“Olha para tudo quanto está no chão, pode contar-te uma história.” – disse-me o Prof. José Hermano Saraiva há muitos e longos anos numa conversa informal, ainda era eu um miúdo que estava à espera do mundo e o mundo à minha espera. Desde aí, tantos outros anos passaram e nunca essa frase deixou de me fazer sentido. Nos últimos cinco anos, foram muitas as vezes que me intriguei sobre os maiores porquês da vida, da academia, da humanidade e daquilo que as liga tão intimamente. Da praxe, essa palavra tão confusa e polémica que se deixa embeber na tirania e no desencanto. Desta houve tudo: reflexões, textos e testamentos. Do enorme paradoxo que existe entre o querer e o ser, ao peso daquilo que representamos. Todas estas questões, fi-las porque se há algo que nos caracteriza a nós, estudantes, é esta vontade incessante de ambicionar algo mais e de querer chegar mais longe. Mas há uma coisa que confirmo. Na despedida, a praxe é ainda mais mágica.
Penso, logo existo. É lógico que não é preciso pensar para poder existir. Contudo, a maior garantia da nossa existência no mundo real é dada pelo ato de refletir sobre todas as coisas. E depois? Depois é preciso agir, agir de acordo com o pensamento, em prol do bom senso, da justiça e da equidade. Pela felicidade, que quando dos outros, também a nós nos deve fazer sentir bem. Talvez me questione se valeu tudo a pena até agora. Talvez me pergunte até o que levo de cinco anos de frustrações, conquistas, emoções, momentos. Existe um significado para tudo o que vemos, sentimos ou ouvimos. Quando isto me surge à mente, já não preciso pensar muito. Pois bem: se trilho o meu caminho em direção à luz e à felicidade, como é que não o quereria partilhar com quem está agora a colocar as primeiras pedras? Utópico? Não, humano. Real. Existe toda uma responsabilidade social em garantir que quem segue as nossas pisadas não caia onde nós caímos antes. Que consiga crescer da mesma forma que também nós crescemos um dia. E que se desengane que isto se relaciona exclusivamente com o meio académico, todos nós somos feitos de personalidades complexas que se moldam e aprendem com o tempo, rumo a uma melhor versão.
E não fosse o destino pregar-nos partidas fantásticas, se quisermos traduzir “o processo de colocar em prática a teoria” na língua dos grandes pensadores clássicos, chegamos ao termo “praxis”. Suspeito, não é? A praxe não se confina a um período temporal, espacial ou existencial. É um processo. Um processo por si só tão complexo e duradouro, que se estende pelo tempo necessário até que o estudante se complete a si mesmo. Não é de todo um espaço para a tirania de quem quer ridicularizar a própria academia ou satisfazer os seus caprichos. E quem o faz, aproveitou-se indevidamente do poder que lhe foi entregue. Quem chega ao ensino superior parte à descoberta, e probabilidade tem de se trilhar os piores caminhos é demasiado elevada. O orgulho, o egoísmo, a apatia são os maiores inimigos do novo estudante, e facilmente o atingem se este não os souber reconhecer. Torna-se apenas mais um a fazer por si, ou até sem fazer nada de todo. E estes inimigos atingem todo e qualquer um que esteja em construção. Praxe não é apenas uma coisa, ou apenas a outra. Nem tem múltiplas finalidades independentes e dissonantes. É todo um processo que promove os estudantes a elevarem-se para a sua própria melhor versão, contrariando tudo o que os prende ao passado. Existe algo de mágico em tudo isto.
A tradução da teoria na prática (a “praxis” grega) faz-nos entender a importância de todas as etapas do processo no desenlace do objetivo. Todos os momentos, experiências e atividades fazem parte do planeamento e construção do sujeito académico, desde o seu questionamento pessoal ao desafio aos seus próprios limites. Fazem-no crescer como ser pensante, como ser real. Se não o são, questiono-me sobre que propósito estarão a servir.
A praxe, apesar de incluir, não tem de todo como fim absoluto “fazer amigos”, “desanuviar” ou “brincar com colegas”. É mais do que isso. É tornar-nos em alguém de quem nós próprios teríamos orgulho em ser amigos e com quem gostaríamos de aprender e estar. Um ser social, em sociedade. É sobre reavaliarmos quem somos, crescermos e fazermos crescer a nossa identidade, para nos tornar referências naturais que possam influenciar os outros de forma positiva. É poder sentirmos orgulho em quem nos estamos a tornar. De nada vale forçar o “espírito de grupo” e a “entreajuda”, se quem compõe o grupo não embarcar neste espírito. Porque estará a aprender (e depois ensinar) um princípio que não entende nem pretende colocar em prática.
E agora, para onde seguimos? Agora é continuar, por mais escuro que seja o caminho. Os tempos que correm são estranhos e difíceis, eu sei. Se a prática já não funcionar neste contexto, é preciso querer adaptá-la e adaptarmo-nos, porque os princípios que a sustentam são inadiáveis. É esta “teoria” que nos faz querer chegar mais longe. É só não a deixar tornar-se num misto de tirania e inconsciência. Quem cá está há mais tempo deve garantir que ninguém fica para trás, lutar por enriquecer a academia com novas gerações de estudantes brilhantes. Quem chega agora, deixe-se embarcar nesta aventura maravilhosa de redescobrir aquilo que conhecemos de nós mesmos e querer ir mais além. Orgulhem-se da praxe académica e do vosso traje, e façam orgulhar quem nesta confia. Queiram colocar tudo de vós, em tudo o que fazem, façam a diferença pela positiva. Tenho a certeza que esta aventura, que para vocês ainda agora começou, está repleta de coisas fantásticas. Nada é por acaso, e o acaso nunca vem sozinho.
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Este texto faz parte de uma série de textos de opinião de alunos do ensino secundário e superior sobre a sua visão do ensino e da educação.
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