Creio que o contexto no qual vivemos desde março do ano passado não deixa marcas para dúvidas do quão a saúde pública é tão importante para os nossos bem-estar e felicidade, mas igualmente frágil ao ponto de se tornar um tema diário a realçar e a defender. Se numa perspetiva assoma-se necessário protegermo-nos das doenças físicas e dos contágios proporcionados no âmbito da doença Covid-19, em contrapartida as mazelas psíquicas emergem como problemas cada vez mais frequentes e debatidos que preocupam especialistas e cidadãos. Assim, fenómenos que oscilam do stress excessivo a transtornos de personalidade ou depressões, e culminam, várias vezes, em tragédias pessoais de que são características as tentativas (concretizadas ou não) de suicídio, destacam-se na discussão pública e na discussão científica, requerendo atenções recrudescidas e ações de apoio efetivo.
No entanto, não é por todo este novo cuidado com a saúde mental que estas doenças, condições e acontecimentos deixam de ser tabu para muitas pessoas em conversas quotidianas. E para aprofundar este argumento irei tratar do último caso que referi no parágrafo anterior, o suicídio. Há algumas semanas, surgiu-me, por via de um conhecido, um quadro na rede digital Instagram, que acabei também por partilhar, da conta The Depression Project, que apresentava a questão suicidógena através de uma dupla abordagem: a do fenómeno e a do indivíduo que a pratica. De um lado, caracteriza-se o suicídio como um desastre, onde todos se sentem pessimamente e no dever de estarem presentes e gostariam de ter identificado os sinais antes do golpe final; do outro, o suicida é percecionado como alguém que apenas pretende a atenção dos demais e, por isso, a desacreditar e a evitar. O quadro pode ser visualizado em baixo.
Esta análise é verdadeiramente útil e inteligente porque vem confirmar-nos o que um grande filósofo e sociólogo francês, Émile Durkheim, afirma desde os finais do século XIX: o suicídio detém os seus atributos psicológicos, mas é sobretudo influenciado por fatores sociais. Numa das suas grandes obras, intitulada O Suicídio – Estudo Sociológico, escrita em 1897, o autor mostra de que modo o suicídio pode ser estudado a partir das estatísticas, criando-se assim uma taxa para identificar a sua regularidade e articulando esta última com condições sociodemográficas e culturais, tais como o sexo, a idade, o estado civil, a religião ou o país em que se vive. Destarte, Durkheim acabou por assinalar a existência de três tipos de suicídio: o egoísta, proporcionado pelo sentimento de isolamento e solidão perante os outros, o altruísta, desencadeado pela força de uma cultura de obediência e de sacrifício por um líder ou por um conjunto de valores, ideais ou doutrinas, e o anómico, que ocorre em e devido a períodos de crises ou de transformações na sociedade.
Todos os tipos de suicídios merecem uma preocupação detalhada e atempada, de forma a amplificar a sua prevenção; mas, por inerência deste novíssimo tempo de pandemia que estamos a atravessar, o suicídio anómico é certamente o mais gritante e premente. Isto porque esta forma de suicídio interliga duas grandes forças: a da desestruturação social e a do preconceito. A primeira, claro, deve-se a todas as novidades que assistimos e que, dia após dia, não nos possibilitam criar um equilíbrio propriamente seguro, quer ao nível das nossas poupanças e dos projetos de futuro, quer na dimensão do próprio presente e do modo como nos sentimos neste momento. Mas a segunda frente é igualmente poderosa e acaba por estar presente em todos os pensamentos e atos de auto-inflição com intenções mortais. Falamos das representações sociais, daquilo que se opina e se concebe acerca do sujeito que leva a cabo uma tentativa de suicídio. Vê-se amiúde esta pessoa como um/a falhado/a, um/a pedante narcísico/a, um indivíduo que está simplesmente ávido dos holofotes da ribalta. E se todas estas perceções contribuem para demover alguns deste anúncio de tragédia, muitos outros são incentivados por uma agudização dos efeitos do seu estado depressivo e alcançam um ponto onde sentem que nada mais é a salvação do que a perdição do não-retorno.
Por isso, temos de certificar, a cada minuto, que todos aqueles que clamam e bracejam por ajuda a conseguem de cada um de nós enquanto membros de uma sociedade solidária. Para tal, olhar o suicídio como um facto social – portanto, demográfico, cultural, económico… – é condição necessária. Trata-se, mais especificamente, de compreender que flutuam entre nós diferentes noções de masculinidade e de feminilidade, diferentes necessidades conforme as idades, diferentes conceções das ideias religiosas, diferentes maneiras de lidar com o que ouvimos ou lemos dos outros e com as contingências do novo mundo trazido pelo SARS-CoV-2. É toda esta diferença reunida que permite estarmos atentos sociologicamente e agirmos socialmente para apoiar conhecidos, familiares e amigos. No entanto, a abordagem ao suicídio requer também uma interpelação pedagógica e, mais do que isso, educativa, na medida em que sabemos que este fenómeno tem um peso relevante nas vivências e experiências da infância e da juventude e, portanto, não pode ser esquecido pela escola e pelos outros contextos educativos. A temática do suicídio é por demais inquietante e as crianças e os/as jovens suficientemente maduros para a compreenderem nas suas consequências. Precisamos agora de uma explicitação mais adequada das suas causas e das melhores formas de lidar com ele.
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Este texto faz parte de uma série de textos de opinião de alunos do ensino secundário e superior sobre a sua visão do ensino e da educação.
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