3 novos cursos de Medicina chumbados pela A3ES nos últimos 6 meses

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Nos últimos seis meses, três propostas de novos cursos de Medicina em Portugal – na Universidade Lusófona, na Universidade de Évora e na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) – foram reprovadas pela Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES). As decisões, justificadas por falhas nas condições de ensino e formação clínica, travam a abertura iminente destes cursos e levantam questões sobre o impacto para os candidatos a Medicina e os passos futuros destas instituições.

UTAD: falta de garantias no corpo docente e formação clínica

O projeto da UTAD para abrir um mestrado integrado em Medicina foi chumbado pela A3ES em duas ocasiões. A decisão mais recente, em outubro de 2024, apontou “insuficiências” no corpo docente da UTAD. Em particular, os peritos consideraram que, embora a proposta fosse “atrativa”, não apresentava um programa suficientemente estruturado e robusto de formação pedagógica para os futuros docentes clínicos, nem detalhava de forma adequada a articulação com os hospitais parceiros. Estes fatores impediam garantir a qualidade do ensino clínico no plano curricular proposto.

Perante o chumbo, a UTAD manifestou determinação em melhorar a candidatura. O reitor Emídio Gomes anunciou que a universidade entregou uma nova proposta em fevereiro de 2025, incorporando as correções solicitadas pela A3ES. Entre essas correções está a elaboração de um plano detalhado de formação pedagógica para os docentes e o reforço da coordenação logística com as unidades de saúde regionais envolvidas. A UTAD estabeleceu parcerias com a Unidade Local de Saúde de Trás-os-Montes e Alto Douro e criou um centro académico clínico em colaboração com o hospital distrital, na expectativa de assegurar a componente prática do curso.

O arranque do curso em Vila Real em 2025 ainda é incerto. Caso a A3ES dê um parecer favorável até final de maio, a UTAD acredita ser possível iniciar o curso já no ano letivo 2025/26; caso contrário, o lançamento terá de ser adiado para o ano seguinte. Estavam previstas 40 vagas iniciais para Medicina na UTAD, um projeto visto localmente como estratégico para fixar médicos no interior e atrair estudantes para uma região marcada pelo despovoamento. A decisão de chumbo causou por isso “surpresa e indignação” a nível local, chegando a ser criticada por autarcas e forças políticas que recordaram o apoio público que a iniciativa recebera do governo anterior.

 

Évora: curso reprovado por falhas no plano, docentes e condições clínicas

Também a Universidade de Évora viu a sua candidatura a um curso de Medicina recusada pela A3ES. A proposta – submetida em 2024 e que previa um arranque gradual com 40 alunos – foi chumbada em fevereiro de 2025, após avaliação negativa da comissão externa. Na deliberação divulgada a 28 de fevereiro, a A3ES identificou diversas falhas no projeto da academia alentejana: a “visão da instituição sobre o projeto educativo” estava pouco desenvolvida e carecia de maior estruturação, e o plano de estudos necessitava de revisões significativas para incluir áreas essenciais em falta e garantir coerência. Além disso, “não se documentaram mecanismos de governação robustos nem infraestruturas educativas adequadas no âmbito das parcerias para o ensino clínico”, observou a agência, concluindo também que faltava um plano abrangente de desenvolvimento do corpo docente. A comissão de avaliação questionou ainda o nível de envolvimento dos hospitais e tutores clínicos no planeamento do curso, considerado insuficiente face às exigências da formação médica.

Dados específicos indicam que a UÉvora não cumpria vários requisitos mínimos legais no corpo docente: apenas 56% dos professores previstos integravam carreira docente (quando o mínimo exigido é 75%); só 38% tinham formação médica (requere-se pelo menos 50%) e apenas 22% dos docentes médicos possuíam doutoramento, muito aquém dos 60% exigidos. Estas lacunas, aliadas a dúvidas sobre a componente clínica – que dependeria do futuro Hospital Central do Alentejo, ainda em construção e atrasado – levaram ao parecer negativo da A3ES.

A reitora da Universidade de Évora, Hermínia Vasconcelos Vilar, reagiu com determinação. Reconhecendo as críticas da A3ES, afirmou que a universidade irá “tentar corrigir naquilo que é de corrigir e ressubmeter, proximamente, uma nova formação em Medicina”. A UÉvora tenciona reforçar as parcerias com unidades de saúde locais e ajustar o plano de estudos, defendendo que a sua proposta é “original, inovadora e com qualidade”, e sublinhando que considera este curso “uma aposta essencial para o território e para o país”. A reitora não se comprometeu com datas, mas não afastou a possibilidade de o curso poder arrancar apenas no ano letivo 2026/2027, caso a acreditação venha a ser obtida numa próxima tentativa. Até lá, a universidade continuará a investir em infraestrutura (está em concurso a construção de uma nova Escola de Saúde em Évora, junto ao futuro hospital central) e na capacitação do corpo docente, para alinhar o projeto com os padrões exigidos.

Lusófona: proposta de universidade privada travada por falta de acreditação

No ensino superior privado, a Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias (ULHT) é outra das instituições cujo sonho de abrir um curso de Medicina esbarrou nas exigências da A3ES. A Lusófona apresentou uma candidatura para um mestrado integrado em Medicina (que seria lecionado em Lisboa) e aguardava autorização para aquele que seria o seu primeiro curso médico. No entanto, a A3ES não acreditou o ciclo de estudos, inviabilizando a abertura do curso nos moldes propostos – um desfecho divulgado nos últimos meses e que coloca a Lusófona ao lado da UÉvora e da UTAD no lote de cursos chumbados recentemente.

 

Embora os detalhes oficiais sobre os motivos do chumbo na Lusófona não tenham sido amplamente divulgados, as razões apontadas seguem o padrão das avaliações anteriores a projetos privados. Segundo Alberto Amaral, presidente da A3ES, muitas propostas privadas têm sido chumbadas devido a “problemas com o corpo docente” e insuficiências na qualidade e capacidade das unidades de saúde parceiras para a formação clínica. No caso da Lusófona, a candidatura decorria em parceria com o Hospital Fernando da Fonseca (Amadora-Sintra), unidade pública, e com um grupo hospitalar privado (Hospitais Lusíadas). Os peritos da Ordem dos Médicos e da A3ES levantaram dúvidas sobre a capacidade de formação prática nesses hospitais, nomeadamente se haveria camas e diversidade de pacientes suficientes para os estudantes, tendo em conta que a região de Lisboa já recebe alunos de outras faculdades de medicina e inúmeros médicos internos em treinamento. Também foram assinaladas possíveis lacunas no corpo docente contratado e na existência de infraestruturas de ensino médico, como centros de simulação clínica, necessários para uma formação de qualidade. Em suma, tal como sucedeu em propostas privadas anteriores, faltaram garantias de condições equiparáveis às das escolas públicas existentes.

A Universidade Lusófona, que já em 2010 tentara sem sucesso criar um curso de Medicina, não baixou os braços. A instituição manifestou intenção de continuar a trabalhar para cumprir os critérios de acreditação. De acordo com informações divulgadas, a Lusófona (juntamente com a CESPU, outra entidade privada) continua a tentar aprovar novos cursos na área da saúde. É expectável que a ULHT reformule a sua proposta de Medicina, procurando reforçar o corpo docente (por exemplo, contratando mais professores doutorados em Medicina) e celebrando acordos adicionais que assegurem mais vagas de ensino clínico em hospitais e centros de saúde. Até ao momento, porém, apenas duas instituições privadas – a Universidade Católica Portuguesa e a Universidade Fernando Pessoa – obtiveram acreditação para Medicina. A Católica abriu Medicina em 2021, após superar um rigoroso processo de avaliação, e a Universidade Fernando Pessoa viu o seu curso acreditado pela A3ES em 2023, com aulas a decorrer no Porto e em Gondomar. O caso da Lusófona evidencia a elevada bitola de qualidade exigida pela A3ES para novos cursos médicos, seja no setor público ou privado.

Impacto para os estudantes e próximos passos

As decisões de chumbo destes três cursos de Medicina têm implicações diretas para os estudantes que ambicionavam candidatar-se a eles nos próximos concursos de acesso ao ensino superior. Num contexto de enorme procura pelos cursos de Medicina, a abertura de novas vagas em UTAD, Évora e na Lusófona poderia aliviar ligeiramente a pressão e oferecer oportunidades adicionais, sobretudo em regiões do interior. Com o travão da A3ES, essas vagas adicionais não se concretizarão para já, mantendo-se praticamente inalterada a oferta formativa em Medicina a curto prazo. Para o ano letivo de 2025/2026, continuarão disponíveis cerca de 1594 vagas nos cursos de Medicina das instituições que já estão em funcionamento, distribuídas sobretudo pelas oito faculdades públicas e pelas duas privadas já acreditadas. Os candidatos terão assim de disputar os lugares nas escolas existentes, sem poder contar, no imediato, com as alternativas em Vila Real, Évora ou Lisboa (Lusófona) que chegaram a estar na mesa.

No plano institucional e político, estes chumbos suscitam discussão sobre o equilíbrio entre a urgência de formar mais médicos em Portugal e a necessidade de garantir a qualidade da formação. Os projetos da UTAD e da UÉvora tinham sido publicamente apoiados pelo Governo – foram anunciados pelo primeiro-ministro, Luís Montenegro, em agosto de 2024, como parte da resposta à falta de médicos no Serviço Nacional de Saúde. Também governos anteriores, do Partido Socialista, defenderam a criação de mais vagas de Medicina (em 2021, o então ministro Manuel Heitor apontara precisamente Évora, Vila Real e Aveiro como locais para novas formações médicas). No entanto, a A3ES, enquanto entidade reguladora independente, entendeu que não estavam reunidas as condições necessárias para acreditar estes cursos, prevalecendo critérios técnicos rigorosos sobre as intenções políticas. Do lado das universidades, prevalece agora a intenção de aperfeiçoar os projetos e voltar a submetê-los a avaliação.

Para a UTAD, há uma expectativa cautelosa de ainda conseguir iniciar o curso em 2025, caso a resposta da agência seja positiva dentro dos prazos que permitam a abertura de vagas no próximo concurso nacional. A Universidade de Évora, por seu turno, projeta um calendário mais longo; a reitora admite que 2026/2027 pode ser um objetivo realista para ter o mestrado integrado em Medicina a funcionar, após assegurar todas as melhorias exigidas. Já no caso da Universidade Lusófona, o caminho passa por retomar conversações com a A3ES e potenciais parceiros de saúde, de modo a relançar a candidatura num futuro próximo. Fontes ligadas ao processo indicam que a ULHT irá reforçar as parcerias clínicas e o quadro docente antes de submeter de novo o pedido de acreditação.

Entidades como a Ordem dos Médicos e os representantes estudantis têm acompanhado de perto estas evoluções. A Ordem tem reiterado que a abertura de novas faculdades de medicina deve cumprir rigorosamente os padrões de qualidade, sobretudo no tocante à formação prática dos alunos nos hospitais. Por outro lado, associações académicas e autarcas das regiões envolvidas alertam para a necessidade de formar mais médicos e levar o ensino médico ao interior, apelando a que se ultrapassem os obstáculos identificados. O desafio, daqui em diante, será conciliar a expansão do ensino de Medicina com a garantia de excelência: as universidades de Vila Real, Évora e a Lusófona mostram-se empenhadas em ajustar os seus projetos para, quem sabe num futuro próximo, concretizarem o objetivo de abrir novas vagas de Medicina em Portugal. Até lá, os candidatos mantêm-se atentos e esperançosos de que essas oportunidades possam vir a materializar-se, uma vez cumpridos todos os requisitos de acreditação.