Mais de metade dos estudantes do ensino superior em Portugal revela sinais de burnout, num retrato preocupante traçado pelo estudo nacional “Ecossistemas de Aprendizagem Saudáveis nas Instituições de Ensino Superior”, coordenado pela psicóloga Tânia Gaspar, da Universidade Lusófona. Envolvendo 2.339 alunos entre os 17 e os 35 anos, a investigação dá voz a estudantes e especialistas, apontando falhas nos ambientes académicos, na resposta institucional à saúde mental e na preparação dos docentes.
Saúde mental em risco: burnout, medicação e absentismo
Os dados são claros: 61,6% dos estudantes dizem sentir-se fisicamente exaustos, 46,2% irritados e 41,6% tristes. Cerca de 65% sentem que não conseguem controlar o que é importante nas suas vidas e 59% sentem-se sobrecarregados com dificuldades que não sabem como ultrapassar.
Quase um terço dos alunos (30%) apresenta três ou mais sintomas de burnout, o que os coloca em risco clínico elevado. Paralelamente, mais de 40% tomam psicotrópicos regularmente, 13% consomem canábis todas as semanas e quase 10% recorrem semanalmente a anfetaminas ou estimulantes.
“A medicação não é inócua e está a ser usada em excesso como primeira resposta”, alerta Tânia Gaspar, que defende mais investimento na prevenção e apoio psicológico. A investigadora critica a tendência para medicar rapidamente estudantes com sintomas como ansiedade antes de exames ou dificuldades em dormir.
O absentismo e o chamado presentismo — alunos presentes fisicamente mas sem condições de saúde física ou psicológica adequadas — são também sinais da fragilidade vivida nos campi.
Ambientes académicos exigentes e docentes pouco preparados
Cerca de 71% dos estudantes consideram que a carga de estudo se tornou mais exigente, 65% sentem constante pressão de tempo e 70% dizem não ter boas rotinas de sono. Metade admite maus hábitos alimentares e apenas um terço pratica exercício físico com regularidade.
Estes fatores, associados a métodos de ensino considerados monótonos e pouco participativos, agravam o mal-estar. Muitos alunos pedem uma maior sensibilidade dos professores, mais empatia, menos sarcasmo e maior preparação para lidar com uma geração mais exigente e diversa.
“Há professores que continuam presos ao modelo das aulas teóricas, sem adaptação aos ritmos e realidades dos estudantes atuais”, explica Tânia Gaspar. A especialista sublinha que as universidades enfrentam hoje um novo paradigma, com alunos mais conscientes, muitos deles com neurodiversidade ou alterações emocionais, diagnosticadas ou não — algo para o qual os docentes não estão preparados.
Infraestruturas degradadas, carga horária excessiva e falta de apoio
As queixas não se ficam pela relação com os professores. Muitos estudantes referem “deficiências graves” nas infraestruturas — desde salas com infiltrações a casas de banho degradadas — e apontam a inexistência de canais eficazes para reclamações ou participação. Quase 70% considera que a sua instituição não apoia adequadamente estudantes em situação de fragilidade social ou económica, e muitos dizem não ter condições para o ensino à distância.
Há ainda fortes críticas à sobrecarga de avaliações, falta de uniformidade nos critérios e horários pouco flexíveis. Os estudantes pedem maior envolvimento nas decisões institucionais e mais oportunidades de estágios, bem como apoio efetivo na transição para o mercado de trabalho.
Estudo propõe mudanças estruturais e Plano Nacional de Saúde Mental
Com base nestas conclusões, os investigadores defendem a criação de um Plano Nacional de Saúde Mental no Ensino Superior, com financiamento garantido e apoio psicológico gratuito em todas as instituições.
Outras propostas incluem:
- Criação de protocolos para situações de crise emocional;
- Programas de tutoria, mentoria e integração de novos alunos;
- Formação contínua dos docentes em saúde mental, comunicação empática e diversidade;
- Reorganização da carga horária e práticas pedagógicas mais colaborativas;
- Novos perfis de professor — um mais voltado para a investigação e outro para o acompanhamento e bem-estar dos estudantes.
“Não basta transmitir conhecimento técnico. As universidades devem ser ecossistemas de bem-estar”, defendem os autores, que apelam a uma maior responsabilização institucional e à inclusão do bem-estar estudantil como critério de acreditação das instituições.