da minha condição humana. 50/50 meus amigos, não há facilitismos. Então pelas palavras vocês não vêm logo que um aluno consegue colocar um cateter 16G, em casos emergentes, numa boa? Que consegue algaliar um doente cumprindo a técnica assética? O quê? Não sabiam isto? Pois é… se calhar as palavras não dizem tudo.

Mas vá, não estou aqui só para criticar. Um relatório pode ser visto com bons olhos, porque é o mesmo que relata a experiência do aluno quando está fora do contexto escolar, e compreendo que as entidades queiram tomar conhecimento disso. Mas equilibrem lá a balança pode ser? E um relatório chega. Deixem as outras papeladas para quem as quer fazer. Porque eu não quero. Eu quero ter vida social, quero poder terminar o turno e não ter de me fechar em casa a olhar horas a fio para o computador sem saber o que escrever, e no fim perceber que já passou a hora “aceitável” de jantar e que vou ter de comer uns cereais ou uma fast food porque amanhã faço turno cedo e também tenho o péssimo hábito de gostar da atividade básica que é dormir.

Posso terminar o turno e ir comer um gelado num ambiente social com os meus amigos? Sabem… dar um pouco mais de compreensão aos alunos, não leva a que eles deixem de estudar e passar o tempo livres em festas a viver la vida loca. Calma… Alguns podem só querer estar com os amigos, 1 horita na esplanada a comer um gelado e a partilhar como foi o dia.

Tenho muito orgulho no que me estou a tornar, mas quero que as gerações futuras não tenham de passar por isto para conseguirem sentir o gosto que é ter uma licenciatura.

Aluna Estagiária? Sim. Mas filha, sobrinha, amiga, namorada? Também. Por isso deixem-me ser EU, e parem de tentar formatar os alunos. Não estamos em formato word. Desculpem.

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Este texto faz parte de uma série de textos de opinião de alunos do ensino secundário e superior sobre a sua visão do ensino e da educação.

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