Bolsas reduzem abandono mas alojamento continua a ser maior obstáculo, conclui relatório sobre ação social

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O relatório final do estudo “Ação Social no Ensino Superior”, encomendado pelo Governo, conclui que o sistema de bolsas de estudo tem um impacto positivo na redução do abandono e no sucesso académico dos estudantes, mas aponta falhas significativas que limitam a sua eficácia. O documento destaca o peso do alojamento como principal barreira financeira, identifica limitações no Programa +Superior e recomenda mudanças profundas na forma como os apoios são atribuídos.

As conclusões são claras: as bolsas reduzem a probabilidade de desistência no primeiro ano e aumentam a de aproveitamento escolar, confirmando o papel central destes apoios na promoção da equidade. No entanto, os custos associados à frequência no Ensino Superior continuam a ser elevados. A maioria dos estudantes inquiridos no âmbito do estudo considera que o valor da bolsa cobre menos de 20% das despesas totais, sendo o alojamento o encargo mais pesado.

Outro ponto central do relatório é o Programa +Superior, criado para atrair estudantes deslocados para regiões de menor procura. A avaliação contrafactual não encontrou evidência robusta de que o programa esteja a cumprir esse objetivo. Embora tenha havido um aumento de matrículas nas instituições abrangidas, surgiram sinais de alteração negativa na composição do corpo estudantil, como a descida da média de ingresso entre os beneficiários. A recomendação dos investigadores é clara: reavaliar a eficácia do programa.

O documento sublinha também entraves burocráticos e problemas de interoperabilidade entre diferentes organismos do Estado, nomeadamente a Autoridade Tributária e a Segurança Social. O modelo de cálculo do rendimento do agregado familiar (RABEEES) está alinhado com práticas nacionais e internacionais, mas as diferenças de critérios dificultam o processo de candidatura e atrasam a atribuição das bolsas. A harmonização das definições, preferencialmente segundo o modelo da Segurança Social, é uma das propostas apresentadas.

 

Entre as recomendações prioritárias, o relatório destaca a simplificação e modernização da plataforma de candidatura (SICABE), a adequação dos montantes de bolsa às variações do custo de vida em diferentes regiões, o estudo de apoios específicos para famílias com encargos acrescidos devido a doença crónica e o reforço da divulgação dos apoios nas escolas secundárias, para garantir que todos os potenciais beneficiários estão informados.

Uma das medidas mais relevantes em cima da mesa é a atribuição automática de bolsas aos alunos que transitam do secundário para o ensino superior depois de terem beneficiado de Ação Social Escolar. O relatório defende que esse processo deve ser verdadeiramente automático, sem necessidade de candidatura e sem risco de devolução imediata no primeiro ano. Apesar de implicar custos acrescidos para o orçamento, esta solução reduziria a carga administrativa, aumentaria a previsibilidade para as famílias e reforçaria a equidade no acesso.

 

Ainda assim, os autores deixam alertas quanto aos limites do estudo. Em casos como a avaliação do Programa +Superior, a informação estatística não é suficiente para conclusões definitivas, exigindo cautela na leitura dos resultados. Persistem também dificuldades práticas, como atrasos no acesso a dados da AT e da SS, ou a complexidade da fórmula de cálculo para famílias com menor literacia administrativa.

No balanço final, o relatório reforça a importância das bolsas de estudo como instrumento essencial de inclusão, mas defende que só uma revisão profunda das regras e dos montantes atribuídos permitirá que os apoios respondam efetivamente às necessidades reais dos estudantes, em especial num contexto em que os custos de alojamento continuam a ser o maior obstáculo à frequência do Ensino Superior.

As principais conclusões

  • Efeito das bolsas no sucesso académico: cruzamentos administrativos mostram que receber bolsa reduz a probabilidade de abandono do 1.º ano e aumenta a probabilidade de completar 36 ECTS e os ECTS em que o aluno está matriculado. Estes efeitos reforçam o papel das bolsas como instrumento para melhorar retenção e sucesso.
  • Alojamento: o grande fardo: a investigação por inquérito (5 190 respostas válidas, 24 IES) e entrevistas com serviços de ação social identificam o alojamento como o custo que mais condiciona a participação no Ensino Superior; a maioria dos inquiridos considera que a bolsa da DGES cobre menos de 20% dos custos de frequência.
  • Definições e interoperabilidade: a definição de agregado familiar e a fórmula de rendimento do RABEEES estão, em linhas gerais, alinhadas com práticas nacionais e internacionais — mas há desalinhamentos com a Segurança Social e a Autoridade Tributária que complicam transições do Secundário para o Superior e atrasam processos. O relatório recomenda harmonizar definições (preferência por alinhar com a Segurança Social).
  • +Superior: impacto ambíguo: a avaliação contrafactual do Programa +Superior não encontra evidência robusta de que o programa tenha atraído estudantes deslocados para regiões com menor procura; registou-se sim um aumento de matrículas nas IES abrangidas, mas com sinais potenciais de alteração negativa na composição (ex.: queda da nota de ingresso média entre deslocados). Os autores aconselham reavaliação do programa.
  • Atribuição automática de bolsas: a automatização da atribuição para alunos de 1.º ano que já tinham ASE no Secundário é praticável e pode aumentar equidade — desde que seja verdadeiramente automática (sem necessidade de nova candidatura nem risco imediato de devolução durante o 1.º ano). O relatório recomenda estender e simplificar este mecanismo, acompanhado de divulgação às escolas e famílias.

Recomendações-chave

  1. Simplificar e clarificar o processo de candidatura e modernizar a plataforma (SICABE). Relatório Final
  2. Reavaliar o Programa +Superior face às evidências disponíveis. Relatório Final
  3. Estudar apoio específico para agregados com despesas elevadas por doença crónica. Relatório Final
  4. Adequar montantes à variação regional do custo de vida (alojamento sobretudo). Relatório Final
  5. Investir na divulgação dos apoios às escolas secundárias e famílias para que a automação chegue aos destinatários.

O que muda se o Governo seguir as recomendações?

  • Maior equidade na entrada: automatizar bolsas para quem já tem ASE reduz barreiras administrativas que hoje excluem alunos elegíveis por falta de conhecimento ou por receio do processo. Relatório Final
  • Menos desistências iniciais: manter o valor da bolsa no 1.º ano sem revisões impositivas durante esse período dá previsibilidade às famílias — o relatório defende isso como condição para a automatização.
  • Impacto orçamental, mas compensação administrativa: a expansão do automatismo implica maior custo direto, mas pode reduzir custos administrativos e gerar ganhos sociais (mais matriculas e menor abandono). O relatório inclui cenários de custo e recomenda avaliação orçamental detalhada.