Ontem decorreu o Exame Final Nacional de Matemática A e, desde então, várias têm sido as críticas dirigidas à prova, seja a nível de conteúdo, a nível de dificuldade, ou a nível da estrutura. Subscrevendo grande parte dessas críticas creio que é essencial citar a mensagem enviada pelo IAVE durante o ano aquando do pedido generalizado de uma Prova Modelo de Exame, que permitiria aos alunos e professores situarem-se após três anos de informações globais, pouco concisas e objetivas acerca do exame final:
“No que se refere à pretensão, manifestada por diversos interlocutores, em dispor de uma «prova modelo», é necessário referir que, num quadro de provas públicas, como é o caso dos exames e das provas finais nacionais em Portugal, a ausência de provas modelo é colmatada com a existência de um vasto histórico de itens, disponíveis para consulta em http://bi.iave.pt/exames/. Com efeito, independentemente da organização que os exames ou as provas assumem, o que justificaria a apresentação da designada «prova modelo» seria a concepção de uma prova com novas tipologias ou formatos de itens, ou a disponibilização de uma prova num ambiente novo (como, por exemplo poderá ser o caso de uma prova em ambiente digital ou, como no ano transacto, a aplicação de provas de aferição nas chamadas áreas de «Expressões»). Não é um novo enquadramento curricular que justifica uma prova modelo, quando sabemos que as provas de exame de Matemática A de 2018 irão apresentar os mesmos tipos e formatos de itens de anos anteriores, sobejamente conhecidos e divulgados na página electrónica do IAVE.”
Infelizmente, a prova não é coerente com esta mensagem. Várias foram as mudanças relativamente aos anos anteriores, mudanças que, num ano atribulado como este em que dois grupos de alunos de referenciais distintos foram avaliados pela mesma prova, eram absolutamente dispensáveis. Para além da mudança para a estrutura de dois cadernos, da qual falarei mais abaixo, a mudança mais clara é a alteração da cotação das perguntas de seleção (de 5 para 8 pontos), que conjugado com o aumento ínfimo de dificuldade dessas questões, poderão prejudicar vários alunos que, baseando-se em padrões de anos anteriores, esperariam perguntas baseadas no conhecimento e aplicação básica de conceitos nas várias áreas do programa.
A mudança de estrutura em dois cadernos mostrou-se irrelevante, visto que, não foram mobilizadas competências suportadas pelo uso da calculadora. A título de exemplo:
- A questão 3.2 do Caderno 1, não pede qualquer cálculo com recurso ao uso da calculadora, uma vez que é imediato, para muitos alunos, que 2/5 = 0,4 = 40%.
• A questão 4 do Caderno 1 é, no mínimo, forçada. Infelizmente, não é este o tipo de perguntas que devem ser aplicadas aquando da avaliação dos alunos relativamente a aplicações da Matemática, ou a modelação matemática num contexto real. Tenho sérias dúvidas que algum aluno percebeu qual o contexto da pergunta, e, aliás, esta minha crença é justificada pela frase “Não justifique a
validade do resultado obtido na calculadora”. A calculadora não é um instrumento útil, é um instrumento muito útil, e não se pode pedir aos alunos que gastem mais de cem euros numa calculadora, quando o uso dela é justificado por perguntas desta natureza. - A questão 5 do Caderno 1 força a utilização da calculadora. São muito poucas as perguntas em que os alunos tenham de determinar o argumento de um número complexo cuja tangente seja diferente de raiz (3)/3, 1, raiz(3), ou os seus simétricos. Esta é uma pergunta que, certamente, teria melhor aproveitamento caso a condição fosse Im(z) = Re(z), ou Im(z) = raiz(3)*Re(z), a título de exemplo. Os alunos não têm de ser prejudicados pela intenção de justificar a mudança de estrutura no exame.
Ainda no Caderno 1, e em completa discordância com as perguntas de exames anteriores relativamente a sucessões, a questão 6 é inadequada, e poderia ser desconstruída em três questões de seleções de exames de anos anteriores. Para além disso, é preciso ter em conta que os alunos do programa antigo tiveram uma carga letiva relativamente ao tema de Sucessões Reais significativamente inferior aos do novo programa. Isto cria desigualdade entre os alunos dos dois programas, o que não era de todo desejável, e, aliás, de acordo com o IAVE, a não existência de desigualdades fundamentou a existência de uma prova comum.
Refiro ainda que deveria haver uma maior sensibilidade por parte dos autores para que a primeira pergunta não seja de dificuldade tão elevada, ou que seja, de alguma forma, mais imediata/acessível. Como se começa também pode definir como se acaba, e a primeira pergunta, envolvendo conteúdos como o Teorema de Lagrange, para os alunos do novo programa não me parece adequada. Contudo, a pergunta para os alunos do antigo programa é adequada, criando aqui mais uma desigualdade entre os alunos dos dois programas.
Em relação aos alunos do programa antigo não posso deixar de reparar que a distribuição de cotações ao longo do teste foi:
- 12 pontos de Sucessões reais;
- 38 pontos de Geometria no plano e no espaço;
- 20 pontos de Números complexos;
- 49 pontos de Probabilidades e combinatória;
- 81 pontos de Funções (incluindo funções trigonométricas).
Lembro que estes alunos, ao longo do ensino secundário, tiveram, aproximadamente, dois terços de um período letivo de Probabilidades e Combinatória, e mais de quatro períodos letivos de Funções Reais de Variável Real, pelo que esta proporção numa prova final é inadequada. Mais ainda, o IAVE mostra-se novamente incoerente relativamente às provas dos anos anteriores e à não necessidade de uma prova modelo, uma vez que a distribuição das cotações das perguntas pelo diferentes temas, desde 2015, vinha a ser:
- 5 a 15 pontos de Sucessões reais;
- 30 a 40 pontos de Geometria no plano e no espaço;
- 10 a 20 pontos de Números complexos;
- 30 a 40 pontos de Probabilidades e Combinatória;
- 90 a 110 pontos de Funções (incluindo funções trigonométricas).
Quanto ao Caderno 2, a questão 10.2 gera alguma confusão num aluno comum. Em vez de informar que o limite de (un) é solução da equação ln(x/e) = 3 , não seria mais imediato para qualquer aluno se a pergunta estivesse formulada da seguinte forma?
A questão 11 tem como ponto de partida a aplicação de uma propriedade dos logaritmos para posterior resolução de uma desigualdade. Um jogo de incógnitas. Um qualquer aluno que não tenha percebido o ponto de ponto de partida, estaria impossibilitado de obter 13 pontos numa desigualdade em que muitos dos alunos comuns poderiam obter pontos.
Infelizmente, o Caderno 2 avalia para os alunos do novo programa única e exclusivamente o tema de funções. Mais uma razão para que esta mudança de estrutura não tenha sido justificada. Os dois cadernos não estão equilibrados, nem a nível de dificuldade, nem a nível de conteúdo.
De referir ainda que o exame é extenso, e de dificuldade mais elevada que os exames anteriores, desde 2015. Ficaram ainda vários conteúdos por serem explorados, como o conceito de reta tangente e o conceito de segunda derivada.
Finalizando, creio que este exame não é adequado por todas as razões acima indicadas. É lamentável que os alunos do novo programa tenham andado três anos ao sabor do vento, e após informações globais e gerais do IAVE relativamente a uma prova cuja estrutura seria alterada, mas cujos conteúdos e formatos das questões seriam os mesmos de anos anteriores, tenham sido postos à prova com um exame inadequado e que entra em incoerência com as informações enviadas.
Ao contrário do que possa parecer, eu não sou a favor do estudo através da mecanização dos processos de resolução e através da resolução intensiva de perguntas de anos anteriores. Contudo, neste ano em específico, e após os próprios professores e alunos terem recebido informações do IAVE no sentido de que “Não é um novo enquadramento curricular que justifica uma prova modelo, quando sabemos que
as provas de exame de Matemática A de 2018 irão apresentar os mesmos tipos e formatos de itens de anos anteriores, sobejamente conhecidos e divulgados na página electrónica do IAVE.”, creio que se justificaria um maior esforço por parte da equipa que criou o exame de forma a ir ao encontro destas palavras.
Deixo ainda uma palavra de agradecimento a todos aqueles que, durante o ano, contribuíram para uma melhor orientação dos alunos e professores. É de uma tristeza imensa que tenham de ser professores e autores não ligados ao IAVE a partilhar conteúdos, provas modelo e recursos que possam facilitar a tarefa de todos, quando esta teria de ser não só, mas também, a tarefa do IAVE.
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Este texto faz parte de uma série de textos de opinião de alunos do ensino secundário e superior sobre a sua visão do ensino e da educação.
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