Chegámos à época do ano em que milhares de estudantes portugueses se deparam com aquilo que serão as provas de acesso a um novo ciclo de estudos, o ensino superior. Estas provas dão pelo nome de “exames nacionais”. Existem exames para tudo: Português, Inglês, Matemática, Biologia, Geografia, Filosofia… e outras tantas. Todas elas importantes para o aluno dialogar, uma última vez, com a matéria lecionada durante 2 ou 3 anos e provar os frutos do seu trabalho. Mas serão estes exames meros instrumentos imparciais de avaliação sumativa?
Tal como vós, há alguns anos, tive de escrever em folhas específicas as respostas mais ou menos pretendidas por aqueles senhores do IAVE. Na minha altura (sim, porque parece já ter passado uma geração!), realizei dois exames bienais e outros dois trienais: respetivamente, Biologia e Geologia e Filosofia e Português e Matemática. Todos eram de cariz obrigatório, pelo que os meus colegas e eu, como tantos outros antes e até mesmo depois de nós, sentimos na pele a necessidade de estudarmos bastante para disciplinas que adorávamos e para outras das quais não gostávamos nada. Contudo, quase de modo independente a essas nossas preferências, era consensual a opinião sobre o peso da influência dos exames nos nossos futuros: demasiado! Valendo 30% ou mais das nossas classificações de ingresso (e também das notas finais às disciplinas), sempre julgámos que um documento final com uma percentagem tão elevada poria relativamente em causa o caminho que tínhamos feito até então.
Os exames são construídos para avaliar genericamente os conhecimentos dos programas curriculares. Por isso mesmo, não conseguem apreciar de forma fina todas as subjetividades e os ritmos de aprendizagem de tantos alunos. Disso já sabemos há muitos anos. No entanto, porque é que, então, continuam estas provas a terem um impacto percentual tão grande nas nossas vidas? Quer alunos, quer mesmo professores, já criticaram esta cifra dos exames. Todavia, não desaprovam apenas a percentagem dos mesmos nas classificações dos estudantes, e sim todo um modelo mais abrangente de avaliação dos percursos estudantis.
Com os conhecimentos de áreas como as Ciências da Educação, a Sociologia da Educação ou a Pedagogia, por exemplo, tem sido cada vez mais estudado e provado que as avaliações sumativas, aplicadas de maneira exclusiva, colocam um stress maior nos respondentes que não raras vezes contribui para uma pior performance cognitiva e emocional. Por outras palavras, sabermos que somente temos aquele exame para demonstrarmos todos os saberes construídos e obtidos durante anos deixa-nos frequentemente num estado de pressão que não é benévolo para o nosso sucesso. Nem, já agora, valoriza o empenho contínuo dos professores na nossa aquisição de conhecimentos, como é confessado por uma professora de Português num artigo publicado há dias no jornal Público (neste caso, acerca da prova do 9.º ano de 2024 desta disciplina).
Assim, os exames, ao mesmo tempo que constituem metas a serem superadas, revelam-se obstáculos que dificultam a vida de muitos adolescentes com sonhos de entrarem numa especialização superior. Portanto, o que melhor podemos fazer é encarar estes instrumentos enquanto uma aprendizagem. Os exames não são uma ferramenta pedagógica neutral, dado que não incluem contextos económicos, sociais e culturais de vida; nem deveriam ser usados no atributo de avaliadores máximos dos trajetos dos alunos. Antes deveriam ser complementados com outras avaliações de diagnóstico e formativas (como testes, o que é o mais comum, mas também trabalhos individuais e de grupo com aplicação prática das matérias e reflexões críticas acerca das mesmas) e ver a sua proporção nas classificações do aluno diminuídas, de modo a aliviar as tensões que impossibilitam os estudantes de darem o seu melhor.
Não é fácil proceder a esta mudança, dado que, em certo sentido, os exames continuam a manifestar uma certa utilidade na constatação do estado de instrução dos jovens portugueses. Sem embargo deste aspeto, são também reprodutores e perpetuadores de desigualdades para aqueles que, pertencendo a uma classe social mais baixa ou apresentando maiores dificuldades emocionais e na gestão do stress e do tempo, não conseguem demonstrar aquilo que de facto aprenderam com a escola, fonte esta de socialização tão importante desde tenra idade. Ante estes prós e contras dos exames, o mais sensato poderia ser, ao passo de contarem unicamente para prova de ingresso (medida tomada durante a pandemia Covid-19 que, a meu ver, tem bastante sentido na linha do que tenho vindo a argumentar neste texto), diminuir a sua carga e coordenar a concretização destas provas com as instituições de ensino superior nas quais os estudantes tenham o objetivo de ingressar, tentando já levantar um pouco do véu daquilo que é ensinado nas universidades e politécnicos deste país e possibilitando diferentes estruturas de exame mais adaptadas ao público-alvo esperado.
Como as análises mais profundas nos corroboram, o mundo é muito complexo para as coisas serem apenas a preto e branco, pelo que várias propostas podem ser lançadas a propósito da manutenção, eliminação ou reconfiguração dos exames nacionais. Deixo-vos, por isso, caros colegas estudantes que agora se encontram a realizar as vossas provas, estes pensamentos para que possam discutir entre vós como poderá ser – e gostariam que fosse – o sistema escolar do futuro. Desejo-vos também a maior das sortes e faço votos de muitos sucessos profissionais e pessoais, pois vocês são o hoje e o amanhã da qualidade nacional e mundial.
Ótimos exames!