Decidi escrever este desabafo, porque há um ano atrás queria poder ter lido algo parecido para me ajudar a limpar a imensa confusão que ia na minha cabeça. Desde pequena que dizia, “quero ser médica”, e, a verdade é que, à medida que ia crescendo, não conseguia imaginar-me noutra coisa. Pois é, um sonho que, quando se entra no secundário se vai desvanecendo ao depararmo-nos com as imensas dificuldades que ele oferece.
Após muita luta, porque quem estuda no público sabe o quanto custa acabar com média interna de 18, percebi que não ia, de todo, entrar em medicina. A média era boa, mas conseguir 18 nos três exames de acesso, para conseguir candidatar-me com uma média de 18 e mesmo assim entrar à rasca… missão quase impossível. Poderia parar um ano a fazer melhoria, mas já ia entrar na universidade com 20 anos, ou seja, esta hipótese não estava mesmo nas minhas opções. A minha nota para entrar em medicina era tão pobre que não havia universidade possível no país. Até que, ao longo do 3º período, já tinha arranjado uma solução, engenharia biomédica, não parecia mau. Pouco sabia do curso, claro que a semelhança com medicina era, provavelmente, 5%, tirando uma cadeira ou outra de anatomia ou fisiologia, era essencialmente, cálculo, física, blá blá, não que não gostasse, mas enfim, lá tinha de ser.
Só que, no momento da candidatura, qual seria a minha 2o opção se não entrasse em biomédica? Decidi que não queria sair da minha área de residência, a qual possui uma das mais altas médias para entrar em engenharia biomédica. Não imaginam o meu drama, já foi difícil escolher uma alternativa a medicina, então outras opções… Até que numa conversa com a minha cunhada enfermeira, ela me diz: “Já pensaste em enfermagem? Uma colega minha disse-me que isto daqui a uns anos vai melhorar bastante”. Claro, porque quem pensa em enfermagem vem logo uma palavra atrás, desemprego. Acreditam que nunca me ocorreu a ideia de ser enfermeira? Não sei porquê, talvez devido ao desemprego. Mas se pensarmos bem, tem mais semelhanças com medicina do que engenharia biomédica. Apesar que, as médias de enfermagem são relativamente baixas, 14 e 15, andar-me três anos a matar para entrar num curso com média de 14, frustrante. Mas lá teve de ser, enfermagem como segunda opção, sem problema, eu ia entrar em biomédica.
Só que não, por duas décimas não entrei em engenharia biomédica, bem-vinda a enfermagem. E agora?
Primeira semana de aulas, só pensava na 2a fase. O meu novo dilema: biomédica como 1º opção, qual seria a 2ª? Depois de uma conversa com uns amigos, comecei a ponderar engenharia biológica, a média era relativamente baixa e o primeiro ano tem muitas cadeiras iguais às de biomédica, poderia para o ano seguinte pedir equivalência e entrar logo no 2o ano de biomédica com algumas cadeiras para fazer do 1o ano. E se para o ano não conseguisse a transferência ou entrar novamente no curso? Ia continuar em engenharia biológica… isso é que não! Foi uma das semanas mais horríveis daquele ano, entre o trabalho de férias que estava a terminar e a necessidade de tomar uma decisão, fui parar às urgências com dores de cabeça que duravam há dias. Devem estar a pensar, o que é que nos interessa que tenhas ido parar às urgências? Foi o melhor que me aconteceu.
Fui atendida por um médico relativamente novo e muito simpático, disse logo que deveria andar muito ansiosa, e bem, desabafei que sim… estava em enfermagem sem saber se haveria de continuar. Ele ficou muito contente quando lhe disse isso, disse que não era fácil ser enfermeiro e que admirava a profissão deles, que eles necessitam de tanta técnica, que ele seria um péssimo enfermeiro. Pois, e eu desabafei mais um pouco, que queria era medicina. E olhou para mim com mais entusiasmo ainda, disse para não desistir dos meus sonhos. Também lhe disse que tinha medo do desemprego daquela profissão e do salário injusto e, ele disse que, pelo que tinha visto, todos os que tinham estagiado lá, ficaram a trabalhar e não ganhavam assim tão mal. Além disto, também me disse que o melhor amigo dele, médico também, não conseguiu emprego no Norte e teve de ir para o Sul, ou seja, o paraíso dos médicos já não é como se pensa. Aquilo foi tudo, menos uma consulta normal, é por isso que adoro medicina, o trabalho deles não é só receitar medicamentos e diagnosticar doenças, mas ajudar as pessoas e aos seus dramas. Acredito que tudo acontece por uma razão, e esta foi uma delas. E sim, foi graças ao médico que nem me candidatei à segunda fase.
Comecei a ponderar fazer medicina para pós licenciados, o curso de enfermagem fornece boas bases para conseguir entrar. E lá fui eu, entre aulas de anatomia, patologia, farmacologia que me fascinavam e outras que não agradam a ninguém como a história da enfermagem, fui-me apaixonando por esta profissão. Os professores diziam: “quem está aqui porque não entra em medicina que desista, medicina não tem nada a haver com enfermagem”. E nós? Para onde vai um estudante que não consegue entrar em medicina? Temos escrito “falhados” na testa? Temos de ser assim tão julgados, porque ficamos mais fascinados em ouvir falar de doenças do que no resto das coisas? Óbvio que não.
Ao fim de um ano duro cá estou eu, não foi pera doce não, se pensam que enfermagem é fácil como eu pensava, só porque tem uma média baixa? Esquecem completamente. É esgotante e com uma carga horária terrível. Encontrei em enfermagem o que me fascina na medicina, doenças, fármacos, contacto com pessoas e mudar as suas vidas, fazer algo de bom para os outros e encontrar sentido na vida ao servi-los. É preciso humildade para ser enfermeiro, porque o enfermeiro é aquele que está ao lado do doente nos seus piores momentos e sofrimento, e também nos seus melhores, porque quando têm alta, é ao enfermeiro que o doente vem dizer adeus e mostrar o seu sorriso enorme, o médico só faz um pequeno passeio, matinal, normalmente.
Calma, não vou ser uma enfermeira frustrada por não entrar em medicina, continuo a admirar essa profissão, aliás, eles salvam vidas. O meu coração vibrava quando via os caloiros de medicina com a t-shirt amarela, ou quando, durante o estágio no hospital, os via nos corredores com as fitinhas amarelas ao pescoço.
O primeiro estágio de enfermagem é duro, principalmente no hospital, dar banho aos idosos, mudar fraldas, transferi-los da cama para banho ou para o cadeirão, o esforço físico intenso. Não é isto que me faz apaixonar por enfermagem, apenas sei que os anos seguintes vão ser melhores e, que um dia, quando trabalhar, não vai ser isso que vou fazer (não na maioria das vezes). Mas sabem, ouvir um “obrigada menina, por tudo,” não tem explicação e anestesia os cheiros das fezes e da urina que têm de limpar. Há mesmo momentos em que se apegam a certos idosos como se fossem avós, não que isso um dia seja saudável, mas no primeiro estágio, é das melhores coisas.
Não dramatizes, estas coisas também me horrorizavam, mas na hora não custa assim tanto, prometo. E agora, se mesmo assim ao fim de leres isto não te imaginas em enfermagem, se calhar é normal sabes, como referi, eu também nunca me imaginei.
Ah! E quanto a medicina, como já disse, talvez ao fim do curso, quem sabe… Não tenham medo de mudar de rumo, a vida é mesmo assim, mesmo atrás de coisas más, existem coisas boas e temos de amarrar essas. Boa sorte!
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Este texto faz parte de uma série de textos de opinião de alunos do ensino secundário e superior sobre a sua visão do ensino e da educação.
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