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À conversa com um aluno de Enologia

Maria (M.): Fala-nos um pouco do teu curso, em que consiste e quais são as suas saídas profissionais.

Diana Felizardo (D. F.): Estou no curso de Enologia na UTAD, uma licenciatura única no país. O curso, na sua essência, ensina-nos a ser viticultores mas com uma profundidade científica que não existia antigamente. Quando os alunos acabam o curso, a sua maioria vai trabalhar em quintas ou cria a sua própria empresa, embora também possam trabalhar em laboratórios de análises de vinho, restaurantes ou tornar-se sommelier e fazer provas de vinhos.

Hugo Silveira Gouveia (H. S. G.): Estudo Enologia na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. O curso possibilita uma sólida formação na área da vitivinicultura, trabalhamos tudo desde a videira até ao produto final, o vinho. Com a licenciatura podemos trabalhar na área vitivinícola como enólogos, em laboratórios de controlo de qualidade, em empresas de comercialização, marketing, assistência técnica e formação relacionadas com o setor.

Tita Cardoso (T. C.): Licenciei-me em Engenharia Biotecnológica, que consiste numa engenharia de investigação e laboratorial, que abrange várias vertentes (microbiologia, genética, enologia, agronomia, ambiental, alimentar, entre outros). A partir desta licenciatura temos acesso a várias áreas de investigação em que a minha escolha foi alargar conhecimentos na área de enologia e viticultura, o que me permite realizar as análises físico-químicas e microbiológicas de todo o processo de produção do vinho.

 



 

M.: O que te levou a escolher o teu curso e que factores tiveste em conta? Foi a tua primeira escolha?

D. F.: O que me levou a escolher Enologia como primeira opção foi o facto de ser uma área muito interessante, pouco conhecida e é claro, gostar de vinho e da vinha. Eu costumo dizer que os Enólogos são os magos que criam felicidade em estado líquido, o que não foge muito à realidade.

H. S. G.: Só vim a descobrir este curso no meu último ano do secundário e ficou-me sempre na cabeça como um curso a considerar.

 

Estava indeciso entre Medicina Veterinária e Enologia. Como os exames não me correram tão bem como eu esperava, decidi-me por Enologia e foi a minha primeira opção na candidatura. Pesquisei muito sobre o curso e a área e, antes da minha matrícula, já tinha a certeza de que tinha feito uma boa escolha e que encaixava no meu perfil. Posso dizer que foi a minha primeira escolha e que não a trocaria por nada, apesar de ter sido um pouco repentina.

T. C.: Esta área de formação foi a primeira e a única a ser escolhida, isto porque a minha primeira experiência profissional após concluir a licenciatura foi como analista vinícola e de certa forma adorei esta área e pretendi alargar o meu conhecimento sobre a mesma.

 

M.: O que é que te surpreendeu pela positiva e pela negativa no curso?

D. F.: O que mais me surpreendeu pela positiva no curso foi mesmo a ajuda dos alunos mais velhos para com os caloiros, tendo em conta que sendo o mundo da enologia pequeno, toda a gente é concorrência. No entanto, não senti de todo que as pessoas quisessem causar danos às outras; por outro lado, senti que a UTAD ‘renega’ um bocadinho o curso, sabendo que é a única a ter esta licenciatura no país e recebe alunos de muitos países todos os anos para a frequentar. Penso que podem ser feitas mais coisas a nível administrativo da UTAD para dar mais a conhecer a Licenciatura no país.

H. S. G.: Surpreendeu-me muito pela positiva termos mais do que um estágio de vindima, o que nos possibilita logo desde o início começar a aplicar toda a prática que aprendemos, começar a ver que responsabilidades vamos ter no nosso futuro. Gostei, também, do facto dos alunos de todos os anos conviverem sem grandes problemas.

Negativamente, encontrei uma ou outra unidade curricular de que não gostei e que acho que não se encaixa completamente no curso e que não ganhamos muito com ela, ou que podia ser melhor lecionada.

T. C.: Os aspetos positivos foram no sentido de adquirir conhecimentos sobre várias empresas existentes nesta área, novas metodologias para a produção do produto final e aspetos importantes a ter na vinha.

Os aspetos negativos foram: unidades curriculares de elevada importância foram expostas num curto espaço de tempo em que a matéria lecionada era elevada e o curso em si era muito teórico, mesmo tendo unidades curriculares de matéria bastante prática em que seria mais vantajoso obter métodos mais práticos de expor a matéria para que esta fosse entendida de forma mais simples pelos alunos, pois nem toda a gente pertencia à licenciatura de enologia.

 

M.: Como tem sido a experiência de estudar nesse curso? O que é que te marcou mais?

D. F.: Até agora a experiência está a ser espetacular. O facto de ter sido desde muito cedo a minha primeira opção ajuda muito, mas mesmo os mais desinteressados estão a gostar. De tudo o que se passou este ano, o que mais me marcou foi o “carinho” que alguns professores têm pelo curso, pelo que esses mesmos foram os que mais nos ajudaram ao longo do ano.

H. S. G.: Sem dúvida nenhuma que foram as pessoas que conheci e as experiências que vivi. Posso dizer que já aprendi e que já cresci muito somente neste primeiro ano.

T. C.: Como mencionei anteriormente, a experiência neste curso foi boa, pois tinha como objetivo o alargamento de conhecimentos nesta área. O que me marcou mais foi a boa interação entre alunos e professores.



 

M.: Como descreverias a tua adaptação ao ensino superior? Quais foram os teus principais desafios?

D. F.: A adaptação foi fácil. Claro que nos primeiros dias andei feita barata tonta, mas lá entrei nos eixos e continuei. Os maiores desafios que tive foram acompanhar a matéria dada à velocidade da luz e conciliar isso com a praxe, embora os meus doutores fossem muito benevolentes.

H. S. G.: Para mim foi uma adaptação bastante tranquila. Um desafio que vem sempre que mudamos de ciclo é o nível de dificuldade, temos que estudar mais, mas no ensino superior como, em princípio, já estamos numa área que nos interessa mais, já se torna mais fácil.

T. C.: A adaptação foi boa em questões de interação na escola, de colegas e professores. O maior desafio foi inteirar-me de determinadas unidades curriculares em que não tinha bases adquiridas tanto no secundário como na licenciatura.

 

M.: Achas que o teu curso te prepara para o exercício da profissão, isto é, que adquires as principais competências que um profissional dessa área deve ter?

D. F.: A licenciatura em Enologia na UTAD tem a vantagem de ter uma vinha à disposição para as aulas práticas de viticultura, onde no primeiro ano aprendemos os básicos de poda e de enxertia. Ao longo do curso temos outras cadeiras que nos preparam para a parte prática de um laboratório de Enologia, de como fazer vinho decente desde o momento em que se recebe as uvas, etc. Basicamente, desde o primeiro ao terceiro ano, aprendemos a fazer vinho da uva até à garrafa. Temos também estágios de vindima obrigatórios que nos preparam para o mundo real de uma adega, onde temos aquele choque com a realidade que por vezes pode determinar a continuação de um aluno no curso ou não. Costuma-se dizer que depois da vindima, ou se ama ou se detesta enologia.

H. S. G.: Acho que sim. Como já disse anteriormente, os nossos estágios ajudam-nos imenso em termos de prática e até de fazer contactos. Acabamos o curso com pelo menos três vindimas no currículo, o que ajuda imenso relativamente ao trabalho futuro.

Quase todas as matérias que nos são lecionadas completam-se de forma a que nos tornemos enólogos completos, capazes de fazer um bom trabalho.

T. C.: As principais competências adquiri, mas na verdade só se obtém os verdadeiros conhecimentos e à vontade no ramo profissional quando se põem em prática os conhecimentos teóricos obtidos.

 

M.: Consideras o teu curso difícil? Porquê?

D. F.: É assim, não é engenharia aeroespacial, mas também não se faz às três pancadas. Há cadeiras mais simples mas também há aquelas que só se faz a estudar muito e mesmo assim é complicado…

H. S. G.: Não, não considero. Não é mais difícil do que qualquer outro curso. Como qualquer outro temos de trabalhar, os professores não facilitam. Temos cadeiras trabalhosas como as químicas, mas também temos uma componente bastante prática de campo, o que torna o curso um pouco mais agradável para quem gosta.

T. C.: Quer a licenciatura quer o mestrado são cursos de alguma dificuldade pois estamos a ser postos sempre “á prova”, se realmente formos portadores de conhecimentos básicos dados durante a formação. Contudo, são cursos bastante interessantes e nada metódicos de que facilmente conseguimos gostar, e aí tudo se torna bem mais simples.

 

M.: Quais são as tuas expectativas no que toca à entrada no mercado de trabalho? Que perspectivas tens?

D. F.: A entrada no mercado de trabalho já foi mais simples, mas não penso que esteja muito complicado. Há sempre empresas a pedir gente para trabalhar e os estágios são sempre bons para um currículo. Na pior das hipóteses vamos para fora, com destinos desde a vizinha Espanha até à China, passando pela Califórnia, Nova Zelândia e Austrália. Há literalmente um mundo de opções. Eu falo por mim: quero fazer 3 estágios em 3 zonas vitícolas portuguesas, depois talvez parta para um estágio internacional e depois assento em qualquer lado, embora as minhas preferências sejam a França e a Austrália.

H. S. G.: Espero que com a experiência consiga um trabalho como enólogo assistente. Há sempre novos projetos a abrirem todos os anos, penso que não seja muito difícil arranjar trabalho, se não for em Portugal, não me oponho a ir para fora.

T. C.: Conseguir trabalhar numa empresa vinícola e alargar a minha experiência profissional tanto no ramo laboratorial como no funcionamento de uma adega.



 

M.: Pensas em continuar a estudar para um mestrados/doutoramentos ou pós-graduações?

D. F.: Ainda não pensei bem no assunto. Por enquanto quero acabar o primeiro ciclo e depois logo se vê.

H. S. G.: Neste momento ainda estou indeciso. Se prosseguir estudos, será para expandir um pouco o meu leque de aprendizagens. Tirar um mestrado em Engenharia Agronómica para talvez poder aprender um pouco sobre outras áreas da agricultura para além da viticultura. Ou talvez um mestrado em Gestão ou Turismo para poder também completar a minha formação.

T. C.: Agora o meu foco principal é estabilizar-me no mercado de trabalho, após isto dar continuação aos estudos é um ponto principal, fazendo formações, algumas pós-graduações ou até mesmo mestrados noutras áreas adjacentes à minha formação. A atualização de conhecimentos e novos conceitos é uma mais-valia para o desenvolvimento desta área e aquisição de novas metodologias.

 

M.: Se soubesses o que sabes hoje, candidatavas-te para o mesmo curso novamente? Porque?

D. F.: Óbvio que sim. Enologia para mim antes era um gosto e agora é uma paixão, é como se me dessem chocolates todos os dias na sala de aula. Tem os seus pontos fracos e fortes mas é um curso fenomenal. Após este tempo todo, Enologia continua a ser a minha primeira opção.

H. S. G.: Sim, faria. É um curso e uma área que me surpreendeu bastante pela positiva. É uma área em crescimento em Portugal e da qual eu quero fazer parte.

T. C.: Talvez não, pois o mercado de trabalho na área vinícola está muito saturado e escolheria outra área com mais saída.

 

M.: Que recomendações deixas aos candidatos ao ensino superior deste ano?

D. F.: Não se fiem pelo status que uma universidade ou curso tem, por exemplo, enologia tem a fama de maus alunos e, no entanto, é onde se formam os melhores enólogos do país. Façam a vossa vida, ajudem os vossos colegas e acima de tudo aproveitem o ano de caloiro, eu acabei há pouco o meu e voltava outra vez. Não queiram embirrar com um professor, é a pior coisinha que vos pode acontecer. Já a melhor é o arroz de pato da cantina da UTAD, nunca se esqueçam disso!

H. S. G.: O meu conselho é não desistirem do que querem, mas para também terem a mente aberta porque podem encontrar um curso ou uma área diferente que os surpreenda. Nunca pensem que têm que entrar num curso com uma média alta, que corresponda à vossa média final de secundário. O que interessa é o gostarem do que fazem, não se preocupem com o que os outros dizem.

T. C.: Que escolham realmente a área para a qual têm mais aptidão, mas que tenham sempre em mente as saídas profissionais, porque após a conclusão da licenciatura e do mestrado, a experiência profissional é uma mais-valia, e presentemente, a concretização da mesma está cada vez mais complicada.

 

M.: O que dizem… as tuas notas?

D. F.: Tenho mesmo que falar delas? Ahahahahah não dizem nada de especial mas não era o meu objetivo este ano ter uma média fenomenal, por isso, estou tranquila. Eu queria essencialmente fazer as cadeiras todas porque primeiro era aquele grande feito na minha vida e, segundo, ter cadeiras no primeiro ano para trás é chato. Espero melhorar a média este ano com a quantidade de cadeiras específicas que me esperam, o que torna o curso mais interessante e “estudável”.

H. S. G.: As minha notas dizem que é possível fazer um bocadinho de tudo. Participar na vida académica, divertir-me, fazer amigos novos, envolver-me em projetos e estudar. Dizem que é possível viver uma vida académica completa e com sucesso escolar.

T. C.: Poderia ter-me aplicado mais, pois na altura o meu objetivo foi concluir o curso e não me preocupei com a média de conclusão do mesmo.

 

Diana Felizardo e Hugo Silveira Gouveia são alunos da Licenciatura em Enologia e Tita Cardoso frequenta o Mestrado em Enologia e Viticultura da Escola de Ciências Agrárias e Veterinárias da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro.