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“Telemóveis, rua!” – a proibição é proteção ou escusa de responsabilidade?

“Telemóveis, rua!” no 1º e 2º Ciclo – autonomia foi dada para o alargar da medida. Quanto às dúvidas sobre uma possível escusa de responsabilidades, o governo colocou o tema em modo de ‘não incomodar’.

Este regresso às aulas traz consigo novidades – a proibição de telemóveis no 1º e 2º ciclo. A notificação desta medida foi recebida, celebrada e chegou a esperanças de que fosse de banda larga a todos os ciclos e idades. Disse até o ministro da educação que uma vez aplicada levava a menor reporte de situações de bullying na escola e maior atenção! Será assim? Esta medida, a mim, aparece como um swipe rápido à responsabilidade. Um clicar nuns certos 3 pontinhos e ocultar nos deveres para com as crianças – ainda que pareça precisamente o contrário. A estas medidas surgem comentários e comentários: “que excelente ideia”; ” devia ser ainda mais”; “esta geração está perdida” – Tudo isto adultos a escrever agarrados ao seu próprio telemóvel durante o comum horário laboral. Mas vá podia ser na pausa, no cafezinho. Ah espera, mas as crianças também não era só no intervalo que o iam usar? Ups.

A proibição do uso de telemóveis no 1° Ciclo é acertada. A logística de portar e “tomar conta” de um telemóvel já é presságio da insustentabilidade de o ter num bolso no qual este nem cabe. Já no 2° Ciclo este retirar começa a tornar-se questionável quando todos já têm o teclado entre as mãos. Quanto mais as escolas que proíbem (em autonomia própria) aos do 3° e sonham em aplicar ao ensino secundário.

É evidente que a decisão desperta elogios, porque efetivamente uma boa parte do conteúdo acedido pelo telemóvel é de potencial nocivo a esta faixa etária principalmente. Vários estudos apontam para tal sublinhando a redução da capacidade de atenção com TikToks de 5 segundos e dopamina plástica; a exposição a conteúdos impróprios, violentos, sexuais; a vulnerabilidade à influência por discursos de ódio; a vulnerabilidade ao abuso em jogos online… 

 

A proibição no recinto escolar aparece como um “deus exmachina” a problemas fraturantes. Parece que uma vez proibido, o problema desapareceu e a responsabilidade fica repousada. Lembremo-nos que não é a primeira vez que falamos destes temas. Antes eram os rápidos quadros por segundo dos desenhos animados, depois a Playstation e a Xbox. Tudo isto era dito como fator promotor do défice de atenção e comportamento. E, no entanto, todos eram dispositivos domésticos. Então o que convence que o problema se resolva? Parece que toda a celebração e ideia nada mais é que uma palmadinha nas costas de que “está tudo bem” – não está!

Num estudo desenvolvido pela ANITEC e Universidade do Minho, em 2023, revela que a idade média de acesso ao primeiro telemóvel em Portugal é de 9 anos. Se a localização fica agora fora dos portões surgem as exclamações de que o telemóvel e computador só é comprado para os filhos por quem quer. No entanto, não vivemos abstraídos do mundo. Para além do mais colocamos este imperativo até quando? Será até aos 16? Pois bem, se assim for estará tão impreparado e imaturo perante o mundo digital quanto antes. Quanto a esta preparação para o digital não nos podemos ficar nas esperanças de bom senso pelos professores que lecionam programas já extensos por si só. Até porque sabemos que com telemóveis banidos será fácil impor que também não se deve falar sobre eles e que isso são coisas de “casa”. Temos que dedicar tempo com urgência à literacia digital! Deve haver um esforço em munir de ferramentas para um uso consciente e cuidado. Quando há tempos saiu a série “Adolescence” muito se falou e alertou para o uso da internet a quarto fechado e a abstração de controlo parental e escolar. A verdade é que esta medida faz com que o uso do telemóvel fique ainda menos vigiado. Fica distante de qualquer conversa em sala de aula sobre aquilo que no intervalo acabaram de comentar e discutir por mensagem privada, o jogo que clicaram, o vídeo perturbador, a notícia falsa que viram. Ainda menos saberemos e menos iremos intervir no como o mundo digital se apresenta para os jovens, fazer alertas e adversões de comportamento atempadas e imediatas. Assinalo também a questão da despreocupação e falta de esforço na apresentação de medidas mais rigorosas (e essas sim resolutas) perante aqueles que são os algoritmos das plataformas digitais e o seu vicioso design. Diminuindo a capacidade de atenção, agem como parasitas pela maximização do tempo de tela e engajamento. Estamos vigentes de uma crise de saúde pública – falta a tratarmos como tal.

 

Há ainda outras questões pertinentes que não podemos deixar cair num mero “spam”: Será que esta adição desenfreada ao tecnológico é a causa ou a consequência? Colocamos tantas vezes as perguntas no lugar errado. Será que uma criança que tem um ambiente social saudável se sucumbe tanto ao ecrã quanto outras? Será que o conteúdo decifrado pelo algoritmo consegue infiltrar-se em todas as crianças por igual? O telemóvel incita ao bullying e ao isolamento ou será apenas mais um meio para este se disseminar e mais um sintoma?

Tal como já mencionei, o ministro da educação apresentou relatórios escolares que posta a proibição as escolas notaram o despencar do bullying. Já se deveria saber do grande enviesamento dessas métricas. Um relatório da APAV, de 2024, revelou que, por cada caso de bullying reportado oficialmente, existem pelo menos 4 casos não denunciados pelas vítimas ou pelas escolas. É dito que a proibição irá fomentar maior convivência saudável do cara a cara, palavras ao ar a pouca distância, a maior proximidade. A medida afirma também que as escolas devem fomentar atividades de ocupação e colaboração ainda que não dê quaisquer sugestões ou diretrizes para a elaboração das mesmas. Isto, quando ao mesmo tempo destroiem a rede de bibliotecas escolares e o Plano Nacional de Leitura. Agora será que, tal como foi dito, podemos apontar que a proibição irá diminuir o bullying? Vários casos saíram a público: vídeos de humilhação publicados e expostos. Houve revolta com estas situações (as quais não irei diretamente mencionar por razões óbvias), no entanto, em todas elas foi dado conta de ocorrências da mesma circunstância à priori. A diferença foi que desta vez havia provas. A escola foi obrigada a responder, justificar e a agir. Antes ficava o caso por desvalorizado e relativizavam-se as ofensas, a discriminação e o sofrimento das vítimas. “São coisas de crianças”. O único papel que o telemóvel aqui teve foi materializar a prova. Em todos estes casos foi notória a incompetência daquelas comunidades escolar em lidar com o caso sem qualquer intervenção – parece que a celebração da proibição destes dispositivos surge em muitas escolas por conveniência. Porque não surgem medidas mais incisivas contra este fenómeno? Porque não se aposta ainda mais na formação dos adultos e menores da comunidade escolar para lidar com estas situações? Porque temos sistemas tão frágeis no que conta a esta proteção? Porque a única ação de sensibilização aos jovens surge numa repetida e desatualizada apresentação de powerpoint da GNR? Não, a proibição do telemóvel não extingue o bullying.

Em suma, aponto dados da Internet Segura, de 2024, que indicam que jovens entre os 10 e os 16 anos passam, em média, 4 a 6 horas por dia a usar os seus telemóveis, fora do contexto escolar. Ou seja, considerando que o telemóvel fosse usado interruptamente nos intervalos de 30 min de manhã e tarde mais 1h no almoço, o olhar sobre o ecrã no tempo escolar é de apenas 25% a 33% do seu uso total. Esta medida é cínica e reforça o abandono sistemático à educação dos jovens e em nada colabora com a proteção destes. Fica o lembrete que deveria servir de alarme aos ouvidos da opinião pública. Temos de ir mais ao fundo da questão, – a qual nenhum partido se decide a ponderar – apostar em medidas mais contornadas e pensadas, a longo prazo e não em busca do eleitoralismo e acertos do imediato. Não tanto sobre desligar telemóveis, mas antes atender a chamada da literacia, da regulamentação das plataformas digitais e de medidas protetivas e preventivas.

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Este texto faz parte de uma série de textos de opinião de alunos do ensino secundário e superior sobre a sua visão do ensino e da educação.

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