Parte da minha vida foi passada em terras transmontanas. Melhor, a essa parte, ou a grande parte dela, prefiro chamar-lhe, apenas, ‘existência’.
Foi um período que consegui, da forma mais eficaz que pude, ‘esconder’ num recanto bem escuro da minha mente. Ao abandono.
As razões? Estas:
Mas…
Muito recentemente, por variadíssimas razões, comecei a debater-me com a necessidade de saber lidar com problemas passados, encará-los de forma natural. Não é fácil (mas tem de ser feito).
Decidi que voltaria a Vila Real por altura da Semana da Queima das Fitas, envergando o meu velhinho Traje.
E assim foi. Quando cruzei, a pé, a ponte que atravessa o Corgo e liga a ‘cidade velha’ à ‘cidade nova’, assaltou-me uma memória daquele outro tempo:
A primeira (e única) vez que tinha usado aquele Traje, em Vila Real, havia sido no início do 1º ano, pouco depois de ter entrado para a UTAD.
Era um rapazola reservado, mas gostava de ‘picar’ os ânimos, de semear a discussão. Dava-me gozo.
No seguimento dos acontecimentos (por mim relatados no link mais acima discriminado) do primeiro dia de aulas, decidi aparecer à Faculdade envergando a “negra farda”.
Foi a confusão (à chegada ao Complexo Pedagógico). Os colegas de turma, que haviam escutado a (estafada) ladainha praxistica, ficaram completamente baralhados. Alguns riram-se.
Os “sôdoutores” atacaram-me sem apelo nem agravo.
Fui insultado, coagido, ameaçado. Só não levei ‘na cara’ porque não calhou. E porque não me calei. Pus-me a jeito, é verdade, mas fiz o que sentia ser o correcto. Desisti de assistir às aulas daquele dia.
Do Complexo Pedagógico ao portão da UTAD distavam uns bons dois quilómetros. Fazia esse caminho a pé. Nesse dia, fui seguido por um carro, com três asnos a bordo. Insultaram-me desde esse complexo até ao pólo de Medicina Veterinária.
– Nunca mais apareças por cá! Florzinha do caralho!
Vim para Guimarães no mesmo dia. Recordo a passagem pela ponte em passo apressado em direcção à gare da Rodonorte (com camioneta às 15:15, mudança em Amarante e no Alto da Lixa).
É claro que apareci. E as ameaças, as bocas, as esperas, repetiram-se por uns tempos. E eu defendia-me como podia: com palavras. Depois passou. Foi passando.
Vila Real foi um tempo duro:
– Por que é que não fazes como os outros?
– Se andasses na tropa seria muito pior.
– A culpa é tua.
Habituei-me a estas frases (ao telefone). E acreditei que a culpa fosse minha (e não estive isento dela, nalgumas questões). Durante muito tempo. Mas, ainda assim, não consegui ‘deixar-me ir na onda’ (isto não é uma analogia com o Meco).
Quando (a etapa de) Vila Real terminou, senti um alívio enorme. Mas as sequelas foram, ainda assim, tremendas (desfiá-las-ei, a seu tempo).
E ali estava eu, doze anos depois de ter abandonado a capital transmontana, pronto a lidar com os fantasmas do passado. De Traje envergado, a assistir ao começo da Semana da Queima (enquanto aluno, não assisti a qualquer uma das três que corresponderam aos anos que por lá estive).
Ninguém me fez perguntas. Na verdade, (quase) ninguém me conhecia. E senti, sem qualquer réstia de medo ou inquietação, que talvez pudesse vir a gostar de Vila Real e da UTAD, agora.
E se…?
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Este texto faz parte de uma nova série de textos de opinião de alunos do ensino secundário e superior sobre a sua visão do ensino e da educação.
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