Num mundo crescentemente marcado pela mobilidade global do conhecimento, pelo envelhecimento demográfico europeu (entenda-se, o progressivo inverno demográfico que vivenciamos), e pela crescente concorrência por talento, pensar o Ensino Superior enquanto produto de exportação já não é uma opção, mas uma exigência estratégica, não apenas do ponto de vista cultural ou científico, como também económico e geopolítico. Portugal tem feito progressos tímidos na internacionalização das suas universidades, mas continua a encarar o ensino como um serviço de consumo interno, quando poderia observá-lo como uma alavanca estratégica de projeção global, desenvolvimento económico e renovação demográfica.
Os países que compreenderam este fenómeno a tempo, como os Países Baixos, Irlanda, Austrália ou Canadá, transformaram o Ensino Superior numa poderosa “indústria do conhecimento”, geradora de receita e reputação. Segundo os dados do Eurostat, o número de estudantes internacionais na União Europeia duplicou entre 2010 e 2020, passando de cerca de 1,4 para 2,7 milhões. Globalmente, estima-se que existam mais de 6,3 milhões de estudantes em contexto de mobilidade internacional (UNESCO, 2023). Este fenómeno é inevitavelmente impulsionado por dois vetores complementares: a procura crescente por formação de qualidade fora do país de origem, e a oferta cada vez mais segmentada de instituições que encaram os seus programas académicos como “produtos globais”.
Portugal tem vindo a aumentar o número de estudantes estrangeiros, cerca de 70.000 em 2023, segundo a Direção-Geral do Ensino Superior, o que representa aproximadamente 15% do total de matrículas no país. Mas esta percentagem, embora significativa, esconde assimetrias profundas: grande parte destes estudantes está concentrada em universidades públicas nas regiões de Lisboa, Porto, Braga e Coimbra, e em áreas como as engenharias, gestão e saúde. Muitas outras instituições, sobretudo fora dos grandes centros urbanos, continuam invisíveis no mapa global do ensino superior, seja por falta de oferta internacionalizada, seja por ausência de presença digital, presença em rankings ou parcerias estratégicas.
O ensino superior como motor económico
Tratar o ensino superior como um produto de exportação não é uma metáfora. No Reino Unido, segundo a Universities UK International (2021), os estudantes internacionais geram anualmente mais de £28 mil milhões em impacto económico líquido para a economia britânica. Em média, cada estudante internacional representa cerca de £109.000 em impacto direto e indireto, desde propinas e alojamento até gastos em restauração, transportes e cultura. Noutras latitudes, em países como a Austrália, a educação internacional representa já a 3.ª maior fonte de exportação de serviços, atrás apenas dos setores energético e do turismo.
E o impacto não é apenas económico. Universidades internacionalizadas tornam-se centros de diplomacia cultural, inovação científica e redes de talento. Os estudantes internacionais tornam-se, em muitas situações, futuros embaixadores naturais dos países de acolhimento que, de forma direta e indireta, reforçam as relações comerciais, institucionais e políticas. O soft power académico é hoje uma peça essencial da geopolítica do conhecimento.
O que falta a Portugal?
Portugal tem claras vantagens comparativas, que garantem um forte aproveitamento desta internacionalização do ensino: segurança, clima, custo de vida competitivo, qualidade de ensino reconhecida, e uma língua com expressão global. Mas para transformar o ensino superior numa verdadeira exportação estratégica, são necessárias reformas em quatro domínios essenciais:
Oferta académica internacionalizável (ou com perspetiva para tal)
São ainda raros os programas em inglês fora das áreas de gestão, engenharia e turismo. A ausência de cursos lecionados integralmente em inglês ou de percursos de dupla titulação limita a atratividade do sistema para estudantes internacionais com ambição global. É importante que as faculdades com programas robustos em áreas como direito, ciências sociais ou humanidades inovem curricularmente para captar novos públicos.
Presença digital e plataformas globais
Muitos estudantes internacionais começam a sua pesquisa online em plataformas como Studyportals, LLM Guide, Educations.com ou o QS Course Finder. Portugal continua mal representado nestes canais digitais. A ausência de presença digital bem alicerçada e diversificada reduz dramaticamente a visibilidade institucional e dificulta a captação.
Estratégia nacional de internacionalização
Países como a Irlanda ou a Alemanha criaram agências dedicadas em exclusivo à promoção internacional do Ensino Superior (Education Ireland, DAAD, por exemplo). Portugal tem tido iniciativas pontuais, como o Study & Research in Portugal, mas sem coordenação transversal, nem financiamento adequado. É essencial criar uma entidade robusta que centralize esforços, recolha dados estratégicos, promova feiras, forme agentes educativos e projete uma “marca-país”.
Descentralizar a internacionalização
A internacionalização não deve ficar circunscrita aos grandes centros urbanos, como Lisboa, Porto, Coimbra ou Braga. As cidades de pequena e média dimensão com ensino superior de qualidade e menor custo de vida podem igualmente tornar-se polos de atração se forem promovidas estrategicamente e, simultaneamente, reforçar o desenvolvimento regional.
Portugal tem todas as condições para se afirmar como destino de excelência para estudantes internacionais, sobretudo oriundos da América Latina, África lusófona, Europa de Leste e Sudeste Asiático. Mas para tal, é importante encarar o ensino superior como uma exportação estratégica de conhecimento, inovação e cultura.
Trata-se de pensar o ensino como parte de um ecossistema económico e diplomático. É importante não apenas formar para dentro, mas atrair para dentro, tornar as nossas faculdades verdadeiras pontes para o mundo.
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Este texto faz parte de uma série de textos de opinião de alunos do ensino secundário e superior sobre a sua visão do ensino e da educação.
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